sábado, 2 de setembro de 2017

ESTADO X RELIGIÃO

Nas sessões de 30 e 31/08/2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) examinou a lei das diretrizes de base da educação nacional e o tratado do estado brasileiro com o estado vaticano sobre ensino religioso, a fim de verificar se estão conformes ao mandamento constitucional sobre ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental, consideradas ainda a garantia geral da liberdade de consciência, crença e culto, a garantia específica de assistência religiosa nas entidades civis e religiosas de internação coletiva e a vedação ao estado de estabelecer cultos religiosos ou igrejas ou com eles manter aliança ou relações de dependência (CR 210, 1º + 5º, VI/VII + 19, I).
A questão foi provocada pela Procuradoria Geral da República (PGR) mediante ação em que pedia a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da lei e do tratado e a proibição: (i) do ensino religioso confessional nas escolas públicas (ii) da admissão de professores representantes das diferentes confissões. Houve intervenção do Legislativo, do Executivo, de entidades civis qualificadas e audiência pública.
Até o momento, votaram pela procedência dos pedidos da PGR os ministros:  Roberto Barroso (relator), Rosa Weber e Luiz Fux, por entenderem inconstitucionais os dispositivos da lei e do tratado impugnados. Pela improcedência dos pedidos, votaram os ministros: Alexandre de Moraes e Edson Fachin, entendendo compatíveis com a Constituição da República os dispositivos impugnados. Alexandre gastou quase duas horas para expor o seu voto. Trouxe-o por escrito, mas lia esporadicamente, preferindo falar, falar, falar, repetindo as mesmas ideias, palavras e frases, cansando o auditório. Fazia esforço de postulante para convencer o auditório, quando bastava comportar-se como juiz e expor, de modo simples e direto, os motivos do seu convencimento. O longo discurso não convenceu o relator, inclusive a réplica de Alexandre. A presidente do tribunal pediu esclarecimento. Alexandre tornou a explicar. O moço é confuso. Ao contrário dele, Edson foi breve e elegante na introdução oral e passou logo à leitura do voto. Em menos de 15 minutos, apesar das confeitadas citações (como, por exemplo, a de Jürgen Habermas), Edson deixou bem claro o seu pensamento, respeitando as balizas fáticas e jurídicas da lide. 
Faltam os votos de 6 ministros para concluir o julgamento. A sessão prosseguirá no dia 20/09/2017. Provavelmente, estender-se-á até 21/09/2017 (ou mais), dada a costumeira loquacidade dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. Enquanto isto, centenas de processos aguardam data para julgamento.
Urge incluir na Constituição e na lei, tempo limitado para o voto de cada ministro e de cada juiz de tribunal ordinário. Há limite de tempo para os pronunciamentos dos agentes do ministério público e dos advogados nas sessões de julgamento. Há limite de tempo para o intervalo e o encerramento de cada reunião no STF. Embora a sessão nunca se inicie no horário regimental (14,00 horas), na respectiva ata consta, falsamente, o início naquele horário. O intervalo regimental (30 minutos) prolonga-se e a reunião recomeça com atraso, porém termina às 18,00 horas (ou antes). O tribunal parece uma repartição pública de barnabés togados.
O tempo ilimitado, a falta de pontualidade e de assiduidade dos ministros, violam o decoro. Os ministros gastam horas para enunciar um voto que - se despido dos prolegômenos, dos voos literários, das lucubrações e embromações -  gastaria poucos minutos, o que permitiria maior produtividade. Aos votos do relator e do primeiro divergente devia ser assinado o prazo máximo de 30 minutos para cada um. O voto do revisor e os votos dos demais juízes integrantes da turma ou do plenário, o prazo máximo devia ser de 15 minutos para cada um. O tribunal não foi instituído para servir de sinecura e nem de palco à exibição da vaidade dos juízes e a dispensáveis erudições.      
A Constituição da República autoriza expressamente o ensino religioso nas escolas públicas. Sobre isto, não há o que discutir. O debate gira em torno da compreensão do termo composto ensino religioso (se confessional, ou racional e histórico abrangente de todas as religiões). Se o termo refere-se ao processo de ensino e aprendizagem de uma religião, tanto a catequese (doutrinação) como o proselitismo (divulgação) nele estão incluídos. Portanto, não se cuida tão só do aprofundamento da fé. Se o termo refere-se ao processo de ensino e aprendizagem do fenômeno religioso na sociedade, cuida-se então de disciplina sociológica e histórica. No artigo publicado neste blog em 1º/08/2015, sobre essa matéria, consta o seguinte:
No sentido amplo, a expressão ensino religioso significa estudo das religiões existentes no mundo, principalmente daquelas que exerceram forte influência na civilização ocidental. Em nível médio, esse estudo inclui breve história das religiões e noções elementares de teodiceia, sociologia da religião e dogmática religiosa, à semelhança do currículo de outras áreas. (...) No sentido estrito, a citada expressão refere-se ao ensino da doutrina e prática de determinada religião, como a católica, a anglicana, a hebraica, a islâmica. Cada escola particular ensina de modo confessional a religião escolhida por seus fundadores. A matrícula nessa escola depende da escolha do aluno (ou dos pais). O problema surge quando a religião é ensinada de modo confessional na escola pública, em oposição à laicidade do Estado, ainda que a matrícula seja facultativa. Ao promulgarem a vigente Constituição (...) os representantes do povo brasileiro (...) afirmaram expressamente estar sob a proteção de deus. (...) Em nome do povo brasileiro, o legislador reconheceu a existência de deus, mas não o definiu e tampouco o personalizou.  Isto permite a coexistência dos mais diversos cultos sintonizados com os bons costumes. Obediente à tradição republicana, o legislador constituinte de 1988 organizou um Estado laico, ou seja, um Estado divorciado da instituição eclesiástica.
O ensino religioso confessional é tarefa das igrejas e das escolas particulares. O estado laico pode: [1] conviver com a liberdade de consciência, crença e culto; [2] permitir o estudo em suas escolas: (i) das religiões, sob o aspecto cultural e histórico (ii) do sentimento religioso, sob aspecto social e psicológico.           

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