terça-feira, 17 de março de 2020

NAZISMO NO BRASIL

Há 100 anos atrás, nasciam e floresciam: (i) na Alemanha, o nazismo (ii) na Itália, o fascismo. Suas ideias e seus métodos foram copiados por outros países da Europa e da América, inclusive o Brasil. [Aqui, o fascismo foi dominante no governo civil de 1930 a 1945 e no governo militar de 1964 a 1985; ensaia retorno em 2020]. Depois de adormecidos por algum tempo, o nazismo e o fascismo despertaram, neste século XXI, em diversas regiões do planeta. Este fenômeno político lembra a teoria mística de Hegel: um tipo de consciência coletiva que se desloca por diversos países sem depender de pacto, contrato ou conspiração, movimento semelhante ao daqueles vírus que espalham moléstias pelo mundo. As avançadas tecnologias dos meios de comunicação fazem do mundo contemporâneo uma aldeia global (expressão cunhada por H. M. McLuhan) e facilitam (i) a imitação (ii) a universalização de ideias, interesses, sentimentos, ações, usos, costumes (iii) a circulação veloz de informações sobre problemas, soluções e técnicas utilizadas.
A dificuldade dos diferentes países em sair das periódicas crises do capitalismo e se livrarem das consequências diretas e colaterais (restrição do crédito, inadimplemento, falência, desemprego, empobrecimento, xenofobia, racismo, misoginia, homofobia) leva as elites econômicas e as massas populares a desejarem um regime autocrático. O desejo e o interesse por mudança crescem. O nazismo e o fascismo germinam nesse caldo de cultura. Os seus adeptos gozam da simpatia de significativa parcela do povo, assumem o governo e exibem – até mesmo contra a parcela do povo que lhes deu apoio – autoritarismo, violência, crueldade, preconceito. De um modo geral, os apoiadores não se importam com as bordoadas que recebem do governante e tampouco se mostram decepcionados, pois entendem que o tratamento é necessário ao êxito da mudança da qual se acham protagonistas. Nesse comportamento, percebe-se o tom masoquista. Ao se comparar as crises, verifica-se que a alemã antecedeu o governo nazista; teve origem na derrota sofrida na primeira guerra mundial (1914/1918), agravada com o estouro da bolsa de NY (1929). A brasileira foi gerada nos intestinos do governo, provocada por políticos, magistrados, empresários, banqueiros, militares, evangélicos, sob orientação e apoio do governo estadunidense, no bojo de um movimento golpista (2014/2020). 
Sob a Constituição social democrática (Weimar, 1919), os governantes alemães não conseguiram debelar a crise. A maioria dos alemães, incluída a elite econômica (banqueiros, industriais, comerciantes) desejava governo forte que colocasse ordem no estado e na sociedade, controlasse a colossal inflação, recuperasse o vigor da economia e facilitasse o bem-estar geral. A liberdade viria depois de restauradas as forças da nação germânica. A democracia transitou para a autocracia de modo pacífico e consensual. Em sintonia com a Constituição, o presidente Hindenburg (chefe de estado) nomeia chanceler (chefe de governo) o líder do partido nazi (Hitler). Após a morte de Hindenburg, o povo autoriza, mediante plebiscito, a junção das duas chefias: de estado e de governo, o que implicou a passagem do sistema parlamentarista de governo para o presidencialista. Por seu turno, o Parlamento (Reichstag) concedeu amplos poderes a Hitler O incondicional apoio da elite econômica e da massa popular permitiu ao novo governo transformar a humilhada e caótica Alemanha na maior potência estratégica e econômica do planeta (1934/1943). 
Sob a Constituição social democrática (Brasília, 1988), os governantes brasileiros não conseguiram debelar a crise (2014/2020). A bolsa de valores suspende os pregões para evitar o estouro diante da queda. O dólar ronda os cinco reais. A inflação começa a galopar. Do resultado do segundo turno da eleição presidencial de 2018, verifica-se que 57 milhões de eleitores votaram a favor do nazismo e 89 milhões votaram contra. O candidato nazista foi eleito pela minoria do corpo eleitoral. Ele militarizou o Executivo e atua para desmoralizar o Legislativo e o Judiciário; prestigia a classe empresarial que o apoia; retira direitos da classe trabalhadora; mostra aversão à liberdade de imprensa, aos homossexuais, negros, indígenas, pobres e mendigos; avilta a educação, a cultura, a saúde; esvazia conquistas do bem-estar social; permite a degradação ambiental para favorecer latifundiários e mineradores; negligencia o combate ao desemprego, à fome e às doenças que afligem os mais necessitados. Na pandemia gerada pelo coronavirus, desprezou recomendações das organizações médicas e científicas brasileiras e estrangeiras, incentivou aglomerações e delas participou, inclusive com toques físicos, ignorando a gravidade do caso e os cuidados especiais que a saúde pública exige. 
