sábado, 11 de novembro de 2017

OBSCURANTISMO

A teóloga e professora da PUC/RJ, Maria Clara Bingemer, escreveu excelente artigo publicado no Jornal do Brasil eletrônico, edição de 09/11/2017, sob o título “Quem Tem Medo do Pensamento?”.
De início, ela cita Melanie Klein, psicanalista austríaca: “Quem come do fruto proibido do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso”. Na visão da psicanalista, pensamento é algo fundamental, complexo, totalizante, vital, que mobiliza afetos e emoções e não só a mente e o raciocínio.
A professora brasileira também cita a experiência de Simone Weil, filósofa e mística francesa, que trabalhou como operária e constatou que após o duro trabalho semanal nos fornos da indústria metalúrgica francesa, sua capacidade de pensar se atrofiava. Fundada nessa experiência, a filósofa francesa concluiu que toda pessoa submetida a tal ritmo, sem interrupção que lhe permitisse restaurar-se, acabaria despojada da sua humanidade e transformada em uma besta de carga.
A professora diz que foi motivada a escrever o artigo pela chuva de protestos sobre a visita ao Brasil de Judith Butler, filósofa estadunidense, autora do livro “Caminhos Divergentes. Judaicidade e Crítica do Sionismo”, cujo tema, o mesmo da palestra, era “O Conflito Israel - Palestina e o Sionismo”. A professora atribui ao obscurantismo dos contestadores a inusitada ofensiva contra a filósofa.       
Cumpre assinalar o costumeiro patrulhamento e o notório fanatismo dos judeus em tudo que lhes toca. Tanto no Brasil como em outros países da América e da Europa, a presença dos judeus é constante na imprensa, na televisão, no cinema, tanto para defender sua cultura como para fazer propaganda da sua posição como eterna vítima da maldade do mundo. Os cristãos e os muçulmanos são os carrascos. O título do livro e o artigo ora em comento indicam que a filósofa estadunidense mexeu no vespeiro. Daí, a injuriosa e feroz resistência da comunidade judia à sua presença no Brasil. Como a filósofa palestrante é estudiosa das questões de gênero, este também pode ter sido o outro ingrediente da ação obscurantista. O alarido produziu efeito contrário. Como informa a teóloga brasileira, a palestra foi um sucesso, casa lotada e muita gente do lado de fora na esperança de ingressar no recinto.
O mesmo obscurantismo experimentei no sul do Estado do Rio de Janeiro em 2010, quando concedi entrevista ao jornal impresso da região sobre o livro “O Evangelho da Irmandade”, de minha autoria. Houve azeda e injuriosa contestação por inúmeras pessoas. Detalhe: o livro não estava disponível ao público e nem o coloquei no circuito comercial. O livro foi escrito por diletantismo para ser distribuído gratuitamente a pessoas da minha família, do meu círculo de amizade e mais a quem se interessasse pelo assunto. Dos 500 exemplares editados restam menos de 100.
No que tange ao pensamento, ora manifesta a frieza do cálculo matemático, ora o calor das emoções, dos sentimentos e dos instintos. Nós somos o resultado da combinação de elementos e forças estruturais da matéria, dizem os químicos e os físicos. Nós somos o que comemos, dizem os biólogos. Nós somos o que pensamos, dizem os filósofos. Nota-se conexão entre o soma e a psique. Não somos inteiramente físicos, nem inteiramente racionais, morais ou espirituais. Somos a mistura.
O pensamento pode gerar reação desagradável (até violenta) quando, dotado de força persuasiva, contrariar crenças, dogmas e ideologias no campo da religião, do misticismo e da política. O pensamento maldito ameaça o status quo, o conservadorismo, a estabilidade das ideias, das crenças e dos costumes vigentes na sociedade, no grupo ou na classe. O pensador maldito tem que ser demonizado, enclausurado e assassinado, conforme se depreende das atitudes e ideias dos obscurantistas medievais e modernos.       
No que concerne ao trabalho, contraponho à experiência da filósofa francesa, a experiência do meu pai. O trabalho, ainda que duro e exaustivo, não despoja o trabalhador da sua humanidade e nem o transforma, necessariamente, em besta de carga. De 1927 a 1962, meu pai trabalhou como operário ferroviário na Rede Viação Paraná-Santa Catarina. Dez horas por dia (8 normais + 2 extras) durante a semana e metade no sábado. Repouso aos domingos. Férias anuais de 20 dias. Saía de casa de madrugada e regressava à noite. Por isto mesmo, algumas vezes, ficava sem ver os filhos nos dias de semana. Apesar da dureza e do ritmo do seu trabalho, meu pai não perdeu a humanidade, mostrava carinho por minha mãe, por mim e por meus irmãos, era bem humorado e espirituoso (olhava mais a face cômica do que a face trágica da comunidade humana). Formou uma banda musical e animava bailes aos sábados à noite ou matinês dançantes aos domingos à tarde. O circo chegou na cidade. Banda contratada. Momento culminante do trapézio. Papai faz rufar a caixa da bateria. Suspense sob a lona. O trapezista salta com sucesso. A banda toca. Papai joga as baquetas para o alto e as apanha sem atravessar o ritmo. Não lhe bastava tocar, tinha de fazer malabarismo. Os olhos do público estavam no trapézio e no picadeiro. Os meus olhos estavam no meu pai. Ele ouvia a BBC de Londres (programas irradiados em português) e os discursos de Getúlio Vargas. Além disto, quando podia, frequentava: (1) reuniões dos seus companheiros, fora do horário de trabalho, para discutir assuntos da categoria; (2) sessões da loja maçônica. Meu pai viveu e morreu pobre, sem queixumes, sem considerar-se besta de carga (1908/1962).
Infelizmente, há crianças e adultos, no Brasil e em outros países, submetidos a um regime de trabalho análogo ao de escravo. 

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