sexta-feira, 28 de outubro de 2022

MASSA versus ELITE

Impactou a opinião pública, sem provocar reação da massa popular, a diligência de prisão do advogado e político Roberto Jefferson, no domingo (23/10/2022), festejada com granadas e tiros de fuzil. O episódio mais repercutiu por ter ocorrido durante campanha eleitoral. Houve reação da corporação policial e da imprensa, cada qual ao seu modo.
Após o cessar fogo, a prisão aconteceu de modo cordial, com deferências e salamaleques, sob a palaciana vigilância do presidente da república e a mediação do ministro da justiça. Faz parte da cultura brasileira o especial cuidado como são tratados os membros da elite quando envolvidos em atos ilícitos. Alguns nem são investigados e os que o são, não chegam a ser processados. Quanto aos processados: (i) os trâmites arrastam-se até a prescrição do delito, livrando-os da aplicação da pena prevista em lei (ii) ou, uma vez condenados, são socorridos na execução da pena por benefícios que suavizam ou extinguem a punição. 
Elite (“electis” = escolha) supõe desigualdade, estratificação, aristocracia, escolha do melhor numa corporação, numa classe, numa instituição, numa cidade. No plural, o vocábulo significa minorias intelectuais, técnicas, artísticas, científicas, filosóficas, de caráter civil, militar, religioso, nas dimensões política, econômica e social, em cujas mãos está a direção da sociedade e do estado. No corpo de uma elite podem estar mesclados integrantes de outras elites. A elite política, por exemplo, não se compõe só de parlamentares, presidentes e magistrados; inclui também pessoal qualificado (i) dentro do governo, como ministros, secretários, assessores do gabinete (ii) fora do governo, como os homens e as mulheres do círculo íntimo, líderes de partidos, profissionais liberais, industriais, comerciantes, latifundiários, todos com efetiva capacidade de influir na vida política. 
Roberto Jefferson integra a elite política. Ele foi parlamentar e era eminência parda do atual governo. A sua respeitosa e cerimoniosa prisão enquadra-se no padrão de tratamento das elites. Para a elite política, a impunidade é a regra; a isonomia é a exceção. No período posterior à ditadura militar, aí estão os exemplos de José Sarney, Fernando Henrique, Aécio Neves, Michel Temer. 
Massa popular consiste na parcela maior da população vista em conjunto, desprovida de privilégios. Caracteriza-se pela indistinção dos seus componentes, pela união de sentimentos, vontades, interesses e ações e por pensamentos simples e totalizantes. Quando alvoroçada, a massa popular exacerba sentimentos. O raciocínio se obscurece. Ela sente-se poderosa, irresponsável, confiante na impunidade. Ela é animada e guiada por lideranças ocasionais como se fora um rebanho. Normalmente, a massa popular é quieta. Ela sai da quietude, de modo pacífico ou violento, só quando provocada por motivos que a sensibilizam fortemente, tais como: (i) aumento dos preços dos alimentos básicos; das passagens dos ônibus, trens, barcas; dos combustíveis; da energia elétrica (ii) aumento da carga tributária (iii) abusos das elites política e econômica (iv) graves ameaças à democracia, à segurança, aos direitos fundamentais (v) comícios e festividades públicas civis e religiosas (vi) eleições dos representantes do povo. 
Da massa popular saem aqueles que (i) bandidos ou não, são presos sem cerimônia, sem deferência, sem respeito pela dignidade da pessoa humana (ii) descem o morro amarrados pelos pescoços uns dos outros puxados por policiais (iii) constituem a população carcerária (iv) morrem nos presídios fuzilados pela polícia invasora armada até os dentes (v) são sequestrados pela polícia e desaparecem (vi) são extorquidos e aterrorizados pela polícia (vii) prestam serviços à administração pública, aos bancos, às forças armadas, às igrejas, aos hospitais, às escolas, às casas domésticas, às feiras, às chácaras, às fazendas, aos supermercados, aos postos de gasolina, às lojas, às oficinas, à construção civil, às empresas em geral. Em suma: da massa popular saem os trabalhadores do Brasil.     
No entender da massa popular, o Caso Jefferson é coisa de político e de gente rica. O alarido foi da imprensa e dos partidos de oposição ao governo sob influência do período eleitoral. O agressor pertence à elite. Se verdadeira a informação de que ele padece de doença grave incurável, terá direito à internação hospitalar. A questão humanitária entrará na pauta. Se houver condenação no devido processo judicial, será por dolo eventual em tentativa de homicídio, o que reduzirá a pena. Manter o réu preso por tempo excessivo antes da denúncia ou antes do julgamento, poderá ensejar habeas corpus. 
O brocardo jurídico sobre o rigor da justa aplicação da lei, dura lex sed lex (“a lei é dura mas é lei”) não se aplica à elite, até porque, no Brasil, nem a lei e nem a justiça são duras, mormente para quem está na cúspide da pirâmide social.    


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