domingo, 26 de agosto de 2018

JURISDIÇÃO CONTAMINADA

O líder do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, tendo por referência o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) havia se acovardado. No início de sessão plenária, o decano do STF, ministro Celso de Mello, em desagravo, usou da palavra de modo contundente. Mostrou-se irresignado e indignado, mas, sobretudo, com ódio à pessoa de Luiz Inácio. Reação nervosa à crítica considerada ofensiva. O rancor compromete a serenidade e a imparcialidade do ministro no processo em que Luiz Inácio é parte. Como esse ministro fala em nome do tribunal, Luiz Inácio não terá um julgamento justo, obviamente, pois a jurisdição estará contaminada pela raiva, pelo preconceito, pela predisposição dos julgadores a condená-lo.
O processo judicial enseja aos ministros o momento de dar o troco ao “petralha”, de dar a merecida resposta a esse operário metido a besta que se atreve a criticar os aristocratas da república. Essa é a mentalidade de grande porção de brasileiros das camadas ricas e remediadas da sociedade, oposta à mentalidade do povo anglo-americano. A expressão “esse é o cara” utilizada por Barack Obama, então presidente dos EUA, dirigida com alegria, afeto e admiração a Luiz Inácio, então presidente do Brasil, brotou das raízes culturais daquele povo plantadas pela bravura e esforços pioneiros dos peregrinos ingleses na América do Norte do século XVII (1601-1700), o novo mundo do protestantismo. Na dureza da vida, ao lançar os alicerces de uma nova nação e no seu evoluir histórico, o povo anglo-americano aprendeu a valorizar e respeitar as pessoas que, saindo de condições humildes e materialmente difíceis, atingem, por denodo e mui forte vontade, as mais altas posições na sociedade. Aquele povo venera o lenhador que se tornou presidente da república (Abraham Lincoln) e admira o jovem que se tornou bilionário graças ao seu talento no campo da informática (Bill Gates). Na Europa, o povo polonês não se envergonhou de colocar um operário na presidência da república (Lech Walesa).         
No Brasil, a retrógrada situação moral, social e política evidencia-se não apenas na atitude do decano do STF, mas, também, nos votos dos ministros na ação de habeas corpus em que Luiz Inácio figurava como paciente. Na sessão de julgamento, cinco ministros concederam a ordem e cinco ministros a negaram. Esse empate caracteriza o estado de dúvida do colegiado. Cabia à presidente do tribunal o voto de desempate. Em se tratando de matéria penal, o Voto de Minerva favorece o réu, segundo o princípio universal de direito respeitado e aplicado nos países democráticos de todos os continentes: in dubio pro reo. No entanto, exibindo parcialidade, hostilidade e arrogância, a presidente do STF desprezou esse princípio fundamental da cultura jurídica ocidental e votou pelo indeferimento do pedido. Se a ministra fosse realmente cultora do direito, juíza imparcial e vocacionada para a judicatura, sem cor política partidária, teria ressalvado o seu entendimento e nunca teria deixado de aplicar o vetusto princípio. Apesar de o réu ser inocente e idoso (septuagenário) e de haver prestado relevantes serviços à nação brasileira, ele permanece privado da sua liberdade.
O crime de Luiz Inácio foi ter nascido pobre e nordestino, ter sido operário e sindicalista e não ter curso universitário. Os aristocratas brasileiros, detentores de diploma universitário, não perdoam Luiz Inácio por sua vida política bem sucedida, por ter se revelado o maior estadista do período republicano da história do Brasil, por ter conquistado o respeito e a admiração de estadistas americanos, europeus, africanos e asiáticos. Graças ao seu excelente e elogiável desempenho no governo do Brasil, foi agraciado com o diploma de doutor “honoris causa” de inúmeras universidades mundo afora. Os aristocratas tampouco toleram as realizações do governo de Luiz Inácio no campo social, inclusive apagaram da seletiva memória deles próprios os benefícios que receberam. Governante cujo lema era “paz e amor”, Luiz Inácio, na sua equivocada generosidade, no início do mandato (2003), impediu a instauração de auditorias, inquéritos e processos que apurariam a responsabilidade civil e criminal dos integrantes do governo antecessor [Fernando Henrique Cardoso (de cujas deficiências as mais notáveis são a desonestidade, a sovinice, a gula, a vaidade e a inveja incomensuráveis), Pedro Malan, Sérgio Motta, José Serra et caterva]. Livrou-os de provável prisão (salvo o terceiro que já morrera). Banqueiros, empresários e o setor produtivo da economia nacional prosperaram no governo de Luiz Inácio. Todavia, gratidão é sentimento estranho ao espírito dos aristocratas. Eis o que parece ser o projeto dos aristocratas: “Plano A: matar esse nordestino filho-da-puta. Plano B: frustrado o intento principal, trancafiá-lo no cárcere pelo resto dos seus dias”.    
A repulsa e o ódio a Luiz Inácio nota-se ainda pela recusa da presidente do STF em colocar na pauta de julgamentos as ações declaratórias de inconstitucionalidade que versam o limite da presunção de inocência (se o limite está no segundo grau de jurisdição ou se após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória). O julgamento dessas ações pode favorecer Luiz Inácio, condenado em processo judicial fraudulento que apresenta claros vícios: (i) incompetência de foro (ii) parcialidade e suspeição dos magistrados que nele atuaram (iii) ausência de prova da materialidade do suposto delito.
Em razão desses vícios, o processo deve ser anulado e os autos remetidos ao foro competente que, nos termos da lei processual penal, é o foro do Estado de São Paulo e não o do Estado do Paraná. A materialidade é elemento estrutural do crime. Cuida-se de um dado objetivo que a capacidade intelectual criativa do delegado, do promotor ou do juiz não pode substituir. A materialidade e a autoria são elementos externos à autoridade pública que delas cuida. Esses elementos essenciais não devem sua existência à convicção nua ou à criação mental da autoridade pública e sim a uma base empírica e ação concreta devidamente comprovadas.          
No sentir de Luiz Inácio, o STF acovardou-se no episódio do impeachment. Os fatos notórios, assunto de debates parlamentares e acadêmicos, de jornais impressos e eletrônicos, autorizavam-no a exercer o seu direito de crítica, a manifestar o seu pensamento. No citado episódio, o STF, apesar de provocado na forma da lei, omitiu-se e “deixou o samba morrer”. Luiz Inácio e outros brasileiros interpretaram tal omissão como covardia. Na perspectiva do golpe político, a omissão pode ser vista como cumplicidade dos ministros com parlamentares, com parcela do empresariado, com os meios de comunicação social e com o governo dos EUA. Sob este ângulo, covardia não houve e sim petulância. Ante a opinião pública nacional e internacional, especialmente em face da comunidade jurídica, os ministros do STF mostraram-se audaciosos, tiveram a coragem de desonrar a toga e de subverter a missão de zelar pela Constituição. 
Todo esse contexto recomenda que o caso de Luiz Inácio seja submetido à jurisdição internacional em razão de estar contaminada a jurisdição nacional.     

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