quarta-feira, 21 de julho de 2010

POESIA

Duas almas deves ter... / é um conselho dos mais sábios / uma no fundo do Ser / outra, boiando nos lábios! / Uma, para os circunstantes / solta nas palavras nuas / que inutilmente proferes / entre sorrisos e acenos: / alma volúvel das ruas / que a gente mostra aos passantes / larga nas mãos das mulheres / agita nos torvelinhos / distribui pelos caminhos / e gasta, sem mais nem menos / nas estradas erradias / pelas horas, pelos dias... / Alma anônima e usual / longe do bem e do mal / que não é má nem boa / mas, simplesmente ilusória / ágil, sutil, diluída / moeda falsa da vida / que vale só por que soa / que compra os homens e a glória / e a vaidade reboa: / alma que se enche e transborda / que não tem porquê nem quando / que não pensa e não recorda / não ama, não crê, não sente / mas vai vivendo e passando / no turbilhão da torrente / través intricadas teias / sem prazeres e sem mágoas / fugitiva como as águas / ingrata como as areias. / ... / A outra alma, pérola rara / dentro da concha tranqüila / profunda, eterna e tão cara / que poucos podem possuí-la / é alma que nas entranhas da tua vida murmura / quando paras e repousas. / A que assiste das montanhas / as livres desenvolturas / do panorama das cousas / para melhor conhecê-las. / Essa que olha as criaturas / sem jamais comprometê-las / entre perdões e doçuras / num pudor silencioso / com o mesmo olhar generoso / com que contempla as estrelas / e assiste o sonho das flores / Alma que é apenas tua / que não te trai nem te engana / que nunca se desvirtua / que é a voz do mundo em surdina / que é semente divina. / Da tua têmpera humana / alma que sé se descobre / para uma lágrima nobre / para um heroísmo afetivo / nas íntimas confidências / de verdade e de beleza / ... / (“Canção de Todos” – Raul de Leôni).

- Bendito seja o teu país. / - Estrangeiro que vieste encontrar no meu país / o bem que em vão no teu mesmo procuraste / obrigado, estrangeiro. / - Aqui vim ser feliz. / Aqui é a terra da abundância e da fortuna. / Aqui vim ser forte, rico e feliz. / - Obrigado, estrangeiro. / - Aqui ficarão vivendo os meus filhos. / Aqui nascerão os meus netos. / Aqui, saudoso embora do meu país / fecharei os meus olhos. Deus abençoe o teu país. / - Estrangeiro, ainda mais uma vez obrigado. / Eu sei que é verdade tudo quanto dizes. / Mas, ah! Ensina-me: / qual é o caminho que leva ao teu país? / Qual é o caminho? Dize, estrangeiro / eu quero ir-me! / Eu quero ir-me! / Eu também quero ser feliz, estrangeiro. / (“Diálogo Sobre a Felicidade” – Ruy Ribeiro Couto).

Minha tristeza é não poder mostrar-te as nuvens brancas / e as flores novas, como aroma em brasa / com suas coroas crepitantes de abelhas. / Teus olhos sorririam / agradecendo a Deus o céu e a terra: / eu sentiria teu coração feliz / como um campo onde choveu. / Minha tristeza é não poder acompanhar contigo / o desenho das pombas voantes / o destino dos trens pelas montanhas / e o brilho tênue de cada estrela / brotando às margem do crepúsculo. / Tomarias o luar nas tuas mãos / fortes e simples como as pedras / e diria apenas: “Como vem tão clarinho!” / E nesse luar das tuas mãos se banharia a minha vida / sem perturbar sua claridade / mas também sem diminuir minha tristeza. (“Elegia” – Cecília Meirelles).

Negrinho do Pastoreio / venho acender a velinha / que palpita em teu louvor. / A luz da vela me mostre / o caminho do meu amor. / A luz da vela me mostre / onde está Nosso Senhor. / Eu quero ver outra luz / na luz da vela, Negrinho / clarão santo, clarão grande / como a verdade e o caminho / na falação de Jesus. / Negrinho do Pastoreio / diz que você acha tudo / se a gente acender um lume / de velinha em seu louvor. / Vou levando esta luzinha / treme-treme, protegida / contra o vento, contra a noite. / É uma esperança queimando / na palma da minha mão. / Que não se apague este lume! / Há sempre um novo clarão. / Quem espera acha o caminho / pela voz do coração. / ... / (“Oração ao Negrinho do Pastoreio” – Augusto Meyer Jr.).
Eu não tinha mais palavras / vida minha / palavras de bem-querer; / eu tinha um campo de mágoas / vida minha / para colher. / Eu era uma sombra longa / vida minha / sem cantigas de embalar / tua passavas, tu sorrias / vida minha / sem me olhar. / Vida minha, tem pena / tem pena da minha vida / Eu bem sei que vou passando / como a tua sombra longa / em bem sei que vou sonhar / sem colher a tua vida / vida minha / sem ter mãos para acenar / eu bem sei que vais levando / toda, toda a minha vida / vida minha, e o meu orgulho / não tem voz para chamar. (“Gaita” – Augusto Meyer Jr.).

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