segunda-feira, 26 de julho de 2010

EU2

Segunda Parte

O EU tem capacidade para controlar e selecionar sentimentos e pensamentos. O discernimento confere-lhe identidade lógica e psicológica que tanto o assemelha como o distingue dos demais EUS. Ao formar um juízo de si próprio, a pessoa adota perfil psicológico que influirá nos rumos da sua vida. Tal juízo sintetiza virtudes e vícios, reflete o aspecto angelical e demoníaco, traça imagem agradável ou desagradável. O sujeito pode se amar ou se odiar conforme a imagem que faz de si mesmo. A imparcialidade do indivíduo para consigo mesmo é ilusória: o parcial arroga-se imparcialidade; a capela pretende conter a catedral. Nem só anjo, nem só demônio; o EU é ambas as coisas.
Quanto mais profunda a autoconsciência, maior a probabilidade de controlar a dupla face da personalidade. Pessoas experientes ou especializadas, como pais, mestres, psicanalistas, ou instituições científicas, religiosas e místicas podem ajudar na busca do autoconhecimento. Essas vias externas facilitam um juízo de si mesmo mais próximo da realidade. O receio de encarar a imagem assim espelhada dificulta a iluminação espiritual. Concordemos nisso: dose de coragem é necessária para aceitar os aspectos diabólicos do EU. A vaidade e o temor à opinião alheia levam o indivíduo a mascarar ou minimizar defeitos e paixões.
O misticismo oriental separa corpo e alma; valoriza a alma como manifestação divina. Há místicos que desprezam e flagelam o corpo. Platão – e com ele o misticismo oriental – vê o mundo como ilusão e o eu exterior como prisão da qual o eu interior anseia por se libertar. Aristóteles não vê real separação entre o corpo e a alma e sim o corpo animado e comandado pela alma. Os cristãos acreditam na individualidade da alma: após a morte do corpo, a alma vai para o inferno, purgatório, ou paraíso, segundo o merecimento; no final dos séculos, os mortos ressuscitarão e Jesus, filho de Deus, julgá-los-á.
O misticismo ocidentalizado pelos rosacruzes também separa corpo e alma; afirma que ao nascer, o corpo se liga à alma e dessa ligação surge um elemento híbrido: a personalidade alma, que possui atributos da alma e do corpo. Após a morte do corpo, a personalidade volta ao seio da alma cósmica, sem perder a sua identidade, reencarnará e prosseguirá nos ciclos evolutivos. Da primeira ligação do corpo com a alma surge uma personalidade nova. Consideram-se jovens as personalidades que reencarnaram poucas vezes e velhas as que reencarnaram muitas vezes. A conduta da pessoa, tanto nas horas atribuladas como nas horas de bonança, revelará se a personalidade é nova, jovem ou velha.
Na reencarnação, o elo com a alma universal é indireto: o corpo se liga a uma personalidade nela existente. Quanto ao juízo final a ser proferido por Jesus no fim dos séculos, a doutrina da reencarnação o faz impossível. Segundo essa doutrina, a mesma e única personalidade ocupa muitos e diferentes corpos no decorrer dos séculos. Com a ressurreição, sobrariam corpos e faltariam personalidades. Ainda que descontados os cremados e queimados, muitos corpos ficariam sem almas. A doutrina do juízo final também não resiste a uma análise lógica. As provações da alma no inferno e no purgatório e a ascensão ao paraíso já implicam julgamento. O juízo final seria um bis in idem, excrescência divina.
Na verdade, ao nascer, o EU pode entrar em sintonia com personalidades desencarnadas o que gera a ilusão de que as está reencarnando. No decorrer dos anos, o EU forma a sua própria personalidade, única e insubstituível.
O idealismo aceita a parte invisível, imaterial, do ser humano, como única realidade. Em a natureza tudo é fugaz; o corpo é aparência e contingência. A alma e o mundo espiritual são reais e permanentes, contêm o saber, o poder e o amor.
O materialismo se opõe à existência da alma e do mundo espiritual. Segundo essa filosofia, as funções volitiva, emocional e intelectual são inerentes ao corpo. Ainda que Deus exista, a natureza é o que é: um permanente vir a ser. O que neste mundo nasce neste mundo morre. A religião cria ilusões. A religião é o ópio do povo, sentenciava Karl Marx. Nessa linha de pensamento, poder-se-ia afirmar que o misticismo é uma ilusão caridosa e suave que atenua a dureza da proposição materialista de que não há vida espiritual após a morte física.
O meio termo aristotélico concilia as posições extremadas. O eu exterior é existência, temporal, finito. O eu interior é essência, espiritual, eterno. Ambos, eu exterior e eu interior, integram uma só e mesma realidade no plano existencial. Ao findar a existência, permanece a essência. O acidental e contingente se desvanece, volta ao estado de energia primária. Sem coesão, as partículas atômicas do corpo retornam à vadiagem anárquica. Daí, ser impossível a ressurreição do corpo, ainda que embalsamado, guardado em caixão e sepultado. Ao contrário dos seres humanos, Deus não revoga as suas próprias leis. O corpo pertence à natureza. A Terra é o seu lugar. A alma tem sua morada no mundo espiritual.
O EU compõe-se do eu interior (alma) e do eu exterior (corpo). A sua essência anímica, afetiva, ética e inteligente configura o mestre interior. A sua consciência pode se expandir, tanto na direção do mundo material como na direção do mundo espiritual, até o ponto de se tornar cósmica. Cuida-se de função que permite ao EU perceber a si mesmo e ao mundo, bem como, pesar a conduta própria e alheia segundo valores morais, jurídicos e religiosos.

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