quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VI - B



Palestina (continuação).

No século que antecedeu imediatamente a era cristã, fervilhavam seitas religiosas na Palestina. Por sua maior importância social destacavam-se as seitas dos saduceus, fariseus e essênios. No século seguinte surgiu a seita dos cristãos. A tradição religiosa hebraica era comum a todas estas seitas. 
Os saduceus compunham a camada alta da sociedade judia, controlavam o templo, ali exerciam o sacerdócio com exclusividade (aristocracia sacerdotal), aceitavam a cultura helênica e o domínio romano; não acreditavam na ressurreição e tampouco em recompensas e punições após a morte.
Os fariseus compunham a camada média da sociedade judia; faziam da sinagoga lugar de meditação e de ensino e rivalizavam com o monopólio religioso do templo; defendiam a obediência estrita à “lei” mosaica; atribuíam igual importância a todos os preceitos legais, quer fossem substanciais, quer fossem instrumentais; acreditavam na ressurreição e em recompensas e punições depois da morte; eram nacionalistas e esperavam a chegada de um messias político (libertador); opunham-se ao helenismo em sua terra e ao domínio romano.
Os essênios eram comunistas, messiânicos, ascetas, cuja maioria provinha da camada pobre da sociedade; comiam e bebiam apenas o suficiente para se manterem vivos e se consideravam os legítimos herdeiros do sacerdócio hebreu. Na opinião deles, o casamento era um mal necessário; encaravam o governo com indiferença, sem ambição política; censuravam a riqueza e o poder dos sacerdotes e dos governantes; recusavam-se a prestar juramento; valorizavam o aspecto espiritual da religião e não se apegavam ao ritual; acreditavam na vida após a morte (imortalidade da alma); esperavam a chegada de um messias religioso e a iminente destruição do mundo.
Os cristãos assemelhavam-se aos essênios na origem social, no comunismo, no messianismo, nos hábitos morigerados, no despojamento dos cuidados mundanos, na condenação da riqueza, do luxo e do despotismo, na falta de ambição política, na recusa de prestar juramento e na iminência do fim do mundo. Eles se orientavam por mandamentos fundamentais ditados por um profeta chamado Jesus: (1) amar a deus sobre todas as coisas; (2) amar ao próximo como a si mesmo; (3) amarem-se os apóstolos uns aos outros. Os cristãos acreditavam que o reino de deus viria logo e que haveria juízo final; que os inocentados ganhariam o céu e os condenados, o inferno. O sincero arrependimento por pecados cometidos era a tábua de salvação. O batismo era o símbolo da purificação e da fidelidade ao deus que o profeta chamava de Pai Celestial. Os pobres deviam ser amparados. Dedicar-se sincera e inteiramente ao apostolado significava pertencer à comunhão dos santos. Ouvir e seguir os ensinamentos do profeta significava pertencer à comunidade cristã.
A nova seita judia começou no primeiro século da era cristã com o magistério e a escola de João (apelidado Batista). Por sua insolência, este primeiro líder foi decapitado por ordem de Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia. Depois desta morte, a liderança da seita foi assumida por um galileu chamado Jesus (apelidado Nazareno), que afirmava ter vindo ao mundo para aperfeiçoar a “lei” e os “profetas”. A citada “lei” é o conjunto dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento (Bíblia, AT). Os “profetas” são as mensagens, admoestações e previsões dos profetas hebreus contidas nos diversos livros do AT. Este segundo líder, reconhecido como profeta, sofreu forte oposição dos saduceus e dos fariseus. Os opositores acusavam-no de impostor e herege, pois a sua pregação contrariava pontos fundamentais da “lei”; negavam que ele fosse judeu e o messias. Embora os evangelhos contenham falsidades e fantasias, ainda assim, se lhes for dado algum crédito, ver-se-á que o profeta Jesus não afirmara ser o messias esperado pelos judeus e sim o “filho do homem”, unido ao Pai Celestial e não ao deus Javé. Tampouco se identificou como judeu; sempre se posicionou em pólo oposto. Os judeus habitavam o sul da Palestina (Judéia), originários das tribos de Judá e Benjamin, designavam como gentio (gente inferior, estrangeira) aos samaritanos e galileus habitantes do centro e do norte da Palestina. {A área total da Palestina é menor do que a área total da Paraíba, estado que fica no nordeste do Brasil}. Samaritanos e galileus reconheciam a si próprios como descendentes dos medos e dos persas chegados na região da Samária e da Galiléia para povoá-la depois que os israelitas foram expulsos pelos assírios (722 a.C.). Jesus (o Cristo) era galileu. Os judeus incluíam-no entre o gentio. Ele foi condenado à morte pelo tribunal judeu (Sinédrio) cuja sentença foi executada segundo a lei romana (crucifixão) porque na época, a vigência da lei judia sobre execução da pena de morte de estrangeiro estava suspensa por decisão da autoridade romana.
