domingo, 19 de agosto de 2012

MENSALÃO3


Na ação penal pública, como a do mensalão, o Estado deve acusar calcado em depoimentos, documentos e exames periciais de forte credibilidade. Na instrução processual (que se segue ao recebimento da denúncia) cabe ao órgão acusador produzir provas sob o crivo do contraditório (acusação x defesa). No processo da referida ação penal, o ônus da prova, segundo a defesa, ter-se-ia invertido. O Estado (representado pelo órgão de acusação) ter-se-ia apoiado em suposições derivadas dos dados obtidos fora do contraditório, referidos nos inquéritos, jornais e revistas. O órgão acusador deixara de cumprir o dever de provar de modo idôneo a culpabilidade dos réus (materialidade e autoria do fato qualificado de criminoso, nexo causal, dolo). Através da imprensa, o Procurador-Geral da República qualificou de ladainha os argumentos da defesa. Apreciação correta, mas depreciativa. Embora o discurso da defesa, além dos ornamentos retóricos, contenha também idéias e pretensões, a maioria dos advogados excedeu-se nas repetições e aborreceu o auditório. A verborréia é defeito dos operadores do direito em geral (juízes, promotores, advogados, parlamentares, professores). Dentro do tempo que lhes é reservado por lei, os advogados podem usar livremente da palavra, desde que respeitem o decoro e a ética profissional. Caso transponham os lindes da boa conduta, a palavra ser-lhes-á cassada pelo magistrado que presidir a sessão do tribunal. Além disto, poderão responder a processo disciplinar perante o conselho de ética da Ordem dos Advogados do Brasil. Se o advogado abusar das suas prerrogativas estará sujeito a processo judicial requerido por quem sentir-se ofendido. No âmbito do Estado de direito republicano e democrático, o abuso no exercício de prerrogativas praticado por parlamentares, chefes de governo, juízes, promotores, advogados, deve ser apurado e punido na forma da lei. A inviolabilidade desses profissionais não significa licença para praticar crimes, transgredir o direito, a moral, os bons costumes, e nem se destina a colocá-los acima da ordem jurídica e fora do controle jurisdicional. 
O advogado não está obrigado a provar inicialmente a inocência do seu cliente. A presunção de inocência prevalece até prova em contrário. O que se prova em juízo é a culpa. Provada a culpa, o réu pode ser condenado. Ainda que provado o fato ou o ato, o réu será absolvido se houver excludente da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito). O mesmo ocorrerá se ficar provado que o réu praticou o ato em estrita obediência à ordem – não manifestamente ilegal – de superior hierárquico. Provado o fato tipificado como crime e julgada procedente a denúncia, o réu poderá ficar isento de pena, ou ter a pena reduzida, se presentes as especiais situações previstas no código penal (doença mental, embriaguez fortuita, arrependimento eficaz, erro).
Aos juízes cabe examinar, ponderar e decidir. O bom senso, o razoável, o sentimento de justiça, servir-lhes-ão de guia na busca da verdade contida nos autos do processo. Nos tribunais, juízes costumam comparecer às sessões de julgamento com os votos prontos. O STF não é exceção. Raramente os juízes mudam o seu voto, embora possam fazê-lo enquanto o veredicto não for proclamado. Apesar disto e de eventual bacharelice, válida se afigura a sustentação oral. A probabilidade de o voto ser modificado, ainda que mínima e remota, justifica a sustentação. Preponderam liberdade e justiça. 
Na sessão do dia 16/08/2012, quando começou o exame do mérito da ação penal, o relator explicou o método que utilizara na elaboração do seu voto. Foi o que bastou para o revisor protestar: aquele método de fatiar o julgamento era inconstitucional, ilegal, contrário ao regimento do STF, incompatível com o método do revisor que por seis meses estudou o processo e elaborou 38 votos, um para cada réu. O relator revidou: o método é válido porque individualiza o tratamento enquanto obedece a seqüência das acusações adotada na denúncia. Os ânimos acirraram-se. Situação surrealista. O presidente do tribunal submeteu a discórdia à apreciação do plenário. Por maioria, os ministros decidiriam que a escolha do método seria privativa de cada julgador.
O julgamento obedecia à processualística. No entrevero perdeu-se de vista a autonomia do juiz para julgar segundo o seu entendimento e a sua consciência. O voto é decisão individual. A decisão colegiada brota da unanimidade ou da maioria dos votos convergentes. À sua decisão individual (voto) o juiz imprime a forma que lhe parecer conveniente (até em versos, se poeta for) desde que contenha a análise das questões de fato e de direito (fundamentos) e a solução dada ao caso (dispositivo). Em matéria penal, o voto deve preencher os requisitos da sentença penal (resumo da acusação e da defesa, motivos de fato e de direito que alicerçam a decisão, artigos legais aplicados e a solução). O juiz pode emitir sucinto voto de adesão. Voto com o relator, ou acompanho o relator, voto com a divergência ou acompanho a divergência, são expressões usuais de adesão aos fundamentos e ao dispositivo do voto do colega de toga.
No processo do mensalão, o relator segue item por item a pretensão deduzida na petição inicial. O revisor declarou que seguiu caminho distinto em seu voto. Outro ministro poderá reunir em uma parte do seu voto os réus que absolveu e em outra, os réus que condenou; outro poderá simplesmente aderir ao voto do julgador que o antecedeu. Verifica-se das atitudes dos ministros que uns tendem a condenar e outros a absolver. Isto explica, em parte, a animosidade e a hipersensibilidade daqueles que se sentem gravemente ofendidos ao menor e insípido gesto dos atores do drama judiciário. A vaidade, o cansaço e a pressão social contribuem para elevar a temperatura emocional na sessão de julgamento. Outrora, quando a freqüência vibratória da sociedade era mais branda, a serenidade dos juízes era virtude cardeal. Hodiernamente, o dinamismo e a crescente complexidade da sociedade geraram juízes agressivos, neurastênicos e impacientes. Diante dessa realidade, o código de ética da magistratura brasileira ficou anacrônico. A serenidade tornou-se virtude rara. 

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