terça-feira, 3 de março de 2020

DISCORDANDO DA DISCORDÂNCIA

Algumas pessoas manifestaram-se educadamente contra a minha opinião publicada no facebook sobre a urgência em destituir o presidente da república e dar posse imediata ao vice-presidente. Discordar e emitir opinião são procedimentos próprios do relacionamento humano. O debate com fanáticos da direita, ou da esquerda, serve apenas para irritar, criar inimizades no seio da família e da nação. O fanatismo cega e ensurdece. Discutir com cegos e surdos desse tipo é perda de tempo e de energia. Quando o debate se trava em nível inteligente, lúcido e bem educado entre pessoas que não só falam, mas também escutam e enxergam, vale a pena participar. Insisto na citada opinião, que não é só minha, mas, também, de considerável parcela dos quase 90 milhões de eleitores que não votaram no candidato da extrema direita ou que se abstiveram de votar na eleição presidencial de 2018. 
Do lamentável estado de coisas no qual os brasileiros se atolaram, o impeachment afigura-se a saída mais adequada. “Antes que o mal cresça, corte-se-lhe a cabeça”, dizia-se nos pagos onde nasci. A minha insistência nada tem a ver com a vida íntima do presidente. Pouco importa se ele é pai bom ou mau, se ele é marido bom ou mau, se ele é ou não é corno manso, se ele é amado ou odiado. O motivo não é pessoal e afetivo e sim institucional. O momento não é para agir como o avestruz, escondendo a cabeça no buraco para não encarar a realidade. O momento não é para enfiar o rabo entre as pernas e se ocultar no bom-mocismo, sob o manto do pacifismo. O momento não é para jogadas politicas partidárias com objetivos eleitoreiros. O momento não é para cautela e paciência e sim para avanço intrépido em defesa da democracia. Há ocasiões em que a cautela e a paciência são usadas para disfarçar a covardia. A Inglaterra, borrando-se de medo do poderio alemão, pagou caro por sua política de apaziguamento ditada pela covardia dos seus líderes (Chamberlain, entre eles) que fingiam não ver o perigo da expansão do nazismo no continente europeu. Ao se ver arrasada pelos ataques aéreos dos alemães (portos, centros industriais, defesas aéreas, casas, cidades) que causaram a morte de 40 mil ingleses, o governo da Inglaterra (Churchill) pediu socorro ao governo dos EUA (Roosevelt). Escapou da derrota e da destruição total graças à ajuda dos países aliados e à arrogância do governo alemão ao atacar a Inglaterra e a Rússia ao mesmo tempo (1941).
Há razões de sobra para o impeachment. O motivo é de ordem pública: gesto de submissão ao governo estadunidense afrontoso à soberania nacional; desvio político da democracia para autocracia; desprezo pelos princípios e freios constitucionais; indecência e falta de compostura na chefia do estado e do governo; vínculos com o mundo do crime; incompetência administrativa; negligência na proteção do meio ambiente; agressividade sem amparo moral e jurídico contra: (i) as liberdades públicas (ii) as pessoas naturais (iii) as comunidades (iv) as instituições. Nesse contexto, diferente do Caso Rousseff, o impeachment, longe de ser um golpe, é medida necessária que brota da consciência democrática da maior parcela da população brasileira e um imperativo da preservação do estado democrático de direito.    
Destituído o presidente, o sucessor é o vice-presidente, nos termos da Constituição. No texto alvo da discordância ora replicada, ficou dito sobre o vice-presidente: homem sério, avesso a palhaçadas, honesto, formação militar e informação civil, deve assumir a presidência sem mais tardança a fim de recuperar a austeridade e a boa imagem do governo brasileiro. Trata-se de um general de perfil qualitativamente melhor do que o perfil do atual presidente. Trata-se de um cidadão da direita moderada cujo currículo exibe estudos superiores de política e administração, possuidor da mais elevada formação militar. Além de não envergonhar o Brasil, este cidadão militar provavelmente mudará o rumo dos negócios de estado e de governo para um porto seguro. A bússola talvez seja a doutrina da Escola Superior de Guerra, instituição de altos estudos de política, estratégia e administração que admite civis e militares. Pelo menos, a situação política, econômica e social deixará de ser caótica e será suportável até as próximas eleições. Tanto nas relações internacionais como nas relações intestinas, urge recuperar o respeito pelo Brasil e mostrar ao mundo que a maioria do povo brasileiro tem vergonha na cara. 
Há declarações esparsas e indícios de que a maioria dos oficiais superiores das forças armadas é contrária ao golpe de estado e favorável aos preceitos constitucionais. Com o general na presidência, essa maioria estará fortalecida. Não gostar de militar por rancor derivado da ditadura não é razão suficiente para impedir a atuação de militares ativos ou inativos no governo democrático. Como cidadãos desta república, eles gozam dos mesmos direitos assegurados pela Constituição a todos os brasileiros. Civis e militares necessitam libertar coração e mente dos ressentimentos oriundos do passado. O fantasma de 1964 tem que ser exorcizado para que a vida social e política brasileira se eleve a um patamar novo, mais desenvolvido e mais amoroso. 
A via judicial para anular as eleições de 2018 e afastar os atuais presidente e vice-presidente que, embora de partidos diferentes, figuraram na mesma chapa, oferece pouca chance de êxito. Os atos ilícitos da campanha eleitoral, apesar de provados, serão descartados. O Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal foram coniventes com o golpe civil arquitetado pelo governo dos EUA em parceria com políticos e juízes brasileiros contra o governo Rousseff e contra a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, o que facilitou a eleição do candidato da extrema direita. Coerentes com a parcialidade anterior, esses tribunais manterão a validade da chapa.  
A via revolucionária embalada pelo ideal de justiça oferece pequena probabilidade de sucesso. A agitação cearense pode incentivar movimento revolucionário em âmbito nacional. Todavia, tal movimento implicará violação da lei magna. A esquerda estaria sendo incongruente, posto que, até o momento, posicionava-se contra golpe de estado. Contudo, da guerra, da revolução e do golpe, a ética e a sensatez estão ausentes. Vale tudo para vencer o combate, inclusive (i) depor governos eleitos dentro das regras constitucionais (ii) instituir novas regras sintonizadas com a doutrina dos vencedores (iii) semear ódio e mentiras injuriosas, difamatórias e caluniosas. 
Pelas razões expostas, preferível e conveniente, na atual conjuntura, a via constitucional do impeachment. Nas eleições de 2022, a esquerda terá chance de vitória sem necessidade de violar os preceitos da Constituição e de apelar para golpe ou para revolução. 


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