Colocada na ilegalidade e perseguida, a seita de Batista e de Cristo ganhou foros de religião autônoma. Inicialmente, esta religião foi organizada por Saulo de Tarso, fariseu inteligente, culto e feio de aparência, convertido ao cristianismo com o nome de Paulo e que outorgou a si próprio o título de apóstolo sem jamais ter visto Jesus. Para convencer os apóstolos da primeira hora, Paulo disse ter sido interpelado por Jesus quando se dirigia a Damasco com a missão oficial de prender os cristãos. Não viu Jesus (e nem poderia, pois o profeta estava morto há trinta anos). Para evitar o embaraço de descrever Jesus diante de quem o conhecera e com ele convivera (os apóstolos da primeira hora), Paulo saiu pela tangente: disse que ficou cego pela forte luz irradiada do ponto de onde partia a voz. Isto explica o farisaísmo, as mentiras e a manipulação de dados que impregnaram a igreja cristã desde o nascedouro. Por isso mesmo, devia chamar-se igreja paulina ao invés de cristã. Ante a resistência social e política na Palestina, a expansão do novo credo ocorreu no exterior entre os povos politeístas e neste particular, o trabalho de Paulo foi extraordinário.  
Os hebreus também se destacaram no direito, na literatura e na filosofia, sem demonstrar vocação para as ciências e artes. O templo e os palácios foram arquitetados e construídos por estrangeiros. No livro Deuteronômio concentra-se o direito hebraico. O rei estava submetido à lei, proibido de acumular grande riqueza e de ostentar luxo; era seu dever a leitura constante do livro para se manter dentro das normas. Estas referências ao rei indicam que esse livro foi escrito depois do reinado de Salomão tendo em vista a vida licenciosa desse monarca. Os hebreus só tiveram rei por volta do ano 1000 a.C. Esse livro e os outros quatro da “lei” foram escritos no exílio babilônico. A justiça era administrada pelos idosos e no caso de condenação a sentença era executada pela família da vítima ou pela comunidade. Os juízes eram escolhidos pelo povo, deviam ser imparciais e recusar presentes. Feitiçaria e necromancia eram consideradas atividades criminosas. Os filhos não respondiam pelos atos dos pais. Cada pessoa respondia por seus atos perante a lei (responsabilidade individual). Vedava-se a cobrança de juros em empréstimo feito por um hebreu a outro. Ao fim de cada sete anos as dívidas deviam ser remidas. A dívida devia ser perdoada se a cobrança respectiva lançasse o devedor na pobreza. O hebreu não podia ser recrutado para serviço militar no estrangeiro, nem quando construísse casa, plantasse vinha ou contraísse matrimônio. A escravidão era legítima, mas o hebreu não podia ser escravo por mais de seis anos. O número 7 era cabalístico, como o candelabro hebraico de 7 braços (Menorá) e a semana de 7 dias. 
A literatura hebraica se contém no AT e não é tão antiga como se propala; a verificação histórica traz mais dúvida do que certeza. A origem do AT é atribuída à tradição oral e à compilação de fragmentos de escrituras (500 a 401 a.C.). Integram a literatura hebraica os livros: Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras e Crônicas. No segundo século da era cristã essa coleção estava terminada. O livro de Jó causou funda impressão nas gerações que se seguiram, apesar de ser plágio de um antigo texto da Babilônia. Este livro dramático trata essencialmente do sofrimento do personagem principal que perde todos os seus filhos e todos os seus bens, fica doente, se acha injustiçado e atribui suas desgraças à vontade do Senhor. Satanás desafia o Senhor dizendo que Jó tinha boas qualidades porque era protegido pela divindade, mas tão logo retirada essa proteção, Jó amaldiçoaria o Senhor. Jó discorda de Satanás (esta menção indica que o livro foi escrito depois da introdução entre os judeus da crença em Satã). Apesar das desgraças, Jó se mantém fiel ao Senhor, porém faz suas queixas. Os amigos consolam-no e afirmam que o sofrimento é punição pelos pecados cometidos. Jó discorda: a morte aniquila o mal e o sofrimento; deus reúne em si bondade e maldade; é um demônio onipotente e caprichoso, ora amoroso, ora raivoso. Em longos discursos, Jó fala da origem da sabedoria: um véu a oculta de todos os viventes; a sabedoria vale mais do que as pérolas; não pode ser igualada ao topázio da Etiópia, nem equiparada ao mais puro ouro. Inconformado com o diálogo entre os mais velhos, o amigo mais jovem, de nome Eliu, profere uma série de discursos recriminando a pretensão de Jó de se justificar: Deus está envolto numa majestade temível; não podemos atingir o todo-poderoso, eminente em força, em equidade e em justiça, não tem a dar contas a ninguém; que os homens, pois, o reverenciem; ele não olha aqueles que se julgam sábios. Seguem dois discursos pronunciados de dentro da tempestade pelo Senhor: Quem é aquele que obscurece assim a Providência com discursos sem inteligência?(...) Aquele que disputa com o Todo-Poderoso apresente suas críticas! Aquele que discute com Deus responda! Jó se humilha e se arrepende: o universo é maior do que o homem; deus não se limita aos padrões humanos de equidade e bondade. A reflexão filosófica devolve o homem à sua modesta e natural estatura. O livro se encerra com uma admoestação do Senhor aos amigos de Jó porque eles não souberam aconselhar e não falaram bem do Senhor. Jó é abençoado, recupera a saúde e a riqueza, teve filhos e filhas, viveu mais 140 anos depois da benção.

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