Palestina (continuação).
No século que antecedeu
imediatamente a era cristã, fervilhavam seitas religiosas na Palestina. Por sua
maior importância social destacavam-se as seitas dos saduceus, fariseus e
essênios. No século seguinte surgiu a seita dos cristãos. A tradição religiosa
hebraica era comum a todas estas seitas.
Os saduceus compunham a camada alta da sociedade judia, controlavam o
templo, ali exerciam o sacerdócio com exclusividade (aristocracia sacerdotal),
aceitavam a cultura helênica e o domínio romano; não acreditavam na
ressurreição e tampouco em recompensas e punições após a morte.
Os fariseus compunham a camada média da sociedade judia; faziam da
sinagoga lugar de meditação e de ensino e rivalizavam com o monopólio religioso
do templo; defendiam a obediência estrita à “lei” mosaica; atribuíam igual
importância a todos os preceitos legais, quer fossem substanciais, quer fossem
instrumentais; acreditavam na ressurreição e em recompensas e punições depois
da morte; eram nacionalistas e esperavam a chegada de um messias político
(libertador); opunham-se ao helenismo em sua terra e ao domínio romano.
Os essênios eram comunistas, messiânicos, ascetas, cuja maioria
provinha da camada pobre da sociedade; comiam e bebiam apenas o suficiente para
se manterem vivos e se consideravam os legítimos herdeiros do sacerdócio
hebreu. Na opinião deles, o casamento era um mal necessário; encaravam o
governo com indiferença, sem ambição política; censuravam a riqueza e o poder
dos sacerdotes e dos governantes; recusavam-se a prestar juramento; valorizavam
o aspecto espiritual da religião e não se apegavam ao ritual; acreditavam na
vida após a morte (imortalidade da alma); esperavam a chegada de um messias
religioso e a iminente destruição do mundo.
Os cristãos assemelhavam-se aos essênios na origem social, no
comunismo, no messianismo, nos hábitos morigerados, no despojamento dos
cuidados mundanos, na condenação da riqueza, do luxo e do despotismo, na falta
de ambição política, na recusa de prestar juramento e na iminência do fim do
mundo. Eles se orientavam por mandamentos fundamentais ditados por um profeta
chamado Jesus: (1) amar a deus sobre todas as coisas; (2) amar ao próximo como
a si mesmo; (3) amarem-se os apóstolos uns aos outros. Os cristãos acreditavam
que o reino de deus viria logo e que haveria juízo final; que os inocentados
ganhariam o céu e os condenados, o inferno. O sincero arrependimento por
pecados cometidos era a tábua de salvação. O batismo era o símbolo da
purificação e da fidelidade ao deus que o profeta chamava de Pai Celestial. Os pobres deviam ser
amparados. Dedicar-se sincera e inteiramente ao apostolado significava
pertencer à comunhão dos santos. Ouvir e seguir os ensinamentos do profeta
significava pertencer à comunidade cristã.
A nova seita judia começou no
primeiro século da era cristã com o magistério e a escola de João (apelidado Batista). Por sua insolência, este
primeiro líder foi decapitado por ordem de Herodes Antipas, tetrarca da
Galiléia. Depois desta morte, a liderança da seita foi assumida por um galileu
chamado Jesus (apelidado Nazareno), que
afirmava ter vindo ao mundo para aperfeiçoar a “lei” e os “profetas”. A citada
“lei” é o conjunto dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento (Bíblia,
AT). Os “profetas” são as mensagens, admoestações e previsões dos profetas
hebreus contidas nos diversos livros do AT. Este segundo líder, reconhecido
como profeta, sofreu forte oposição dos saduceus e dos fariseus. Os opositores
acusavam-no de impostor e herege, pois a sua pregação contrariava pontos
fundamentais da “lei”; negavam que ele fosse judeu e o messias. Embora os
evangelhos contenham falsidades e fantasias, ainda assim, se lhes for dado
algum crédito, ver-se-á que o profeta Jesus não afirmara ser o messias esperado
pelos judeus e sim o “filho do homem”, unido ao Pai Celestial e não ao deus Javé. Tampouco se identificou como
judeu; sempre se posicionou em pólo oposto. Os judeus habitavam o sul da
Palestina (Judéia), originários das tribos de Judá e Benjamin, designavam como gentio (gente inferior, estrangeira) aos
samaritanos e galileus habitantes do centro e do norte da Palestina. {A área
total da Palestina é menor do que a área total da Paraíba, estado que fica no
nordeste do Brasil}. Samaritanos e galileus reconheciam a si próprios como
descendentes dos medos e dos persas chegados na região da Samária e da Galiléia
para povoá-la depois que os israelitas foram expulsos pelos assírios (722 a.C.). Jesus (o Cristo) era galileu. Os judeus
incluíam-no entre o gentio. Ele foi
condenado à morte pelo tribunal judeu (Sinédrio) cuja sentença foi executada
segundo a lei romana (crucifixão) porque na época, a vigência da lei judia
sobre execução da pena de morte de estrangeiro estava suspensa por decisão da
autoridade romana.
Colocada na ilegalidade e
perseguida, a seita de Batista e de Cristo ganhou foros de religião autônoma.
