quarta-feira, 11 de agosto de 2021

MISTÉRIO CÓSMICO II

A luz da Física contrasta com a treva da Metafísica. Ciência e religião ocupam hemisférios opostos no entendimento humano. O cientista alemão Albert Einstein (1875-1965) dizia: “Há duas coisas infinitas no mundo: o universo e a estupidez humana”. Depois, com senso de humor e pitada de ironia, aduzia a ressalva: “Da primeira, eu não tenho certeza”. 
Ícone da Física moderna, embora acreditasse na existência de uma inteligência ordenadora do universo e fizesse distinção entre o mundo dos fatos e o mundo dos valores, Einstein ridicularizava as narrativas da Bíblia. Apelidara-as “contos da carochinha”. Antes dele, na mesma descrença e no mesmo diapasão, os filósofos François-Marie Arouet (Voltaire, 1694-1778) e David Hume (1711-1776) referiam-se aos hebreus (judeus + israelitas) como um povo bárbaro e ignorante. 
Segundo Tomás de Kempis (1380-1471), sacerdote agostiniano, as escrituras sagradas devem ser lidas com o mesmo espírito de quem as escreveu. Isto retira do leitor a liberdade de interpretação. A referência ao poder draconiano do deus Javé (ou Jeová) na escritura sagrada dos hebreus, destinava-se a domesticar esse povo de cabeça dura (Moisés dixit). Baruch Espinoza (1632-1677), filósofo holandês, foi expulso da sinagoga por analisar as escrituras sagradas de forma racional, livre e honesta e por defender ideias contrárias ao judaísmo. Baseado na anacrônica linguagem do texto, ele afirmou que a autoria dos cinco primeiros livros da Bíblia (Pentateuco) não era de Moisés. 
Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, na terceira parte do livro Leviatã, transcreve trecho da Bíblia no qual Esdras, sacerdote judeu, confessa ter escrito o Pentateuco sob inspiração divina durante o exílio na Babilônia (século V a.C.). Disse que assim agiu porque os originais tinham sido queimados na primeira destruição do templo de Jerusalém. Portanto, incluindo os dias atuais, o Pentateuco teria 2.500 anos (500 antes de Cristo e 2.000 depois de Cristo), aquém dos 6.000 anos (4.000 a.C. + 2.000 d.C.) atribuídos pelo clero. Considerando a malícia que impregna a Bíblia, cabe a dúvida: os originais mencionados por Esdras alguma vez existiram? A religião liga a estupidez dos crentes à arte inteligente e esperta dos sacerdotes e dos políticos. 
O cérebro humano é predisposto a estimular o júbilo por ideias e imagens reais e irreais que se lhe apresentam de modo agradável. Daí, essas ideias e imagens serem aceitas sem análise crítica. A conduta humana oscila de acordo com a economia hormonal controlada pelo cérebro. Este é considerado  órgão do pensamento, da consciência e do controle do corpo. Assim, por exemplo, à tendência inata para desafiar lei (natural ou cultural) e autoridade (pública ou privada) contrapõe-se a reflexão sobre a conveniência ou inconveniência de obedecê-las. As células do cérebro (neurônios) com suas funções informativa, comunicativa, associativa e controladora, processam e comunicam dados e sinais. Agrupados em módulos nas diferentes áreas do cérebro, os neurônios respondem pela consciência: [1] física (ser, realidade e virtualidade, juízos de fato) [2] intelectual (verdade e falsidade, juízos lógicos) [3] moral (dever ser, bem e mal, justiça e injustiça, juízos de valor) [4] cósmica (percepção ampla das dimensões material e espiritual do mundo). 
Conceitos e ações de caráter religioso e moral passam pelo crivo da consciência que aprova ou reprova. Os neurotransmissores conectam a vida interior com a vida exterior. O trabalho neurocientífico implica enlace dos elementos psíquico e somático da natureza humana e cogita sobre a existência de acervo na memória que, embora acessível, não é usado. Se tal acervo vier à superfície, o sujeito deparar-se-á, talvez, com algo até então misterioso ou inimaginável. “Quem procura não cesse de procurar até achar; quando achar será estupefato e quando estupefato ficará maravilhado e, então, terá domínio sobre o universo”. [Tomé]. “Buscai e achareis. Batei e vos será aberto”. [Jesus]. 
Há vestígios do sentimento religioso desde o homo sapiens, pelo menos, provocado pelo instinto gregário e relacional. A percepção do infinito e das potências telúricas pressiona o entendimento humano e gera crença mística (vida interior) e crença religiosa (vida exterior). A religião resulta da síntese, produzida no cérebro, da vida interior com a vida exterior. A crença em sobrenaturais poderes de coisas, lugares, pessoas e divindades pavimenta a senda religiosa. Culto dos antepassados e outros ritos, tabus, animismo, totemismo, xamanismo, conformam a religião nas sociedades primitivas. Quando a cultura humana atinge o grau de civilização, a religião se institucionaliza. Da organizada e permanente exploração do sentimento religioso nasce a instituição religiosa. Esta se diversifica  impulsionada [1] pela cósmica lei do movimento, multiplicação e adaptação [2] pelas humanas divergências sobre divindade, alma, sentido da vida, pecado, culpa, liturgia, interpretação de textos, direitos, obrigações, finanças, modus operandi.

Bibliografia será publicada após o sexto e último artigo desta serie. 

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