terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

POESIAS

Como da pira extinta a labareda / ainda o rescaldo crepitante fica / assim o ardente moço a mente acesa / na desusada luta que a excitara / ainda alerta e escaldada se revolve! / De um lado e de outro balanceia o corpo / como após da tormenta o mar banzeiro / alma e corpo repouso achar não podem./ Debalde os olhos cerra; a igreja, as casas / a vila, tudo ante ele se apresenta. / (...) / Mas a noite declina e branda aragem / começa a refrescar. Do céu os lumes / perdem a nitidez desfalecendo. / Assim já frouxo o pensamento do índio / entre a vigília e o sono vagueando / pouco a pouco se olvida e dorme e sonha. / (...) / Ele sonha... Alto moço se lhe antolha / de belo e santo aspecto, parecido / co´uma imagem que vira atada a um tronco / e de setas o corpo traspassado / num altar desse templo, onde estivera / e que tanto na mente lhe ficara. / - “Vem!” Lhe diz; e ambos vão pelos ares / mais rápidos que o raio luminoso / vibrado pelo sol no veloz giro / e vão pousar no alcantilado monte / que curvado domina o Guanabara. / (...) / (“A Confederação dos Tamoios” – Gonçalves de Magalhães).

São uns olhos verdes, verdes / uns olhos de verde-mar / quando o tempo vai bonança / uns olhos cor de esperança / uns olhos por que morri / Ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Como duas esmeraldas / Iguais na forma e na cor / têm luz mais branda e mais forte / diz uma – vida, outra – morte / uma – loucura, outra – amor. / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / São verdes da cor do prado / exprimem qualquer paixão / tão facilmente se inflamam / tão meigamente derramam / fogo e luz no coração / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / São uns olhos verdes, verdes / que podem também brilhar / não são de um verde embaçado / mas verdes da cor do prado / mas verdes da cor do mar / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Como se lê num espelho / pude ler nos olhos seus! / Os olhos mostram a alma / que as ondas postas em calma/ também refletem os céus / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Dizei vós, ó meus amigos / se vos perguntam por mi / que eu vivo só da lembrança / de uns olhos cor de esperança / de uns olhos verdes que vi! Que, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Dizei vós: “Triste do bardo! / Deixou-se de amor finar! / Viu uns olhos verdes, verdes / uns olhos da cor do mar / eram verdes sem esp´rança / davam amor sem amar!” / Dizei-o vós, meus amigos / que ai de mi! / Não pertenço mais à vida / depois que os vi! (“Olhos Verdes” – Gonçalves Dias).

Quando em meu peito rebentar-se a fibra / que o espírito enlaça à dor vivente / não derramem por mim nem uma lágrima / em pálpebra demente/ e nem desfolhem na matéria impura / a flor do vale que adormece ao vento:/ Não quero que uma nota de alegria / se cale por meu triste passamento. / Deixo a vida como deixa o tédio / do deserto, o poente caminheiro / - Como as horas de um longo pesadelo / que se desfaz ao dobre de um sineiro:/ Como um desterro da minh´alma errante / onde o fogo insensato a consumia:/ Só levo uma saudade – é desses tempos / que amorosa ilusão embelecia./ Só levo uma saudade – é dessas sombras / que eu sentia velar nas noites minhas.../ De ti, ó minha mãe, pobre coitada / que por minha tristeza te definhas!/ Do meu pai... de meus únicos amigos / poucos – bem poucos – e que não zombavam / quando, em noites de febre endoudecido / minhas pálidas crenças duvidavam. / Se uma lágrima as pálpebras me inunda / se um suspiro nos seios treme ainda / é pela virgem que sonhei... que nunca / aos lábios me encostou a face linda!/ Só tu à mocidade sonhadora / do pálido poeta deste flores.../ se viveu, foi por ti! E de esperança / de na vida gozar de teus amores./ Beijarei a verdade santa e nua / verei cristalizar-se o sonho amigo.../ ó minha virgem dos errantes sonhos / filha do céu, eu vou amar contigo!/ Descansem o meu leito solitário / na floresta dos homens esquecida / à sombra de uma cruz, e escrevam nela:/ Foi poeta – sonhou – e amou na vida./ (...) / (“Lembrança de morrer” – Álvares de Azevedo).