Na dissertação de mestrado de 1981, qualifiquei de criminoso o povo alemão pelo genocídio de judeus, ciganos, homossexuais, negros e outros considerados de raça inferior. Ao defende-la perante a banca examinadora, eu fui questionado por um dos examinadores, professor titular de Direito Internacional da PUC/RJ, sobre esse ponto. Citou a obra de um escritor inglês, cujo nome não gravei, na qual era afirmada a inocência do povo alemão. Dizia que esse povo desconhecia os crimes cometidos pelo governo nazista. Contestei. Insisti nas afirmações contidas na dissertação, todas alicerçadas em fatos notórios e na realidade histórica documentada (depoimentos, filmes, fotografias, livros, cartas, investigações processadas). Aditei a contestação por escrito. Converti a dissertação e o aditamento em livro. [“Poder Constituinte e Constituição”. Rio, Plurarte, 1983, p. 109/110]. Aquele povo sabia da existência dos campos de concentração, dos fornos crematórios, dos comboios ferroviários conduzindo prisioneiros. Na mensagem com fotografias do campo de Buchenwald, enviada à revista Vogue, a jornalista Lee Miller diz: "Não há dúvida de que civis alemães sabiam o que acontecia. O desvio da ferrovia para o campo de Dachau passa próximo às casas com trens de deportados mortos ou semimortos". [Francine Prose. “A Vida das Musas”. Rio, Nova Fronteira, 2004, p. 324]. Mais tarde, leio a declaração de Reich, citada por Gilles Deleuze no diálogo com Michel Foucault: “Não, as massas não foram enganadas; em determinado momento, elas efetivamente desejaram o fascismo”. [M. Foucault. Microfísica do Poder. Rio/SP, Paz & Terra, 2016, p. 140]. 
Aliás, na sabatina a que fui submetido, os três examinadores fizeram inúmeras perguntas com severidade pouco usual. Acredito que, para tal severidade, influiu o conhecimento que eles tinham da minha frequência em curso de especialização da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, das minhas aprovações em dois concursos públicos para a magistratura (Paraná e Guanabara), das minhas práticas como juiz de direito e professor universitário. Provavelmente, aí residem os motivos do maior rigor da banca nos questionamentos. Depois da arguição, um deles, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e professor catedrático de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, certamente para justificar o inusitado rigor e o formidável bombardeio de que fui alvo, disse que o meu trabalho, mais do que dissertação de mestrado, era uma tese de doutorado. Tais filigranas acadêmicas me eram estranhas.
No Brasil hodierno, também “as massas não foram enganadas”; elas efetivamente desejavam o fascismo e o seu candidato. Desde 2013, parcela da população brasileira manifesta sua predileção pelo fascismo (governo forte, militarizado, ditatorial) e pela execração da classe política. Tirando proveito da própria torpeza, essa parcela da população pretende instaurar uma autocracia e aniquilar as liberdades públicas. Entretanto, cumpre lembrar que nazismo, fascismo, nazifascismo, denotam estruturas de poder cujas ideias e métodos são incompatíveis com a democracia e os direitos humanos; logo, incompatíveis com a Constituição vigente no Brasil. Portanto, a conduta nazifascista do presidente da república tipifica crime de responsabilidade. Sobre a qualificação pessoal do presidente, “as massas” também não foram enganadas; sabiam da sua grosseria, insuficiência cultural, deficiência moral e debilidade mental; que se tratava de um mentecapto extrovertido. Todavia, cegos pelo ódio devotado aos partidos da esquerda, esses eleitores nele votaram. Quanto à presença de nazifascistas no Legislativo e no Judiciário, também é incompatível com a Constituição. A defesa da democracia e dos direitos humanos inclui o afastamento dos nazifascistas das funções políticas que exercem no governo do estado brasileiro. A purgação é necessária e inadiável. 

Nenhum comentário: