sexta-feira, 13 de março de 2020

PROBLEMAS & SOLUÇÕES

Resolver nossos problemas por nós mesmos dá elasticidade ao intelecto, aumenta a nossa autoconfiança, reforça a nossa autoestima. Entregar nossos problemas a terceiros para que os solucionem implica estreitamento da nossa liberdade e aumento da nossa dependência. Os problemas decorrentes das nossas relações no lar, na escola, no clube, na empresa, na cidade, no campo, devem ser resolvidos por consenso entre todos os interessados que delas participam. Cuida-se da democracia como forma de vida em sociedade e não apenas como forma de governo do estado. Na ausência de solução consensual direta, recorre-se aos árbitros, conciliadores, conselheiros, sacerdotes, advogados. Frustradas as vias amigáveis, recorre-se às vias contenciosas (administrativas e judiciais). A justiça pelas próprias mãos é vedada nas culturas avançadas onde são admitidas apenas as causas excludentes de criminalidade (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito). 
Os problemas nacionais são resolvidos diretamente pelo povo e por seus representantes eleitos quando vigora a forma democrática de governo. As soluções são dadas pelo legislador, pelo chefe de governo, pelo magistrado, pela autoridade nos diversos escalões da administração pública, conforme o caso e a distribuição legal das competências, obedecidos os cânones constitucionais. Apesar de, na atualidade, ser grande a densidade demográfica dos países europeus e americanos, ainda é possível a participação direta dos cidadãos e cidadãs nos negócios de estado mediante: (i) plebiscito, referendo e iniciativa de leis (ii) atuação em órgãos da administração pública, com direito a voto, sem vínculo empregatício ou estatutário (iii) uso dos meios de comunicação e dos movimentos sociais, aliados ou não a sindicatos. As ideias, pretensões e vontade do povo também são manifestadas livremente em reuniões pacíficas nas quais nem sempre é possível aferir o princípio majoritário, isto é, se a vontade é da maioria do povo ou se é da minoria. 
No Brasil, estado democrático de direito, a Constituição da República reserva a liberdade de associação exclusivamente para fins lícitos. Sobre a liberdade de reunião, a Constituição não faz tal reserva. O silêncio significa que o direito de reunião pode ser exercido para fins ilícitos? A resposta só pode ser negativa, posto ser a ilicitude dos fins antagônica ao direito e à moral. Com base na liberdade de manifestação do pensamento e na liberdade de reunião, convocar a massa popular para obter apoio ao fechamento do Congresso Nacional caracteriza ato ilícito? A resposta só pode ser positiva. Tal convocação é ato ilícito porque o seu fim é ilícito, contrário ao estado democrático desenhado na Constituição. Usa-se a liberdade para destruir a liberdade. Isto caracteriza ato subversivo. Praticado pelo Presidente da República, esse ato tipifica crime de responsabilidade e enseja o impeachment. Trata-se, neste caso, de crime formal, isto é, que se consuma no próprio ato convocatório, independente do resultado, ou seja, indiferente se acontecerá ou não a manifestação pública convocada.   
O Congresso Nacional é instituição essencial à forma democrática de governo. Pleitear o seu fechamento é o mesmo que pleitear a morte da democracia e autorizar o seu oposto: a autocracia. A mudança política legítima, pacífica e pontual, embora sem previsão na vigente ordem jurídica (portanto, revolucionária, fundada na vontade popular) é a revogação dos mandatos e a convocação de novas eleições das quais os deputados e senadores não participem. Se esses representantes do povo são qualificados como escória da sociedade, falta alicerce moral às suas candidaturas. A solução em tela carrega consigo o risco: (i) de as novas eleições serem postergadas (ii) de uma ditadura provisória se tornar definitiva. Esse filme já vimos. A reprise é possível. Outrossim, nada assegura que os novos parlamentares serão moral, intelectual e profissionalmente superiores aos antigos. Alguns dos novos candidatos eleitos em 2018 são piores do que os antigos. 
O Supremo Tribunal Federal (STF) também não pode ser alvo de desmoralização pública ou de fechamento, ainda que, subjetivamente, cidadãs e cidadãos considerem-no desmoralizado pela má conduta dos ministros. Embora não seja essencial à forma democrática de governo, o STF é essencial à ordem jurídica e à forma federativa de estado. Toda suprema corte de justiça, assim como todos os juízes, desde o piso até a cúpula da organização judiciária, têm o dever de zelar pela eficácia das normas constitucionais e infraconstitucionais, quer no estado democrático, quer no autocrático; tanto no estado unitário como no composto (federação); seja no estado socialista, seja no capitalista. Temos exemplos domésticos. A Constituição autocrática de 1937 e a democrática de 1946; a autocrática de 1967 e a democrática de 1988; de todas elas, sem exceção, a suprema corte foi guardiã. Nos casos concretos debatidos no devido processo, cabe aos juízes aplicar as referidas normas, sem subterfúgios, espertezas, falácias, ou seja, cabe-lhes fazer justiça objetiva dentro da ética judiciária. Fazer justiça subjetiva ao sabor do vento e da politicagem, em atenção a nomenclaturas, idiossincrasias e conchavos, enseja o caos, a insegurança no meio social e a desmoralização da judicatura. O pleito que pode justificar a manifestação convocada, aceitável do ponto de vista político, amparado no espírito democrático, embora ao desamparo da lei em vigor, é o da exoneração dos ministros por expressa vontade popular e a elaboração de lista com os nomes dos futuros ministros. Evidenciada a vontade do povo, se faz necessário fixar o prazo da judicatura dos novos ministros e submeter a lista ao referendo popular antes da posse dos indicados. Aqui, também, não há certeza se os novos ministros serão melhores do que os antigos. 
Os movimentos sociais programados para os dias 15 e 18 de março/2020, o primeiro contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal, o segundo contra o Presidente da República, talvez não se realizem em virtude da pandemia provocada pelo coronavírus. Entretanto, eventual suspensão não afasta e nem modifica, ipso facto, as motivações dos dois movimentos. 

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