quarta-feira, 25 de abril de 2018

LIBERDADE & PRISÃO

A prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da república brasileira, revigorou o sentimento e a ideia de liberdade e provocou a solidariedade de pessoas representativas e de organizações civis da América Latina e da Europa.
Os adversários tentam impedir as manifestações de apoio ao preso. Notícias veiculadas na rede de computadores informam que: (I) representantes da central de sindicalistas e congêneres da Inglaterra dirigiram-se à embaixada brasileira, em Londres, a fim de entregar carta pleiteando a liberdade do líder político, mas as portas não lhes foram abertas; (II) a juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba, Carolina Moro Lesbos, afinada com o diapasão do seu xará da 13ª Vara Federal, Sérgio Moro, mostra-se rígida na sua função administrativa, impede o preso de ser visitado por pessoas amigas e companheiras de jornadas sociais e políticas, inclusive oriundas de outros países.
Das informações, desde que verídicas, lícito deduzir que o chefe do Ministério das Relações Exteriores, tucano delinquente, instruiu as embaixadas brasileiras para não receberem pessoas e documentos com esse tipo de apoio. No que tange à Carolina do judiciário, faltam-lhe os olhos tristes e a doçura da Carolina dos versos de Chico Buarque. A mãe da juíza, quiçá telespectadora dos festivais da TV Record, anos 60, deu-lhe esse nome possivelmente seduzida pela comovente beleza da canção (e talvez também pelos olhos verdes do bem-nascido e bonito jovem compositor). 
A citada juíza e os seus semelhantes no ministério público e na magistratura entoam o mantra “a lei é igual para todos”. O prisioneiro Luiz Inácio será tratado como os demais prisioneiros, sem distinção e sem privilégios. Ele não é preso político e sim preso comum condenado no devido processo legal como criminoso comum, lavador de dinheiro e corrupto passivo. Ainda que provisoriamente, posto não ter ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória, Luiz Inácio fica sob regime carcerário nos termos da lei das execuções penais. Da decisão da juíza extrai-se o pensamento: “o presídio não é casa de mãe Joana; nada de visitas fora dos dias e horários estabelecidos pela administração; os visitantes, ilustres ou não, devem se sujeitar às regras de funcionamento do órgão público; se alguém tiver pressa, que cancele outros compromissos ou, então, regresse sem visitar o preso. Dura lex sed lex”.
Falácia da igualdade. Aquele mantra (“a lei é igual para todos”) é malicioso. Há leis que não se destinam a todos. Há lei votada para atender os interesses de uma única pessoa, como foi o célebre caso de Assis Chateaubriand. Há leis destinadas a proteger interesses de certos grupos (como, por exemplo, o grupo dos proprietários das emissoras de televisão) contra os interesses do povo. No Brasil, a lei é aplicada segundo a cara do autor ou do réu, o humor e as inclinações do magistrado, o espírito de corporação, o tráfico de influência, a pressão da média (mídia?), desde a primeira até a última instância. 
“Todos são iguais perante a lei” é o correto enunciado produzido pela civilização ocidental. Os servos da letra confundem o conceito jurídico formal da igualdade com o ato material e topográfico do nivelamento por baixo. Do ponto de vista material, o povo sabe distinguir: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Na mesma árvore, uma folha não é igual a outra; semelhante, mas não idêntica. No mundo da natureza, a igualdade está no processo cósmico da energia fundamental que gera, multiplica e diversifica a matéria. A igualdade está no processo e a desigualdade nos seres. No plano existencial, a diversidade é a regra. Como dizem os franceses: viva a diferença!
O reconhecimento da dignidade da pessoa natural levou os mais refinados pensadores, movidos pelo senso de justiça, a idealizarem a igualdade. Aristóteles, filósofo grego, dizia que a igualdade (justiça) consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Essa definição, que realisticamente supõe a coexistência da igualdade e da desigualdade, foi adotada por Ruy Barbosa, genial jurista brasileiro da primeira metade do século XX. No seio da sociedade, os iguais são aqueles que se encontram na mesma classe, ou no mesmo padrão econômico, ou no mesmo estamento político, ou aqueles que exercem as mesmas funções, titulares dos mesmos direitos e deveres.
