sábado, 23 de novembro de 2013

FILOSOFIA V - A



Pérsia (final).

Segundo a filosofia de Zaratustra, o ser humano possui livre arbítrio; cabe-lhe a decisão de pecar ou de não pecar e evitar a punição futura. Arrolava como deveres: obedecer ao governante, fidelidade, ser hospitaleiro, amigo dos pobres, amar e auxiliar o próximo, respeitar o que fosse livremente contratado, gerar descendência numerosa, cultivar a terra (quem semeia o grão, semeia a santidade). Aquele que alimentar um crente irá ao paraíso. A temperança é preferível à abstinência. Regra de ouro: não fazer ao outro o que não for bom para si mesmo.
Na lista dos pecados estavam incluídos: aborto, acumular riqueza, adultério, caluniar, cobiçar, cobrar juros de alguém da mesma religião, dissipar, gula, indolência, ira, luxúria, orgulho. Considerava práticas prejudiciais ao corpo e à alma que tornavam os indivíduos incapazes para os deveres da agricultura e da procriação: infligir sofrimento a si mesmo, jejuar, suportar dores excessivas.
O fogo sagrado, símbolo do poder de Ahura-Mazda, devia ser mantido aceso. A expressão “manter a chama acesa” vem de longe, porém na civilização ocidental moderna ficou restrita ao sentido espiritual e ao uso poético, tendo em vista o risco de a sua aplicação prática incendiar o templo ou a casa, mormente diante de material de construção e decoração inflamável. Na Índia (Bombaim) há um templo do fogo onde os parsis (adeptos do zoroastrismo) mantêm acesa a chama sagrada. No Irã, em que pese o domínio muçulmano que espantou persas para a Índia nos anos 700 a 1000, ainda existe um núcleo de adeptos dos ensinamentos de Zaratustra.
A revelação divina é o fulcro dessa doutrina. Os fiéis eram os únicos possuidores da verdade porque os segredos do deus lhes eram revelados. Os fiéis comungavam parte da sabedoria divina. A verdade a que tinham acesso não podia ser objeto de investigação racional. O livro sagrado Avesta (coleção de hinos, orações e preceitos ritualísticos) contém o conhecimento revelado a Zaratustra por Ahura-Mazda. O zoroastrismo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo são as religiões que têm a revelação divina como um dos seus alicerces. Cada uma delas tem o seu “livro sagrado”. Esse irracional componente religioso favorece dogmatismo, intolerância e enfrentamento.
A pureza da nova religião foi minada pelas crenças antigas dos persas, pelas crenças dos caldeus e pela ambição do clero. Do sincretismo religioso e mágico emergiram novos cultos. A lenda de Mitra foi uma dessas ramificações (500 a 401 a.C.). Mitra nasceu em um rochedo. Pastores trouxeram-lhe presentes em sinal de reverência pela sua grande missão na Terra. Para bem desempenhar sua missão ele fez um pacto com o Sol e obteve luz e calor em benefício das plantas. Ele capturou o touro divino, levou-o para uma caverna onde o matou por determinação do Sol. Plantas valiosas para o homem provieram da carne e do sangue do touro divino. Com a sua lança, Mitra furou a rocha e dela saiu água. Isto acabou com a seca provocada por Ahriman. “Tirar água de pedra” é expressão usada ainda hoje para significar tarefa difícil ou impossível. Com o propósito de extinguir a raça humana, Ahriman provocou um dilúvio, porém Mitra construiu – ou mandou construir – uma arca e salvou a raça humana e os animais. Ao fim do seu trabalho, Mitra participou de um festim sagrado com o Sol e subiu aos céus. Quando Mitra voltar concederá imortalidade aos crentes.
Havia o ritual do batismo, da sagrada refeição de pão e água, da purificação lustral, ablução cerimonial com água, queima de incenso, cânticos sagrados. Havia dias santos como o domingo e o do solstício do inverno no hemisfério norte. O retorno do Sol da sua viagem ao sul do equador era visto como o dia do seu nascimento: 25 de dezembro (adotado pelo clero cristão para comemorar o nascimento de Jesus cuja data verdadeira é desconhecida). A cada dia da semana correspondia um astro. Após a queda do império persa, o mitraísmo expandiu-se e foi introduzido em Roma no último século antes da era cristã, onde exerceu atração no meio da soldadesca, dos estrangeiros e dos escravos até se tornar amplamente popular e superar o cristianismo e o paganismo nos séculos II e III (101 a 300 d.C.).