Inicialmente, esta religião foi organizada por Saulo de Tarso, fariseu
inteligente, culto e feio de aparência, convertido ao cristianismo com o nome
de Paulo e que outorgou a si próprio o título de apóstolo sem jamais ter visto
Jesus. Para convencer os apóstolos da primeira hora, Paulo disse ter sido
interpelado por Jesus quando se dirigia a Damasco com a missão oficial de
prender os cristãos. Não viu Jesus (e nem poderia, pois o profeta estava morto
há trinta anos). Para evitar o embaraço de descrever Jesus diante de quem o
conhecera e com ele convivera (os apóstolos da primeira hora), Paulo saiu pela
tangente: disse que ficou cego pela forte luz irradiada do ponto de onde partia
a voz. Isto explica o farisaísmo, as mentiras e a manipulação de dados que
impregnaram a igreja cristã desde o nascedouro. Por isso mesmo, devia chamar-se
igreja paulina ao invés de cristã. Ante a resistência social e
política na Palestina, a expansão do novo credo ocorreu no exterior entre os
povos politeístas e neste particular, o trabalho de Paulo foi extraordinário.
Os hebreus também se destacaram
no direito, na literatura e na filosofia, sem demonstrar vocação para as
ciências e artes. O templo e os palácios foram arquitetados e construídos por
estrangeiros. No livro Deuteronômio concentra-se o direito hebraico. O rei
estava submetido à lei, proibido de acumular grande riqueza e de ostentar luxo;
era seu dever a leitura constante do livro para se manter dentro das normas.
Estas referências ao rei indicam que esse livro foi escrito depois do reinado
de Salomão tendo em vista a vida licenciosa desse monarca. Os hebreus só
tiveram rei por volta do ano 1000
a.C. Esse livro e os outros quatro da “lei” foram
escritos no exílio babilônico. A justiça era administrada pelos idosos e no
caso de condenação a sentença era executada pela família da vítima ou pela
comunidade. Os juízes eram escolhidos pelo povo, deviam ser imparciais e
recusar presentes. Feitiçaria e necromancia eram consideradas atividades
criminosas. Os filhos não respondiam pelos atos dos pais. Cada pessoa respondia
por seus atos perante a lei (responsabilidade individual). Vedava-se a cobrança
de juros em empréstimo feito por um hebreu a outro. Ao fim de cada sete anos as
dívidas deviam ser remidas. A dívida devia ser perdoada se a cobrança
respectiva lançasse o devedor na pobreza. O hebreu não podia ser recrutado para
serviço militar no estrangeiro, nem quando construísse casa, plantasse vinha ou
contraísse matrimônio. A escravidão era legítima, mas o hebreu não podia ser
escravo por mais de seis anos. O número 7 era cabalístico, como o candelabro
hebraico de 7 braços (Menorá) e a
semana de 7 dias.
A literatura hebraica se contém no AT e não é tão
antiga como se propala; a verificação histórica traz mais dúvida do que
certeza. A origem do AT é atribuída à tradição oral e à compilação de
fragmentos de escrituras (500
a 401 a.C.).
Integram a literatura hebraica os livros: Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos
Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras e Crônicas. No
segundo século da era cristã essa coleção estava terminada. O livro de Jó
causou funda impressão nas gerações que se seguiram, apesar de ser plágio de um
antigo texto da Babilônia. Este livro dramático trata essencialmente do
sofrimento do personagem principal que perde todos os seus filhos e todos os
seus bens, fica doente, se acha injustiçado e atribui suas desgraças à vontade
do Senhor. Satanás desafia o Senhor dizendo que Jó tinha boas qualidades porque
era protegido pela divindade, mas tão logo retirada essa proteção, Jó
amaldiçoaria o Senhor. Jó
discorda de Satanás (esta menção indica que o livro foi escrito depois da
introdução entre os judeus da crença em Satã). Apesar
das desgraças, Jó se mantém fiel ao Senhor, porém faz suas queixas. Os amigos
consolam-no e afirmam que o sofrimento é punição pelos pecados cometidos. Jó
discorda: a morte aniquila o mal e o
sofrimento; deus reúne em si bondade e maldade; é um demônio onipotente e
caprichoso, ora amoroso, ora raivoso. Em longos discursos, Jó fala da
origem da sabedoria: um véu a oculta de todos os viventes; a sabedoria vale
mais do que as pérolas; não pode ser igualada ao topázio da Etiópia, nem
equiparada ao mais puro ouro. Inconformado com o diálogo entre os mais
velhos, o amigo mais jovem, de nome Eliu, profere uma série de discursos
recriminando a pretensão de Jó de se justificar: Deus está envolto numa
majestade temível; não podemos atingir o todo-poderoso, eminente em força, em
equidade e em justiça, não tem a dar contas a ninguém; que os homens, pois, o
reverenciem; ele não olha aqueles que se julgam sábios. Seguem dois
discursos pronunciados de dentro da
tempestade pelo Senhor: Quem é aquele que obscurece assim a
Providência com discursos sem inteligência?(...) Aquele que disputa com o
Todo-Poderoso apresente suas críticas! Aquele que discute com Deus responda!
Jó se humilha e se arrepende: o universo
é maior do que o homem; deus não se limita aos padrões humanos de equidade e
bondade. A reflexão filosófica devolve o homem à sua modesta e natural
estatura. O livro se encerra com uma admoestação do Senhor aos amigos de Jó
porque eles não souberam aconselhar e não falaram bem do Senhor. Jó é
abençoado, recupera a saúde e a riqueza, teve filhos e filhas, viveu mais 140
anos depois da benção.
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