quinta-feira, 2 de setembro de 2021

VIRA-LATA

Recebe o vulgar apelido de vira-lata, o cão sem raça, vagabundo, solto nas ruas, que revira a lata de lixo do qual se alimenta. Tal apelido também se aplica a pessoa de nível rasteiro, vagabunda, sem compostura, deficiente moral, esperta, galhofeira. 
O contingente de vira-latas brasileiros é numeroso, mulheres e homens civis, militares, religiosos; ricos, remediados e pobres; parlamentares, chefes de governo, ministros, secretários, magistrados e funcionários públicos em geral; empresários e trabalhadores; profissionais liberais, jornalistas, artistas e desportistas; biscateiros e desempregados. 
Para quantificar essa tribo, a base de cálculo pode ser o corpo eleitoral de 2018. Chega-se a 1/3 do total de eleitores nas eleições presidenciais daquele ano, um número aproximado de 40 milhões de vira-latas. Há um saldo positivo de 2/3 de eleitores, porém, é à fatia menor da população que se deve a fama internacional do Brasil de não ser um país sério. 
Esse fenômeno social tem sido tema de obras artísticas (pintura, música, teatro, filmes, novelas de TV) e literárias. Consta das obras de cunho histórico e sociológico de Gilberto Freyre, como Casa-Grande & Senzala + Sobrados e Mucambos. De modo específico, esse fenômeno poderia ser objeto de pesquisa e tese de doutorado em Sociologia, Psicologia, Política. O vira-lata está presente na família, na escola, na empresa, na administração pública, no quartel, no templo religioso, no partido político, no tribunal, na média, no esporte, no clube, na sociedade em geral. Essa presença gera efeitos negativos no desenvolvimento da nação. 
Inspirado nesse perfil do povo brasileiro, que se pretende médio, mas que é da minoria, Mário de Andrade, notável poeta e escritor brasileiro do século XX, criou Macunaíma, personagem de caráter deformado, mistura de estupidez e malandragem. No mesmo século, Walt Disney criou o Zé Carioca, não só em virtude do papagaio pertencer à fauna brasileira, mas, também, por repetir de modo irrefletido tudo o que ouve. Poderia ser o Zé Macaco, por imitar de modo leviano tudo o que vê. 
No século XIX, durante o primeiro império, surge um refinado modelo de vira-lata: Franciso Gomes da Silva, o Chalaça (1791-1852). Aventureiro português sem escrúpulos, bastardo, culto, inteligente, esperto, oportunista, alcoviteiro, devasso, Chalaça conquistou a amizade íntima de Pedro I, de quem se tornou confidente e obteve várias posições na administração pública, entre as quais, secretário particular do imperador, alta patente militar, embaixador. Amealhou colossal fortuna. Personagem de várias obras artísticas e literárias, inclusive do livro de 1998, intitulado “O Chalaça”, escrito por José Roberto Torero.  
Ensimesmado, o vira-lata pouco valor concede ao patrimônio cultural do seu país (samba, carnaval, futebol, folclore, idioma, literatura, arte, ciência, técnica, vultos históricos, instituições). Interessa-lhe apenas o que traz vantagem, imediata ou futura, a si mesmo e aos seus íntimos. De modo zombeteiro, às vezes injurioso, o vira-lata desqualifica personalidades exponenciais, algumas delas populares, como Pelé e Lula, que honraram e elevaram o nome do Brasil no concerto das nações. 
Como presidente da república, por exemplo, Lula colocou o país entre as primeiras economias do planeta, moeda valorizada e estável, inflação contida, prestigiou as forças produtivas da nação, contribuiu para o desenvolvimento nacional; erradicou a fome, reduziu o desemprego, promoveu o bem de todos sem preconceito; fortaleceu o aparelho de segurança do estado; entrou para o primeiro time dos estadistas mundiais. Apesar disto, vira-latas movidos pelo ódio, pelo preconceito, pela inveja, pela vil competição política partidária e ideológica, usando de sordidez, instaurando processos fraudulentos, espalhando notícias falsas ou nelas acreditando sem a necessária análise crítica, tentam apequenar a gestão e a pessoa desse presidente. 
Em nação civilizada que preza a si mesma, personalidades de alto quilate são motivo de orgulho, respeitadas e admiradas. Na republiqueta de vira-latas, tais personalidades são vilipendiadas, menosprezadas ou ignoradas. Todo grupo humano, seja família, tribo, clã, nação ou estado, se faz representar por mulheres e homens com as melhores condições físicas, morais e intelectuais. No entanto, o Brasil é rico em exceções a essa regra. Na sua história houve – e ainda há – vira-latas ocupando altos postos nos setores público e privado, tais como: parlamentares, chefes de governo, ministros, magistrados, reitores, empresários, líderes sindicais. Atualmente, um cidadão desse naipe ocupa a presidência da república.


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