sábado, 21 de agosto de 2021

MISTÉRIO CÓSMICO V

Na base do mito situa-se a crença: (i) na existência de um cosmos espiritual separado do cosmos material ou (ii) na bidimensionalidade cósmica (espírito + matéria = cosmos). A crença subjaz à mensagem simbólica sobre a vida e a morre dos humanos nos dois sentidos: individual e coletivo. Na definição de Joseph Campbell (1904-1987), mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, ditados pelo sentimento. Portanto, no mito, prevalece o irracional. Dele, a linguagem é inseparável. Consiste em narrativas cobertas pelo mistério, as quais podem ser falaciosas, incongruentes, ambíguas, despreocupadas com a coerência e a clareza. Aborda temas como nascimento virginal, casamento, sacrifício, imortalidade, divindade, heroísmo, etnia, origem do homem e da sociedade. 
O casamento exibe veste mitológica. No estado religioso é visto como sacramento. No estado laico é visto como contrato. A união natural entre mulher e homem torna-se cultural (i) ao ser revestida de cerimônia e de juridicidade (ii) ao supor, além da atração física, afinidade espiritual entre duas pessoas. Estímulo no cérebro, pulsar acelerado do coração, insistência dos olhos em desobedecer à educada discrição, sinalizam afinidade plena sem a qual não há união duradoura. Amor líquido será insuficiente para a solidez do matrimônio. A chama física apaixonada diminui com o tempo e faz da fidelidade conjugal um suplício. Reacende-se em novo par, ou, sublima-se em nova direção. Entretanto, se houver aquela afinidade espiritual, o dever de fidelidade imposto por dogma religioso ou por lei civil, pesará menos.
As narrativas sobre origem e fundamento do estado configuram mitos. Diz, o filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945): As culturas antiga e moderna estão impregnadas de mitos; sem a ingenuidade humana, sem essa estupidez primeva, o mito não existe; o mito é a sombra escura projetada pela linguagem sobre o mundo do pensamento humano. A mitologia do estado moderno compreende as suas origens natural e cultural, os seus fundamentos profano e religioso, as suas formas autocrática e democrática, as suas ideologias liberal e social, as suas expressões capitalista e socialista. 
Na esfera política, após a primeira guerra mundial (1914-1918), o pensamento mítico se sobrepôs ao pensamento racional. Predominaram os cultos do herói e da raça. Nas autocracias e nas democracias do século XX, verificou-se a supremacia do poder do pensamento mítico em relação ao poder do pensamento racional. No homem primitivo, o pensamento mítico é dominante. Trata-se de pensamento pré-lógico e de visão de mundo mística. Esse tipo humano primitivo sobrevive no mundo atual. Amostras individuais mais salientes de tal sobrevivência são encontradas no comando de estados africanos, americanos, asiáticos e europeus. Marrocos, Brasil, Israel, Afeganistão, Irlanda, entre outros, exemplificam a mencionada sobrevivência na idade contemporânea.   
O mistério se esfuma quando a luz penetra a escuridão. Antes do conhecimento científico da idade contemporânea, os filósofos naturais [denominação decorrente da introjeção das ciências naturais na filosofia] elaboravam suas teorias servindo-se do caminho dedutivo. Da teoria dos elementos essenciais da matéria (ar, água, terra, fogo) transitaram para a teoria atômica dos gregos Leucipo e Demócrito. Depois que Aristóteles notou a sombra circular da Terra projetada na Lua durante os eclipses, a então vigente ideia de uma Terra plana foi substituída pela nova ideia de uma Terra esférica semelhante aos demais planetas do sistema solar. As navegações marítimas, aéreas e espaciais confirmaram a teoria aristotélica. A Terra é esférica e azul, como notou o emocionado cosmonauta russo Yuri Gagarin, primeiro a circundar o nosso planeta pilotando nave espacial. Apesar da comprovação técnica e científica da forma esférica, se alguém disser que a Terra é plana e verde, haverá quem acredite, pois, a credulidade e a estupidez dos humanos são infinitas. A infantil ingenuidade faz pessoas adultas, inclusive de escolaridade superior, acreditarem que um sociopata e/ou genocida: (i) respeitará os bens, a integridade física, a saúde e a vida das pessoas (ii) será compassivo, benevolente e humanitário.  
A teoria geocêntrica de Ptolomeu foi substituída pela teoria heliocêntrica de Copérnico. A teoria do universo estável e infinito transitou para a teoria do universo em expansão e finito. Da alquimia transitou-se para a química. A teoria atômica e da certeza em nível macrocósmico transitou para a teoria quântica e da incerteza em nível microcósmico. A noção de espaço e tempo separados cedeu lugar à teoria da união espaço/tempo. O que era tridimensional transitou para quadrimensional (comprimento + largura + altura + tempo). Paulatinamente, retiram-se as travas dos olhos humanos. Rasgam-se os véus do mistério.    

Bibliografia será apresentada após o sexto artigo desta serie. 

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