sábado, 28 de agosto de 2010

VIAGEM2

II
De Ubá, vieram Ângela e Kênya e de Visconde, Ione, vizinha e irmã de Roberto. Todas se reúnem com Vânia e Jussara na cozinha. Conferência culinária de muita conversa e muito riso. Roberto e eu estávamos na sala a conversar quando se aproxima Kênya, que se desculpa pela interrupção e menciona o fato de Roberto e eu sermos rosacruzes o que, na opinião dela, nos faz aptos a ver coisas. Solicita, então, que disséssemos o que víamos nela. Roberto respondeu que não via, mas sentia e foi logo dizendo: desde a primeira vez em que te vi lá (não me lembro em que lugar) senti e percebi... Depois do discurso do Roberto, ela me dirigiu olhar inquiridor tipo “e você, o que viu?”. O meu primeiro impulso foi dizer-lhe que vi mulher bonita, esbelta, na faixa dos 30 anos de idade, balzaqueana retratada no samba cantado por Miltinho, postura altiva, olhos sonhadores, cabelos negros, compridos e pele morena semelhante à “índia mescla bella de diósa y pantera” da canção paraguaia. Todavia, contive o impulso, pois as coisas que ela queria que nós víssemos eram mais profundas a exigir outro tipo de visão no exercício da arte de adivinhar. Limitei-me a observações ligeiras como aconselhava o ambiente festivo. Falei que ela tinha suave e agradável presença (como a tranqüila superfície de um lago) e se preocupava com as suas escolhas e o sentido da sua vida (como turbilhão no fundo do lago) quando isso está fora das cogitações das pessoas em geral. Por falha mnemônica deixo de reproduzir com exatidão as palavras usadas, porém as idéias são as mesmas. Ela manifestou interesse pela Ordem Rosacruz, afirmando crer em Deus e na reencarnação. Forneci breves dados históricos e esclareci que não se tratava de religião e sim de uma filosofia de vida, com exercícios físicos e espirituais, cujo propósito era o de ajudar a pessoa a conhecer a si própria, a melhor compreender o mundo em que vive e a se elevar espiritualmente. O Roberto prometeu entregar a ela material informativo sobre a Ordem R+C. Quanto à reencarnação, doutrina adotada pela Ordem R+C, pelo budismo e pelo espiritismo, eu disse que tinha opinião própria sobre tal assunto, fundada na razão – e não na fé. Expliquei brevemente o meu entendimento quanto à polaridade positiva e negativa do ser humano e da dualidade de cada pólo: o angelical construtivo, amando o mundo espiritual e elevando-se a Deus; o angelical destrutivo, desprezando o corpo e o flagelando para se purificar; o demoníaco construtivo, amando a natureza e o corpo, alertando-o dos perigos; o demoníaco destrutivo, desprezando a alma e advogando a supremacia da matéria e dos instintos. De modo sensato e compatível com o assunto, Roberto declarou sua adesão à atitude socrática: “tudo o que sei é que nada sei”. O filósofo grego cunhou essa frase no intuito pedagógico de expressar humildade na busca do conhecimento. Sócrates serviu-se de técnica semelhante à que Descartes utilizaria dois mil anos depois (dúvida metódica). Evidente que ele sabia muita coisa, como a seqüência das fases da lua e das estações do ano, os instintos animais, as tendências humanas, a conduta de governantes e governados, as leis da natureza e as leis dos homens. Ao utilizar aquela expressão, Sócrates sabia das limitações do ser humano e tinha na mente a metafísica, o mundo espiritual, cujos assuntos não permitem certeza alguma, território onde a fé reina soberana. Daí ser a fé o cadafalso da razão e o emblema da ignorância. A crença em Deus não é exclusiva da fé religiosa; a razão iluminada pode nos conduzir à sabedoria e a Deus.
Mais tarde, chegaram Stella, Gracinha e Francisco, vindos de Ubá com os componentes do prato principal. Os netos de Ione chegaram depois, trazidos pelo filho dela. O alvoroço na cozinha aumentou. Roberto, Francisco e eu, na sala, conversávamos e bebíamos cerveja e refrigerante. Quando a tarde ia ao meio, foi servida a comida que os japoneses (craques em copiar a invenção dos outros) chamam de ya-ki-soba, que em português significa “ó-que-sopa!” imitação da comida chinesa denominada chou-li-tso, cujo significado é “nada se perde, tudo se transforma”, saboroso cozido de legumes, com o indefectível pimentão verde, pedaços de frango e de presunto, macarrão “y otras cositas más”. Pequenas tigelas foram distribuídas aos convivas. Garfos de metal substituíram os pauzinhos orientais. Repeti a porção, moderadamente. Sobremesa deliciosa. Sabendo do sopor que me invade após o almoço, Vânia recomendou-me o repouso, fechou as cortinas para escurecer o quarto e a porta para que não me incomodasse o ruído das conversas e risadas. Diante de tanta gentileza, aceitei a recomendação. Quiçá pela ressaca da viagem, pelas poucas horas que dormi no hotel e pelos copos de cerveja que bebi, peguei no sono e não ouvi mais nada. Quando acordei, o pessoal já havia regressado a Ubá, o que impossibilitou despedida direta e individual daquelas pessoas agradáveis e atenciosas. Deixaram-me abraços confiados à Jussara, que gostou da companhia de Stella, Ângela, Kênya, Gracinha e Francisco. Depois daquele almoço, não tínhamos vontade de jantar. Lanchamos, apenas. Mesa farta, café capuccino. Como sempre, conversamos e rimos. Chuveirada rápida antes de se deitar. Vânia relatou o seguinte episódio de uma conferência: indagado se 5 minutos bastam à duração do banho, a fim de não prejudicar a oleosidade natural e protetora da pele, um dermatologista alemão respondeu: 3 minutos. A partir desse relato, meu banho não ultrapassa 3 minutos, o que representa economia de água e energia, além de fazer bem à saúde. Vou adotar o banho único semanal com essa duração. Esta será a minha contribuição ecológica. Jussara e eu dormimos bem. Alva roupa de cama, colchão macio, suíte aconchegante, arrumada com capricho, bem decorada e equipada.
Retorno. Visconde – Penedo. Segunda feira, 23/08/2010 – 08,00 horas.
Acordei às 06,00 horas, procedi à higiene matinal e, autorizado na véspera pela dona da casa, preparei o café tal qual faço em minha casa todos os dias. A hospitalidade e a amizade de Roberto e Vânia me permitiram essa liberdade. Roberto sentiu o cheiro do café e desceu para sorvê-lo com pão, manteiga, queijo e geléia de amora. Jussara acordou e se juntou a nós. A seguir, Vânia faz o mesmo. 07,00 horas. Os quatro reunidos em torno da mesa encerram o café matinal. Roberto e eu fomos até a casa da família tirar o carro da garagem. 07,30 horas. Bagagem arrumada, todos deixam o apartamento. Roberto e Vânia seguem à frente, mostrando o caminho até o posto de gasolina, na periferia da cidade, onde paramos para abastecer. O moço do posto limpa os vidros do automóvel e ganha gorjeta. Jussara e eu nos despedimos de Roberto e Vânia com abraços apertados, agradecidos pela boa e fraternal acolhida. 08,00 horas. Jussara e eu saímos pela estrada que leva a Ubá; Roberto e Vânia pelas ruas de Visconde que levam ao prédio onde moram. Sentimos um quê de nostalgia.
Mudei o trajeto do retorno. Ângela estranhara a nossa demora e dissera que do Rio a Ubá ela gastava quatro horas. Ora, do Rio a Penedo eu gastava duas horas. A soma dava seis horas, ou seja, 30 minutos a menos do que eu gastara no trajeto da ida. Logo, ainda que a distância fosse um pouco maior, era interessante voltar pela BR-040 (Juiz-Rio) duas pistas bem pavimentadas e bonita paisagem, sem o embaraço de entrar nas cidades. Desembocamos na Linha Vermelha, passamos por uma blitz da polícia militar e em poucos minutos estávamos na Rodovia Dutra a caminho de casa. Nesta altura da viagem, Jussara lembrou-se do queijo e da goiabada, presentes da Ângela, depositados na geladeira do apartamento de Vânia. Felizmente, eu não esqueci o presente da Stella (cocadas) e o presente da Vânia (garrafa de cachaça mineira da boa e que tomo antes do almoço como aperitivo). 12,30 horas. Passamos pela estação do pedágio, paramos no posto, no alto daquele trecho da rodovia, completamos o tanque de gasolina e lanchamos no MacDonald´s. Prosseguimos viagem, subimos a Serra das Araras e passamos ao largo de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende. 14,00 horas. Chegamos a Penedo. Os cães estavam soltos e nos fizeram festa. Saudades mútuas. Preparei e tomei o café sem acompanhamento. A seguir, Jussara telefonou para Vânia e eu para Roberto comunicando a nossa chegada e a boa viagem que fizemos. Voltamos à rotina doméstica. Os dias continuam ensolarados e as noites enluaradas.

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