quarta-feira, 15 de agosto de 2018

DIGNIDADE & LIBERDADE

Do seu cárcere na cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, província da República Federativa do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sob a custódia da polícia federal, a fiscalização do ministério público e a autoridade do juiz das execuções penais, disse que não trocava a sua dignidade por liberdade. Pairava no ar a proposta de que ele se livraria da prisão caso firmasse o compromisso de não participar do processo eleitoral. A manifesta intenção de Luiz Inácio, apreendida de tudo quanto foi publicado, era – e continua a ser – a de se livrar da prisão só depois de reconhecida sua inocência. Isto exige reforma da sentença que o condenou. Absolvição judicial. Inocência proclamada. Dignidade restaurada. A liberdade será consequência.  Essa desafiadora atitude agitou a opinião pública nacional e internacional.
No discurso do ex-presidente há gradação axiológica: a dignidade acima da liberdade. Cuida-se da esfera moral da personalidade, ou seja, do conjunto de virtudes (caráter brioso, honesto, honrado, justo) que torna a pessoa merecedora de respeito e consideração. A dignidade finca alicerces no atributo racional e no senso ético característicos da espécie humana que a distingue das outras espécies do reino animal. Os humanos têm a sua dignidade subtraída quando tratados como animais irracionais ou como coisas. Escravatura, condição análoga à de escravo, ofensa a honra, cárcere privado, tortura, tratamento desumano ou degradante, aviltam o indivíduo. O legislador constituinte elevou a dignidade da pessoa humana ao nível de princípio fundamental da república. Aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a Constituição garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. [CR 1º + 5º].
A gradação implicada no discurso do ex-presidente parece equivocada por agasalhar hierarquia imprópria. A dignidade é qualidade moral de quem é digno. A liberdade independe da dignidade e pressupõe: (I) realidade diversificada (II) possibilidade de escolha entre ideias, métodos e coisas diferentes. Consiste no poder do indivíduo de: (i) converter em ato suas potencialidades físicas e intelectuais vencendo dificuldades e eventuais resistências; (ii) escolher o que lhe parece agradável, belo, bom, verdadeiro ou justo, sem intervenção compulsória de terceiros; (iii) estabelecer as próprias crenças independente dos condicionadores sociais; (iv) pensar, querer e agir segundo a própria vontade sem subordinação obrigatória às ideias, aos sentimentos e à vontade de outrem; (v) rever conceitos e eliminar preconceitos superando os que forem contrários ao atual estágio da sua inteligência, consciência e espiritualidade; (vi) locomover-se de acordo com sua própria orientação no tempo e no espaço sem qualquer óbice.
No que tange aos grupos e nações, a liberdade consiste no poder de: (i) organizar-se e garantir autonomia; (ii) eleger os governantes ou os órgãos de direção; (iii) reunir-se, discutir, planejar, executar, sem coação; (iv) realizar o bem comum e buscar a felicidade geral; (v) insurgir-se quando necessário e mudar o governo. No plano social, desconsiderado o elemento volitivo do conceito, "entende-se por liberdade a proteção contra a tirania dos dominadores políticos" (John Stuart Mill). 
A privação da liberdade ou qualquer outro castigo corporal ou mental aplicado à pessoa humana, mormente na ausência de justa causa, importa em abalo à dignidade do paciente, à consciência do seu próprio valor, à sua autoestima. Portanto, recuperar a liberdade de locomover-se, de manifestar o pensamento, de exercer direitos políticos, significa restabelecer a dignidade do indivíduo cerceado. Outro passo nessa direção, no caso concreto do ex-presidente, é obter reforma da sentença condenatória e manter sem mácula a folha de antecedentes criminais. Isto melhor se consegue quando o direito de defesa é exercido em liberdade, ainda mais quando o réu é inocente, como no caso do ex-presidente, vítima de um processo judicial, quer nos seus trâmites, quer no seu conteúdo, notoriamente fraudulento.
Na justiça criminal, os processos de réus presos têm prioridade e urgência em relação aos processos de réus soltos. O excesso de tempo de prisão antes de a sentença transitar em julgado tipifica constrangimento ilegal e autoriza a soltura. No caso concreto do ex-presidente, aconteceu o inverso. Enquanto ele estava solto, o processo correu em alta e inusitada velocidade em relação aos processos dos réus presos. Depois que ele foi preso, o processo passou a tramitar em marcha mais lenta do que a marcha dos processos de réus soltos. Por este ângulo também se constata: (i) a parcialidade dos juízes sulinos que atuaram no processo em primeiro e segundo graus de jurisdição (ii) o caráter político e antijurídico da ação penal e da prisão.      
A impressão gerada pelo Caso Lula é a de que o ex-presidente, por esperteza, prefere permanecer no cárcere como prisioneiro político amealhando prestígio pessoal e fortalecendo o seu partido. Quanto maior a semelhança com Mandela, mais apoio terá do público nacional e internacional, apesar da diferença da sua situação com a do líder africano. Criado por seus algozes, o Caso Lula rendeu ao ex-presidente e ao seu partido dividendos políticos que serão aproveitados nas eleições. 


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