domingo, 29 de agosto de 2021

TERCEIRA VIA

Caminhos próprios e impróprios, retos e curvos, centrais e laterais, verdadeiros e falsos, legais e ilegaís, às vezes seguem a mesma direção. A via escolhida poderá ser chamada de terceira conforme o propósito e o ponto de observação do sujeito. Se, de dois caminhos, nenhum satisfaz, abre-se um terceiro. Se não há caminho algum, inventa-se. No século XX, descobriu-se que a via crucis em Jerusalém era falsa. Os frades inventaram-na. Um deles, lá residente, entrevistado por repórter de TV, explicou que a simbologia e a fé eram mais importantes. A trapaça enseja dúvidas. [1] Existiu uma via crucis original? [2] O profeta foi realmente crucificado nas condições relatadas? [3] O sofrimento descrito nos evangelhos foi real? [4] Os redatores e os revisores do Novo Testamento, no propósito de comover e convencer as pessoas pelo sentimento – e não pela razão – exageraram ao descrever o sofrimento? Os casos de Verônica (inverídico), do santo sudário (falso), das relíquias (fabricadas), do loteamento do céu (negócio), incluem-se nos procedimentos enganosos do clero.   
Depois das invasões na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968) a atmosfera no Leste Europeu era de descontentamento com a supremacia tirânica da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O movimento rebelde na Tchecoslováquia conhecido como Primavera de Praga (janeiro-agosto/1968) pretendia uma terceira via para ampliar as liberdades. O tcheco Ota Sik (1919-2004), professor, economista, político, no livro por ele escrito em 1972, expõe as ideias que alicerçaram aquele movimento do qual ele foi o líder intelectual: economia de mercado humanizada ou socializada sob um regime político social democrático. Na época, essas ideias eram apresentadas como um modelo alternativo, intermediário entre os dois polos da guerra fria: comunismo soviético versus liberalismo americano. Antes disto, o russo Vladimir Ilitch Uliánov, cognome Lênin (1870-1924), um dos líderes da revolução de 1917, escorado em Marx & Engels, radicalmente contra a pretendida terceira via entre capitalismo e comunismo, pregava a revolução violenta para derrubar a burguesia, entronizar o proletariado, substituir o estado burguês pelo estado proletário. Ele qualificava de traidores e oportunistas os teóricos da democracia social e do anarquismo. 
Os representantes do povo, na mais longa assembleia constituinte da história do Brasil (1987/1988), depois de quase dois anos de incontáveis debates sobre centenas de propostas, acabaram por adotar a terceira via. Instituíram a democracia social. Conciliaram no plano jurídico positivo o inconciliável no plano doutrinário: capitalismo + socialismo. Organizaram juridicamente os fatores político, econômico e social. Colocaram o pluralismo político e os valores sociais do trabalho e do capital entre os princípios fundamentais da república. Portanto, oferecer ao povo hoje o que o povo já tem há mais de 30 anos (terceira via) é inventar a roda. O sistema constitucional brasileiro admite: (i) a legitimidade da direita e da esquerda no processo eleitoral (ii) a existência e a atividade de vários partidos, cada qual com suas cores, ideias, símbolos e programas. O pluralismo político, todavia, não isenta os partidos do dever de respeitar os princípios fundamentais da república: forma federativa de estado, forma democrática de governo, separação dos poderes, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, direitos e garantias individuais, voto direto, secreto, universal e periódico, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
O código eleitoral contém regras isonômicas validas para todos os partidos e candidatos cujos programas estejam afinados com os artigos 3º e 4º, da Constituição da República. A campanha à reeleição e a polarização ora em andamento são precoces, sem amparo na legislação eleitoral. O presidente estará impedido de concorrer (i) se condenado em processo judicial e/ou em processo parlamentar (ii) por complicação da sua saúde física e mental. No segundo turno, a polarização é inevitável independente de quem sejam os dois candidatos; no primeiro, pode haver três ou mais candidaturas, três, quatro, cinco ou seis "vias". A urna eletrônica foi notável e pioneiro avanço tecnológico; a urna do voto impresso adquiriu feição jurássica. Lição da experiência: o voto eletrônico mostrou-se confiável; o voto impresso gerou fraudes, suspeitas e conflitos. 
São incompatíveis com o sistema constitucional vigente no Brasil: I – A extrema direita e a extrema esquerda, por seus objetivos contrários ao estado democrático de direito; II – A ditadura da direita (nazifascista) e a ditadura da esquerda (comunista), por seus objetivos contrários às liberdades públicas. Abrir espaço a esses extremos do espectro político é atitude inconstitucional, suicídio institucional e afronta à nação brasileira representada na assembleia constituinte de 1987/1988. 

Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.
Engels, Friedrich – Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. SP. Global. 1980. 
Laski, Harold J. – O Manifesto Comunista de Marx e Engels. Rio. Zahar. 1978. 
Lênin, Vladimir Ilitch Uliánov – O Estado e a Revolução. SP. Boitempo. 2017.
Marx & Engels – Manifesto do Partido Comunista. SP. Martin Claret. 2004.  
Marx & Engels – Ideologia Alemã. SP. Ciências Humanas. 1979.
Sik, Ota – Argumentos para uma Terceira Via. Coimbra. Livraria Almedina. 1978.

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