Pérsia (final).
Segundo a filosofia de
Zaratustra, o ser humano possui livre arbítrio; cabe-lhe a decisão de pecar ou
de não pecar e evitar a punição futura. Arrolava como deveres: obedecer ao
governante, fidelidade, ser hospitaleiro, amigo dos pobres, amar e auxiliar o
próximo, respeitar o que fosse livremente contratado, gerar descendência
numerosa, cultivar a terra (quem semeia o
grão, semeia a santidade). Aquele que alimentar um crente irá ao paraíso. A
temperança é preferível à abstinência. Regra de ouro: não fazer ao outro o que não for bom para si mesmo.
Na lista dos pecados estavam
incluídos: aborto, acumular riqueza, adultério, caluniar, cobiçar, cobrar juros
de alguém da mesma religião, dissipar, gula, indolência, ira, luxúria, orgulho.
Considerava práticas prejudiciais ao corpo e à alma que tornavam os indivíduos
incapazes para os deveres da agricultura e da procriação: infligir sofrimento a
si mesmo, jejuar, suportar dores excessivas.
O fogo sagrado, símbolo do poder
de Ahura-Mazda, devia ser mantido aceso. A expressão “manter a chama acesa” vem de longe, porém na civilização ocidental
moderna ficou restrita ao sentido espiritual e ao uso poético, tendo em vista o
risco de a sua aplicação prática incendiar o templo ou a casa, mormente diante
de material de construção e decoração inflamável. Na Índia (Bombaim) há um
templo do fogo onde os parsis
(adeptos do zoroastrismo) mantêm acesa a chama sagrada. No Irã, em que pese o
domínio muçulmano que espantou persas para a Índia nos anos 700 a 1000, ainda existe um
núcleo de adeptos dos ensinamentos de Zaratustra.
A revelação divina é o fulcro
dessa doutrina. Os fiéis eram os únicos possuidores da verdade porque os
segredos do deus lhes eram revelados. Os fiéis comungavam parte da sabedoria
divina. A verdade a que tinham acesso não podia ser objeto de investigação
racional. O livro sagrado Avesta
(coleção de hinos, orações e preceitos ritualísticos) contém o conhecimento
revelado a Zaratustra por Ahura-Mazda. O zoroastrismo, o judaísmo, o cristianismo
e o islamismo são as religiões que têm a revelação divina como um dos seus
alicerces. Cada uma delas tem o seu “livro sagrado”. Esse irracional componente
religioso favorece dogmatismo, intolerância e enfrentamento.
A pureza da nova religião foi minada
pelas crenças antigas dos persas, pelas crenças dos caldeus e pela ambição do
clero. Do sincretismo religioso e mágico emergiram novos cultos. A lenda de
Mitra foi uma dessas ramificações (500 a 401 a.C.). Mitra nasceu em um rochedo. Pastores
trouxeram-lhe presentes em sinal de reverência pela sua grande missão na Terra.
Para bem desempenhar sua missão ele fez um pacto com o Sol e obteve luz e calor
em benefício das plantas. Ele capturou o touro divino, levou-o para uma caverna
onde o matou por determinação do Sol. Plantas valiosas para o homem provieram
da carne e do sangue do touro divino. Com a sua lança, Mitra furou a rocha e
dela saiu água. Isto acabou com a seca provocada por Ahriman. “Tirar água de
pedra” é expressão usada ainda hoje para significar tarefa difícil ou
impossível. Com o propósito de extinguir a raça humana, Ahriman provocou um
dilúvio, porém Mitra construiu – ou mandou construir – uma arca e salvou a raça
humana e os animais. Ao fim do seu trabalho, Mitra participou de um festim sagrado
com o Sol e subiu aos céus. Quando Mitra voltar concederá imortalidade aos
crentes.
Havia o ritual do batismo, da
sagrada refeição de pão e água, da purificação lustral, ablução cerimonial com
água, queima de incenso, cânticos sagrados. Havia dias santos como o domingo e
o do solstício do inverno no hemisfério norte. O retorno do Sol da sua viagem
ao sul do equador era visto como o dia do seu nascimento: 25 de dezembro
(adotado pelo clero cristão para comemorar o nascimento de Jesus cuja data
verdadeira é desconhecida). A cada dia da semana correspondia um astro. Após a
queda do império persa, o mitraísmo expandiu-se e foi introduzido em Roma no
último século antes da era cristã, onde exerceu atração no meio da soldadesca,
dos estrangeiros e dos escravos até se tornar amplamente popular e superar o
cristianismo e o paganismo nos séculos II e III (101 a 300 d.C.).
Outra religião com raiz persa foi
fundada na era cristã por um sacerdote de Ecbatana chamado Mani (250 d.C.). O
seu objetivo era reformar a religião dominante. Pregava uma religião universal
para todas as pessoas e todas as classes indistintamente. Ante a resistência
que encontrou em seu país, peregrinou pela Índia e China. Acusa-se a
fraternidade dos magos de persuadir os monarcas a proibirem o maniqueísmo. Mani
foi crucificado (276 d.C.). Perseguidos, os discípulos levaram os ensinamentos
do mestre à Itália e aos países da Ásia Ocidental. Houve maniqueus que se
tornaram cristãos, entre eles, Agostinho, santo da igreja.
Mani sofreu a influência da
religião da Babilônia, do budismo e do cristianismo. O dualismo de Zaratustra
era o ponto central da doutrina de Mani. Duas divindades competiam pela
primazia e todo o universo dividia-se em dois reinos, um a antítese do outro: o
espiritual dominado por Deus e o material dominado por Satã. Somente as
substâncias espirituais eram criadas por Deus (luz, fogo, almas). Satã era o
criador das trevas, do pecado, do desejo e de todas as coisas materiais. Os
primeiros pais da raça humana receberam seus corpos de Satã. Dessa origem
satânica decorre a natureza maldosa do homem. Cabe ao ser humano o esforço para
se libertar dessa natureza, refrear os seus apetites e os prazeres dos
sentidos, abster-se de comer carne, de beber vinho e de satisfazer o desejo
sexual. O casamento deve ser evitado porque traz novos corpos para povoar o
reino de Satã. Para se libertar do pecado os homens devem jejuar e se
penitenciar. Os que agem assim fazem parte da raça perfeita; são os eleitos.
Os demais fazem parte da raça
secular; são os ouvintes que
devem evitar a idolatria, a avareza, a fornicação, a falsidade e a ingestão de
carne. Profetas e redentores são enviados periodicamente por Deus a fim de
ajudar os homens na luta contra o poder de Satã. Noé, Abraão, Zaratustra, Jesus
e Paulo estavam entre esses emissários divinos, mas o último e maior de todos
era ele, Mani (séculos depois, Maomé diria o mesmo de si).
A doutrina maniqueísta teve larga
aceitação no império romano e no clero católico. O maniqueísmo com feição
cristã tornou-se uma seita da igreja primitiva e fortaleceu: (1) o dualismo
cristão Deus x Diabo; espírito x matéria; luz x trevas; (2) a doutrina do
pecado original e da depravação do homem. Além disto, contribuiu para: (1) o
ascetismo cristão; (2) a dicotomia ética da igreja: (I) padrão de perfeição
para os poucos que se retiram do mundo e levam uma vida santa e exemplar
(monges e freiras); (II) padrão socialmente possível para os cristãos comuns
(fiéis).
O gnosticismo, também herança persa, provável produção cultural coletiva
posto ser desconhecido fundador individual, veio à luz do mundo no primeiro
século da era cristã. Encontrou terreno fértil no Oriente Próximo, região que se estende do limite ocidental da Índia
até o Egito, incluindo a Mesopotâmia, onde se desenvolveram as culturas dos
egípcios, sumerianos, babilônios, assírios, caldeus, cretenses, hititas, persas
e hebreus.
A filosofia gnóstica era de cunho
místico. Em grego, gnosis significa conhecimento. Os adeptos da doutrina
afirmavam possuir um conhecimento secreto revelado por Deus. As verdades da
religião não podiam ser descobertas pela razão. A sabedoria revelada era um
guia da fé. Somente os iniciados tinham acesso ao significado de princípios, leis,
rituais e símbolos. Havia a crença no primeiro
homem que existiu antes da criação do mundo (no evangelho cristão insinua-se
que Jesus seria esse primeiro homem). Segundo os gnósticos, o primeiro homem aparece periodicamente no
mundo como profeta. Antes do fim do mundo ele tornará a aparecer como um
messias. Este indivíduo é um deus (arquétipo do homem) que assume a forma
humana e por isso é chamado de primeiro
homem ou de filho do homem para
lembrar que se trata de uma divindade inferior ao deus supremo.
O gnosticismo floresceu também na linha xiita do islã:
sobrenatural, dualismo, misticismo, messianismo e ascetismo. Há traços
gnósticos nos ensinamentos das escolas de mistérios, tais como: conhecimento
acessível somente aos iniciados, sabedoria secreta, misticismo.
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