Ao contrário do que pensa a Carolina de olhos vazios, sem “tanta dor”, o prisioneiro Luiz Inácio Lula da Silva não é igual aos prisioneiros comuns. Mereceu cela especial. Não se trata daquela solitária, cubículo em que os presos indisciplinados são jogados como castigo e lá amargam condições sub-humanas. Luiz Inácio declarou estar satisfeito com as instalações e que não gostaria de ser removido. A pena a que ele foi condenado ainda não foi revista pelas instâncias superiores. Dos recursos interpostos nos graus especial e final de jurisdição podem resultar: a redução da pena, ou a anulação do processo, ou até a absolvição. Por enquanto, Luiz Inácio não deve ser internado como presidiário.
Outra diferença em relação aos presos comuns: Luiz Inácio não cometeu o crime de que foi acusado. O estado nada provou. Ademais, o processo é nulo. A sentença foi prolatada por juízo incompetente.  A ação definida como delituosa ocorreu em São Paulo; o réu é domiciliado em São Paulo; a transação mencionada pelo acusador, sem laço com a Petrobras, não aconteceu no Paraná. Luiz Inácio está condenado e preso por ser político militante, por ter o apoio da massa popular e ser forte candidato à presidência da república. Pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiras, que integram tanto a direita moderada quanto a extrema direita, desejam expulsá-lo da política partidária. Em razão da fraude processual de que foi vítima, Luiz Inácio é considerado, pela opinião pública, preso político e não preso comum.    
Diferente dos demais prisioneiros, Luiz Inácio é o maior estadista do período republicano da história do Brasil, ao lado de Getúlio Vargas. O conceito de homem bom, de líder inconteste, vai além das fronteiras e atrai a admiração de líderes de países americanos, europeus, africanos, asiáticos, bem como, de personalidades representativas do mundo artístico, intelectual, científico e religioso. Do mundo universitário nacional e estrangeiro, ele recebeu inúmeros títulos de “Doutor Honoris Causa” quando nem era mais presidente do Brasil. Agora mesmo, há um movimento para que lhe seja outorgado o Premio Nobel da Paz.     
Falta amparo legal e moral aos óbices criados pela juíza da execução penal às visitas ao prisioneiro. A competência legal do juiz da execução para zelar pelo cumprimento da pena deve ser exercida dentro dos limites éticos e jurídicos. O direito não acolhe o abuso. A lei das execuções penais, que também se aplica à prisão provisória, tem duplo objetivo: (1) dar efetividade à sentença condenatória (2) proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.
Dar efetividade não significa retirar direitos do condenado. Entre esses direitos está o de não ser discriminado por motivo de natureza racial, social, religiosa, ou política. A juíza da execução faz essa discriminação quando impede as visitas ou seleciona quem pode e quem não pode visitar o preso. Ela cassou direitos do preso. Ao selecionar ou negar visitas ao preso, a juíza também se coloca frontalmente contra o segundo objetivo da lei. A harmônica integração social do condenado não se faz impedindo-o de se relacionar socialmente com seus parentes, amigos e correligionários.
A lei impõe ao estado o dever de recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena. As proibições da juíza colidem com esse dever do estado.  Considerando que Luiz Inácio é homem de bons antecedentes, sem periculosidade, autoridade moral acima do comportamento dos seus perseguidores, pigmeus morais, o castigo que lhe está sendo imposto pela juíza não se justifica.
Os assuntos administrativos do órgão público devem respeitar os direitos fundamentais do preso. A desculpa da juíza de que está agindo de modo estritamente técnico não convence. Tal desculpa constitui implícita confissão da arbitrariedade e da parcialidade. Em nome da técnica, viola normas constitucionais e legais. Esse modo “estritamente técnico” de decidir significa: (i) fazer tabula rasa da política do direito, dos princípios gerais do direito, das normas gerais que regem cada instituto jurídico (ii) desprezar o espírito da lei (iii) agarrar-se à letra e ajustá-la ao propósito do aplicador (iv) considerar filigrana qualquer preocupação com a ética.
O direito, como arte do bom (moral) e do equitativo (justo), tem a sua técnica. Todavia, as tecnicalidades não devem esvaziar a norma jurídica da sua substância e do valor que a informa. Evitar a eficácia da norma jurídica e servir a objetivos espúrios são modos indecentes de aplicar as regras técnicas.  

Lei 7210/1984, art. 1º/4º; 66, VI.
Leis 10.792/2003 + 12.654/2012 + 12.714/2012 (art.4º, I e II).

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