quarta-feira, 29 de novembro de 2017

CREDULIDADE II

O judaísmo cristão, apelidado de cristianismo para acentuar a parcial divergência com o hebraico, teve início no Oriente (Palestina) mas brilhou no Ocidente (Europa). No século III (201-300) o clero romano desprezou alguns evangelhos e selecionou quatro (Mateus, Marcos, Lucas e João). No século IV (301-400), o judaísmo cristão tornou-se religião oficial do império romano por decreto de Constantino. Após a queda do império romano no século V (401-500), o poder secular (Rei + Estado) ficou subordinado ao poder espiritual (Papa + Igreja). No século XVI (1501-1600) a rebeldia do alemão Martinho Lutero, monge agostiniano, rompe a unidade católica e dá origem ao protestantismo (igrejas luterana, presbiteriana e outras). A leitura e a interpretação da Bíblia foram permitidas a todos. As mulheres podiam exercer o sacerdócio. A Bíblia foi considerada “palavra de deus” acessível a todos. Fanatismo, ignorância e superstição marcam presença nos dois lados. A discórdia gera confrontos violentos e a morte de milhares de fiéis (católicos versus protestantes).
Graças às ameaças infernais contra os pecadores, às promessas de salvação das almas e à ilusão do paraíso, a sociedade clerical (padres + pastores + missionários + rabinos + aiatolás) aumenta o seu tesouro e mantém o domínio espiritual sobre a sociedade civil com reflexos nas leis, nos costumes, nos modos de pensar e agir das pessoas, nos negócios de família e de estado.
O medo gera a divindade. A mente primitiva vê pedras, plantas, animais, sol, lua, fenômenos da natureza, como coisas sagradas. Deuses povoam o amedrontado espírito dos humanos, tais como: Amon, Apolo, Brahma, Diana, Javé, Juno, Júpiter, Shiva, Themis, Vênus. O vulgo acredita na realidade metafísica dessas deidades enquanto poucos iniciados nelas percebem a representação de princípios cósmicos. Faraós e reis eram considerados de origem divina. Do amor e da gratidão o vulgo também cria deuses. Depois de mortos, o povo endeusou: Hermes Trismegisto, sábio egípcio; Krishna, profeta indiano; Rômulo, fundador de Roma; Jesus, fundador do cristianismo. As religiões não nasceram da impostura alheia mas da credulidade (Vico, obra citada, p. 128). A impostura veio de dentro para fora e seus efeitos mais terríveis foram as guerras “santas” e a inquisição. O estelionato da fé completou o ciclo.
As genealogias mencionadas no Gênesis (Adão, Noé, Abrão) começam há seis mil anos (houve quem calculasse até a hora, o dia, o mês e o ano do nascimento do primeiro homem). O escritor bíblico toma por base e referência o povo hebreu e a Mesopotâmia. Assim, Adão e Eva eram semitas. No entanto, a humanidade surgiu há mais de um milhão de anos em diferentes regiões do globo com diferentes tipos humanos e línguas que, na sucessão dos milênios, formaram famílias, gentes, povos e reinos bem mais antigos do que os hebreus. Nenhum dilúvio afogou a humanidade. O excesso de chuva talvez tenha ocorrido em algum ponto mas não sobre toda a superfície do planeta. O escritor bíblico “inspirado por deus” ouviu o galo cantar sem saber onde. Estudos científicos indicam a colisão de meteoro gigante contra a Terra há 60 milhões de anos do que resultou o extermínio de espécies vegetais e animais (inclusive dinossauros). 50 milhões de anos depois dessa catástrofe cósmica nasceram os humanos. Ilhas e continentes também desaparecem e novos surgem em consequência dos movimentos da crosta terrestre e das placas tectônicas. Tudo sem intervenção divina. 
Dentre os fantasiosos prodígios do judaísmo hebraico e cristão [separar águas do mar com o cajado (Moisés), subir ao céu com o corpo físico sem aparelho (Elias + Jesus), caminhar sobre águas profundas (Jesus), ressurgir dos mortos (Lázaro + Jesus)] consta aquele da "presença real" de Jesus na hóstia. A palavra vem do latim hostiae que significa vítima. Na comunhão, os católicos comem a vítima (hóstia), o “cordeiro" de deus que tira os pecados do mundo. Doutrina sacerdotal extraída da narrativa bíblica sobre a última ceia e o sacrifício de Jesus (morte na cruz).
Durante a refeição, Jesus tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai e comei, isto é o meu corpo. Tomou depois o cálice, rendeu graças e deu-lho, dizendo: Bebei dele todos, porque este é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados. Do mesmo modo tomou também o cálice, depois de cear, dizendo: Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que é derramado por vós. [Bíblia. Novo Testamento. Mateus 26: 26/28 + Marcos 14: 22/24 + Lucas 22: 17/19].      
Os sacerdotes repetem esse ritual como se o corpo e o sangue de Jesus estivessem realmente na hóstia, o que ofende a inteligência e o bom senso de pessoas mentalmente hígidas. Os ingredientes da hóstia são farinha e água e não a carne de Jesus. Se comessem o corpo de Jesus, os crentes equiparar-se-iam aos canibais. O vinho é produto da uva e não se confunde com o sangue de Jesus. Se bebessem o sangue de Jesus, os crentes equiparar-se-iam aos vampiros. O cálice (santo graal) simboliza a aliança entre o Pai Celestial (deus de Jesus) e o povo cristão (apóstolos e seguidores).
Aquelas palavras devem ser vistas como simbólicas, dirigidas a discípulos crédulos, ignorantes e analfabetos. O propósito era manter vivos os ensinamentos e as práticas. Ensinai, dizia o mestre, a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo. Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles. [Mateus, 28: 20 + 18: 20].
Quando amigos reunidos falam do amigo ausente com intensidade, carinho e saudade, sentem a sua presença virtual no meio deles. Acredita-se que a presença virtual do ausente real acontece em reuniões fraternais (místicas, espíritas, eclesiásticas). A organização cristã desempenha funções: [1] sacerdotal (ministério da fé); [2] assistencial (doentes e necessitados); [3] pacificadora (reprime o polo demoníaco da natureza humana e estimula o polo angelical); [4] ideológica (submete o povo à doutrina e aos objetivos políticos e econômicos da instituição religiosa).

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