Minh`alma é triste como a rôla aflita / que o bosque acorda desde o olhar da aurora / e em doce arrulo que o soluço imita / o morto esposo gemedora chora./ E como a rôla que perdeu o esposo / minh´alma chora as ilusões perdidas / e no seu livro de fanado gozo / relê as folhas que já foram lidas./ (...) / Às vezes louca, num cismar perdida / minh´alma triste vai vagando à toa / bem como a folha que do sul batida / bóia nas águas de gentil lagoa!/ (...) / E como a flor que solitária pende / sem ter carícias no voar da brisa / minh´alma murcha, mas ninguém entende / que a pobrezinha só de amor precisa. / Amei outrora com amor bem santo / os negros olhos de gentil donzela / mas dessa fronte de sublime encanto / outro tirou a virginal capela./ Oh! Quantas vezes a prendi nos braços / que o diga e fale o laranjal florido!/ Se mão de ferro espedaçou dois laços / ambos choramos as num só gemido!/ (...) Minh´alma é triste como o grito agudo / das arapongas no sertão deserto / e como o nauta sobre o mar sanhudo / longe da praia que julgou tão perto!/ A mocidade no sonhar florida / Em mim foi beijo de lasciva virgem / - Pulava o sangue e me fervia a vida / ardendo a fronte em bacanal vertigem./ (...) / Dizem que há gozos no correr da vida.../ só eu não sei que o prazer consiste!/ - No amor, nas glórias, na mundana lida / foram-se as flores – a minh´alma é triste! (“Minh´alma é triste” – Casimiro de Abreu).

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:/ - “Quem me dera que fosse aquela loura estrela / que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”/ Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:/ - “Pudesse eu copiar o transparente lume / que, de grega coluna à gótica janela / contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!” / Mas a lua, fitando o sol, com azedume:/ - “Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela / claridade imortal, que toda a luz resume!” / Mas o sol, inclinando a rútila capela:/ - “Pesa-me esta brilhante auréola de nume.../ enfara-me esta azul e desmedida umbela.../ Por que não nasci eu um simples vagalume?”. (Círculo vicioso” – Machado de Assis).

Eu passava na vida errante e vago / como o nauta perdido em noute escura/ mas tu te ergueste peregrina e pura / como o cisne inspirado em manso lago./ Beijava a onda num soluço mago / das moles plumas a brilhante alvura / e a voz ungida de eternal doçura / roçava as nuvens em divino afago./ Vi-te, e nas chamas de fervor profundo / a teus pés afoguei a mocidade / esquecido de mim, de Deus, do mundo!/ Mas, ai! Cedo fugiste!...da soidade / Hoje te imploro desse amor tão fundo / uma idéia, uma queixa, uma saudade! (“Soneto” – Fagundes Varela).

O que eu adoro em ti não são teus olhos / teus lindos olhos cheios de mistérios / por cujo brilho os homens deixariam / da terra inteira o mais soberbo império./ O que eu adoro em ti não são teus lábios / onde perpétua juventude mora / e encerram mais perfume do que os vales / por entre as pompas festivais d´aurora./ O que eu adoro em ti não é teu rosto / perante o qual o mármor descorara / e ao contemplar a esplêndida harmonia / Fídias, o mestre, seu cinzel quebrara/ (...) / O que eu adoro em ti, ouve, é tu´alma / pura como o sorriso de uma criança / alheia ao mundo, alheia aos preconceitos / rica de crenças, rica de esperança./ São as palavras de bondade infinda / que sabes murmurar aos que padecem / os carinhos ingênuos de teus olhos / onde celestes gozos transparecem / (...)/ (“Estâncias” – Fagundes Varela)

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