quinta-feira, 23 de agosto de 2018

VIRA-LATAS

Se Luiz Inácio eleger um poste, não faltarão vira-latas para erguer uma das patas traseiras. Vira-lata é cachorro sem raça, vagabundo. Também é o apelido que se dá a pessoa sem dignidade, vagabunda no sentido ético de caráter mal formado, esperta e maldosa, galhofeira e desonesta, indulgente com aqueles que lhe são simpáticos embora violadores das regras morais e jurídicas.
Da análise sociológica comportamental dos brasileiros (governantes e governados) nos séculos XX e XXI, verificar-se-á que, mui provavelmente, metade da população compõe-se de vira-latas. O número só não é maior ante a quantidade dos imigrantes e seus descendentes que não se despregaram da cultura europeia e asiática. Há pobres vira-latas, remediados vira-latas e ricos vira-latas. Daí, a fama do Brasil de não ser um país sério e sim uma república de bananas, bem como, a fama dos brasileiros de serem macacos e papagaios. O tipo vira-lata masculino e feminino abunda no meio jornalístico. Inclui repórteres, comentaristas e âncoras de programas noticiosos das emissoras de televisão. Há indivíduos desse tipo (homens e mulheres) também no Legislativo, no Executivo e no Judiciário.
O tom irônico e o teor pejorativo das opiniões desse tipo de gente sobre a decisão preventiva do Comitê dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) relativa à violação pelo estado brasileiro dos direitos individuais de Luiz Inácio, mostram bem a deformação do caráter dos vira-latas brasileiros. Tais opiniões foram emitidas por pessoas que desconhecem – ou se conhecem, não respeitam – os compromissos internacionais firmados pelo estado brasileiro. A maioria desses vira-latas nada entende de direito internacional e se põe a tagarelar sobre assunto que ignora. Comportamento típico de macunaímas.
Essa malta não entende, sequer, o significado da expressão “estado brasileiro” utilizada na decisão da autoridade internacional. Desconhece, ou não lembra, que a expressão estado brasileiro implica o conjunto dos seguintes elementos essenciais: [I] território (superfície terrestre, subsolo, espaço aéreo e marítimo) [II] patrimônio natural e cultural (fauna, flora, minérios, bens materiais e imateriais relativos à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da nação brasileira) [III] povo (parte da população vinculada à ordem jurídica nacional) [IV] governo (poder político estruturado que inclui as três funções básicas: legislativa, administrativa e judiciária).
Destarte, cabe ao elemento humano (povo) e ao elemento institucional (governo) acatar a legítima decisão do citado Comitê. Essa decisão de fonte internacional foi prolatada no devido processo legal, tendo sido respeitados os princípios: [1] do contraditório, eis que o estado brasileiro contestou o pedido e se manifestou por escrito em outros momentos do processo [2] da ampla defesa, eis que o estado brasileiro teve o ensejo de produzir provas e alegações em paridade de forças com o autor da demanda [3] do juiz natural, eis que o Comitê está investido dessa autoridade jurídica na estrutura e no funcionamento da ONU.
A súcia de vira-latas nega a obrigatoriedade do cumprimento da referida decisão. Empresta ao termo “comitê” um significado ordinário: local onde se reúnem algumas pessoas para determinado objetivo sem estipular obrigações a terceiros. O “comitê eleitoral” serve de exemplo. Cada partido tem o seu comitê. Todavia, o Comitê dos Direitos Humanos tem significado específico e valor jurídico e político mundial. Trata-se de uma comissão especial da Assembleia Geral da ONU, cujos qualificados integrantes são escolhidos para exercer jurisdição delegada. Cabe a esse órgão fiscalizar e controlar a vigência e a eficácia dos direitos humanos nos estados associados à ONU. O Brasil é um deles. Ao firmar pactos internacionais, o Brasil cedeu parte da sua soberania nos assuntos neles tratados.        
A ata do Comitê que contém determinações aos estados membros da ONU está em nível diferente da ata de uma reunião de condomínio. Custa acreditar que juiz ou qualquer jurista tenha nivelado as duas atas, salvo se for bandido de toga ou jurista de araque. A ata do Comitê é documento oficial cujo conteúdo obriga os estados membros. Esse conteúdo pode expressar em conjunto ou separadamente: [1] uma ordem ou determinação [2] uma requisição [3] uma recomendação.
No caso concreto em tela, cuida-se de uma determinação ao estado brasileiro para que providencie as condições necessárias ao exercício pleno dos direitos políticos do cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que ele esteja preso. A ordem é cautelar. O seu objetivo é evitar que o constrangimento imposto ao réu gere consequências prejudiciais irreversíveis. A autoridade internacional, sempre rigorosa no exame dos casos submetidos à sua apreciação, não teria expedido a ordem preventiva se a petição não estivesse estribada em prova idônea e robusta, a indicar alta probabilidade de Luiz Inácio estar realmente sofrendo violação em seus direitos fundamentais. Ante a proximidade das eleições e a grave ameaça do estado brasileiro de alijar Luiz Inácio da disputa eleitoral, a autoridade internacional, no curso do devido processo jurídico, concedeu-lhe a proteção requerida.
A leitura dos sinais indica a forte probabilidade de o Comitê dos Direitos Humanos da ONU, quando o procedimento contencioso chegar ao fim: (i) julgar procedente a reclamação (ii) reconhecer que Luiz Inácio foi, de fato, vítima de um processo judicial fraudulento (iii) determinar ao estado brasileiro que tome as medidas necessárias à soltura do réu e à plena reintegração nos seus direitos de cidadão.
Já se ouve, na alvorada, o clarim que anuncia um novo dia sob o sol da liberdade.               

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