sábado, 7 de abril de 2018

ROSA & ESPINHO

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem recebido críticas severas pelo teor do seu voto contrário à concessão do habeas corpus preventivo (HCp) impetrado em favor do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva.  Embora o seu nome seja mais extenso (Rosa Maria Weber Candiota da Rosa) ela preferiu abreviá-lo ao da flor e ao do notável sociólogo alemão Max Weber. Contudo, a atuação de Rosa nas sessões plenárias do STF revela que a sua inteligência e cultura situam-se aquém da inteligência e cultura do pensador germano.
O voto criticado por jornalistas e juristas exemplifica a lógica titubeante e o insuficiente preparo psicológico da referida senhora para o elevado cargo de juiz de uma suprema corte de justiça. Essa fraqueza ela comunga com a sua colega que atualmente preside o STF. Entretanto, a esperteza mineira de Carmen supera a gauchesca rigidez de Rosa. 
Neste passo, adequado e oportuno o comentário do ministro Gilmar Mendes: o Partido dos Trabalhadores (PT) está pagando por suas más escolhas, inclusive das pessoas que hoje ocupam as cadeiras da mais alta corte de justiça do país. Realmente, o boçal republicanismo dos petistas quando no governo, a arrogância de muitos dos seus quadros, as concessões à direita incrustada nos bancos, nas empresas de televisão, nas associações industriais e comerciais, a pieguice do mantra paz e amor no ambiente de luta partidária, adubaram o terreno para o golpe de estado. Agora, até o líder máximo do PT poderá ser preso graças a um processo criminal fraudulento destinado a impedir sua candidatura e a dificultar o exercício da cidadania.   
Rosa Maria manteve-se firme no costume de prestigiar os entendimentos majoritários do tribunal, mesmo quando filiada à corrente minoritária. Nos seus votos, aplica a jurisprudência da casa, ainda que dela tenha discordado. No caso do HCp de Lula, essa rigidez impediu-a de perceber que a jurisprudência estava em xeque, a decisão de 2016 não se pacificara ainda, bem ao contrário, era objeto de impugnação em duas ações diretas de constitucionalidade já prontas para serem julgadas, segundo informou o relator à presidente do STF. Na sessão anterior, a própria Rosa falou (só não falam as rosas do Cartola, mas exalam o seu perfume) com outras palavras: o réu não deve ser privado da sua liberdade enquanto o estado não prestar a tutela jurisdicional invocada. Por essa razão, ela votou a favor da concessão do salvo-conduto.
Diante dessa situação concreta, não havia necessidade alguma de Rosa Maria sacrificar a sua convicção, pois questionava-se precisamente a constitucionalidade da mais recente jurisprudência do tribunal que servira de base à ordem de prisão. A ministra preferiu não incluir essa matéria no seu voto e limitou-se a verificar se estavam presentes os requisitos da ilegalidade e do abuso de poder no ato denunciado que configuraria a coação. Verificou que tais requisitos estavam ausentes. A coação era legítima, pois decorria de uma decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça proferida no devido processo jurídico. A ordem de prisão do paciente estava em sintonia com o texto constitucional, com a lei processual e a mais recente jurisprudência do STF. Votou pelo indeferimento do pedido de HCp. Nessa linha, já haviam votado os ministros mais novos: Alexandre, Luiz Edson e Luis Roberto. Seguiram-se, depois, formando maioria, os votos de Luíz e Carmen Lúcia.
Leonardo Boff, teólogo, pensador e escritor, bem lembrou: o voto da presidente foi de desempate. Logo, devia beneficiar o paciente e não prejudica-lo. Pelo menos, assim se entende na ética judiciária: no processo criminal, o voto de minerva há de favorecer o réu. Logo, não foi o voto de Rosa Maria que “enviou Lula para a cadeia” e sim o de Carmen Lúcia. A rigor, foram os votos de 6 ministros que permitiram a prisão do paciente e não qualquer voto isolado. Os votos majoritários singulares (juízes) tornam-se a voz e a posição oficial do órgão coletivo (tribunal). 
Lenio Streck, doutor em direito, professor de Direito Constitucional em universidade gaúcha, escritor de artigos bem humorados, referiu-se à equivocada noção de mutação constitucional de Luis Barroso, ao comentar brevemente o voto desse ministro no julgamento do citado HCp. De fato, nota-se que, em diferentes ocasiões, esse ministro recheia alguns dos seus votos com sofismas e manipula dados e conceitos. Salvo Marco Aurélio e Gilmar Mendes, nenhum outro ministro parece perceber essa esperteza retórica de Barroso. Confiam na cultura, na inteligência e na pose do orador. No entanto, a impressão geral de outrora era a de que, dentre os ministros do STF, o mais ingênuo dava nó em pingo de água.  
No livro “Poder Constituinte e Constituição” (Rio de Janeiro, Plurarte, 1983) inclui o tema “Mutações Constitucionais” (p. 93/95) não abordado da mesma forma pelos tratadistas brasileiros da época. Retirei-o da “Teoria de la Constitución” de Karl Loewenstein (Barcelona, Ariel, 1979).
O conceito mutação passa da ciência natural à ciência social significando as mudanças que ocorrem na sociedade no curso da história. Essas mudanças podem ser assimiladas pela estrutura material da constituição do estado, sem alterar o texto constitucional. Loewenstein apelidou esse fenômeno social de mutação constitucional. A mudança no texto ele apelidou reforma constitucional. A mudança na constituição do estado pode ocorrer de modo formal (revisão) ou informal (mutação). A interpretação judicial encaixa-se no modo formal sem a amplitude da revisão pelo legislador. A norma constitucional continua vigente, mas com a sua eficácia alterada pela interpretação judicial. O tribunal altera a compreensão da norma e às vezes também a extensão. No estado democrático de direito, a interpretação judicial caracteriza usurpação do poder constituinte do legislador quando: (i) coloca o texto constitucional fora de vigência (ii) reduz a eficácia da norma constitucional em prejuízo de direitos fundamentais (iii) contraria cláusula pétrea.
Destarte, ao reduzirem o campo de incidência da presunção de inocência traçado pelo legislador constituinte, os ministros do STF estão se atribuindo poder constituinte que não lhes foi outorgado pelo povo.

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