sábado, 7 de março de 2020

BUCOLISMO AO MEIO-DIA


Sábado, 12,30 horas. Na varanda, taça e garrafa de vinho tinto pousados sobre a pequena mesa de tampo redondo com mosaico de pedrinhas coloridas feito por minha esposa. Tripé de ferro escuro. Ao lado da mesinha, sentado no banco de madeira entalhada artisticamente, assento acolchoado, almofadas azul, amarela, vermelha e verde para encosto, eu aprecio, na atmosfera preguiçosa do dia, a bucólica paisagem enquanto espero o almoço que está sendo preparado.
Tóbi, cachorro de pelos bastos e vermelhos, quer sentar ao meu lado. Brigitte, cadela malhada, esperta e ágil, toma-lhe a frente. Ele, então, contrariado, acomoda-se embaixo do banco. Laika, geniosa, seletiva e ciumenta, não quer se misturar; fica deitada mais distante, com o focinho estendido sobre a lajota do piso, fingindo que está dormindo.     
Nuvens escuras sobre as montanhas anunciam chuva. Faixa mais clara e cinzenta na extensão longitudinal do horizonte não anunciava chuva; era a própria chuva que caía. Se o vento não mudar de direção, ela chegará aqui no meio da tarde como acontece regularmente nesta época do ano em que o sol permanece mais tempo na abóboda celeste. A mãe natureza e as suas regularidades e uniformidades! O resultado da interferência humana não tem sido bom. A humanidade paga, por isto, alto preço.
Noto que os passarinhos sumiram. Creio ter cochilado alguns segundos ou minutos. Nos fios da rede elétrica paralela à rua vejo só um miúdo que se mantém mudo. Surgem três urubus voando em círculos de raios longos. Com base na minha experiência dos tempos da infância no interior do Paraná, plenamente seguro e firme na minha sabedoria empírica, deduzo: há carniça no terreno. Os três vultos negros continuam a voar. Pequena desatenção minha e já são apenas dois que alternam voo rasante e voo alto, um urubu seguindo o outro. Pousam numa das árvores do quintal do vizinho. Saltam para o telhado da casa e agitam as asas como se estivessem desequilibrados. De lá, mergulham. Antes de atingir o solo, ato contínuo, alçam voo traçando linha côncava no espaço. Tornam a pousar numa das árvores. Voltam ao telhado da casa e começam a trocar carícias.
Percebi, então, que não havia carniça alguma. O alvo deles era diferente. Fome do macho pela fêmea. Danado! Toda aquela coreografia para cumprir a lei da conservação da espécie! Depois, os dois voaram para longe em direção às montanhas. Eu e o meu saber todo de experiência feito (royalties para Camões) também nos levantamos e seguimos em direção à cozinha onde nos aguardava suculento estrogonofe. O vinho ficou para a macarronada de domingo.      


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