Outra religião com raiz persa foi fundada na era cristã por um sacerdote de Ecbatana chamado Mani (250 d.C.). O seu objetivo era reformar a religião dominante. Pregava uma religião universal para todas as pessoas e todas as classes indistintamente. Ante a resistência que encontrou em seu país, peregrinou pela Índia e China. Acusa-se a fraternidade dos magos de persuadir os monarcas a proibirem o maniqueísmo. Mani foi crucificado (276 d.C.). Perseguidos, os discípulos levaram os ensinamentos do mestre à Itália e aos países da Ásia Ocidental. Houve maniqueus que se tornaram cristãos, entre eles, Agostinho, santo da igreja.
Mani sofreu a influência da religião da Babilônia, do budismo e do cristianismo. O dualismo de Zaratustra era o ponto central da doutrina de Mani. Duas divindades competiam pela primazia e todo o universo dividia-se em dois reinos, um a antítese do outro: o espiritual dominado por Deus e o material dominado por Satã. Somente as substâncias espirituais eram criadas por Deus (luz, fogo, almas). Satã era o criador das trevas, do pecado, do desejo e de todas as coisas materiais. Os primeiros pais da raça humana receberam seus corpos de Satã. Dessa origem satânica decorre a natureza maldosa do homem. Cabe ao ser humano o esforço para se libertar dessa natureza, refrear os seus apetites e os prazeres dos sentidos, abster-se de comer carne, de beber vinho e de satisfazer o desejo sexual. O casamento deve ser evitado porque traz novos corpos para povoar o reino de Satã. Para se libertar do pecado os homens devem jejuar e se penitenciar. Os que agem assim fazem parte da raça perfeita; são os eleitos. Os demais fazem parte da raça secular; são os ouvintes que devem evitar a idolatria, a avareza, a fornicação, a falsidade e a ingestão de carne. Profetas e redentores são enviados periodicamente por Deus a fim de ajudar os homens na luta contra o poder de Satã. Noé, Abraão, Zaratustra, Jesus e Paulo estavam entre esses emissários divinos, mas o último e maior de todos era ele, Mani (séculos depois, Maomé diria o mesmo de si).
A doutrina maniqueísta teve larga aceitação no império romano e no clero católico. O maniqueísmo com feição cristã tornou-se uma seita da igreja primitiva e fortaleceu: (1) o dualismo cristão Deus x Diabo; espírito x matéria; luz x trevas; (2) a doutrina do pecado original e da depravação do homem. Além disto, contribuiu para: (1) o ascetismo cristão; (2) a dicotomia ética da igreja: (I) padrão de perfeição para os poucos que se retiram do mundo e levam uma vida santa e exemplar (monges e freiras); (II) padrão socialmente possível para os cristãos comuns (fiéis).
O gnosticismo, também herança persa, provável produção cultural coletiva posto ser desconhecido fundador individual, veio à luz do mundo no primeiro século da era cristã. Encontrou terreno fértil no Oriente Próximo, região que se estende do limite ocidental da Índia até o Egito, incluindo a Mesopotâmia, onde se desenvolveram as culturas dos egípcios, sumerianos, babilônios, assírios, caldeus, cretenses, hititas, persas e hebreus.
A filosofia gnóstica era de cunho místico. Em grego, gnosis significa conhecimento. Os adeptos da doutrina afirmavam possuir um conhecimento secreto revelado por Deus. As verdades da religião não podiam ser descobertas pela razão. A sabedoria revelada era um guia da fé. Somente os iniciados tinham acesso ao significado de princípios, leis, rituais e símbolos. Havia a crença no primeiro homem que existiu antes da criação do mundo (no evangelho cristão insinua-se que Jesus seria esse primeiro homem). Segundo os gnósticos, o primeiro homem aparece periodicamente no mundo como profeta. Antes do fim do mundo ele tornará a aparecer como um messias. Este indivíduo é um deus (arquétipo do homem) que assume a forma humana e por isso é chamado de primeiro homem ou de filho do homem para lembrar que se trata de uma divindade inferior ao deus supremo.
O gnosticismo floresceu também na linha xiita do islã: sobrenatural, dualismo, misticismo, messianismo e ascetismo. Há traços gnósticos nos ensinamentos das escolas de mistérios, tais como: conhecimento acessível somente aos iniciados, sabedoria secreta, misticismo.

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