sexta-feira, 17 de agosto de 2012

MENSALÃO2


Encerrada a instrução processual (produção de provas), as partes apresentam alegações finais por escrito. Fundados na análise que fazem do que foi produzido no curso do processo, o MPF pleiteia a condenação e os patronos dos réus, a absolvição. Após as alegações finais, as partes ainda têm o ensejo legal de insistir nas suas teses em dois momentos: (i) o que antecede a sessão de julgamento designada, mediante memoriais (resumo escrito dos fatos e das pretensões entregue aos julgadores na véspera da sessão); (ii) na sessão de julgamento, mediante sustentação oral (discurso verbal diante dos julgadores).
O Procurador-Geral da República (chefe do MPF) produziu serena e bem articulada sustentação oral. Pediu a condenação de 36 e a absolvição de dois réus. A sustentação durou cinco horas tendo em vista o volume dos autos do processo e o numeroso pólo passivo, motivos que também alicerçaram a decisão do tribunal de conceder aos réus uma hora por cabeça (tempo regimental) em cinco horas diárias. Na defesa atuaram advogados de excelente nível intelectual. Honraram a advocacia e a memória de Ruy Barbosa. Altaneiros, exerceram o ministério privado com dignidade e independência. Tecnicamente, sustentaram falta de provas ou insuficiência de provas quanto aos fatos, ao dolo e ao nexo causal entre a conduta dos réus e os ilícitos descritos na petição inicial da demanda (denúncia). Alegaram mais, que a petição inicial desatendeu exigência da lei ao não individualizar condutas e se referir – não às pessoas naturais – e sim aos núcleos políticos, operacionais e publicitários do esquema. Visando a convencer os julgadores e a cativar o público, os advogados usaram argumentos:
(1) ad ignorantiam, afirmando que o órgão acusador não provou conduta dolosa dos réus;
(2) ad verecundiam, citando juristas e decisões de tribunais cuja autoridade socorria a defesa; 
(3) ad populum, mencionando: (i) a propalada pureza ética do Partido dos Trabalhadores na época dos fatos a justificar a confiança que os réus nele depositavam sem desconfiar de qualquer conduta ilícita (ii) a legalidade do funcionamento das empresas referidas na denúncia e a honesta atividade dos seus diretores e funcionários (iii) a condição subalterna dos assessores parlamentares;
(4) ad hominem, atacando os membros do MPF que atuaram no inquérito policial e no processo judicial;
(5) ad misericordiam, salientando os danos materiais e morais sofridos pelos réus e seus familiares e os reflexos negativos na atividade profissional de cada um ante a repercussão nacional do caso.  
A fase de sustentação oral foi iniciada em 03/08/2012 e concluída em 15/08/2012. Ao anoitecer desse dia, iniciou-se a fase do voto (sentença individual de cada juiz do tribunal). Vota em primeiro lugar o relator. A seguir, votam o revisor e os demais ministros pela ordem inversa da antiguidade no tribunal (do ministro mais novo ao mais antigo). Metodicamente, o relator submeteu à apreciação do plenário as questões preliminares (prejudiciais do exame do mérito). Todas foram rejeitadas, salvo a de nulidade por falta de intimação do advogado do réu argentino. Essa falta, não percebida pelo relator, pelo revisor, pelo fiscal da lei e pela secretaria do tribunal, implica cerceamento da defesa. A falha no exame e fiscalização do processo é compreensível e até previsível diante do volume dos autos. Reconhecida nulidade absoluta, o tribunal determinou: (i) o desmembramento do processo relativo a esse réu que não goza de privilégio de foro; (ii) a remessa dos autos ao juízo de direito competente (justiça federal no Estado de Santa Catarina).  
Nas próximas sessões, os ministros examinarão o mérito da ação penal. Se confirmados os vícios apontados pela defesa, os réus serão absolvidos, ainda que moralmente condenados pela opinião pública. Objeto do processo judicial é o ilícito jurídico e não o ilícito moral. O julgamento vulgar estaca na soleira da corte judiciária. No interior do templo da justiça desenrola-se o julgamento racional e científico. O calor da emoção decorrente do conflito humano amorna sob efeito da brisa glacial do raciocínio lógico. A técnica judicial recebe o tempero da política do direito (ponderação, razoabilidade, finalidade). Configura-se drama enredado na postulação das partes, nas provas, na Constituição, nas leis e na consciência dos magistrados.

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