sábado, 26 de agosto de 2017

DECLÍNIO DO DECORO

Episódios ocorridos na sociedade brasileira a partir da última década do século XX confirmam o declínio do decoro e dos preceitos éticos em geral. A desmedida elasticidade dos limites éticos enseja a libertinagem e incrementa a corrupção. A nação adoece econômica, moral e espiritualmente.
Decoro implica sintonia entre conduta e honestidade; dignidade e beleza moral irradiadas do respeito a si próprio e aos outros; decência ao agir, reagir e se expressar por palavras e gestos. A frase “à mulher de Cesar não basta ser honesta, tem que parecer honesta” evoca a necessidade do decoro, de cada pessoa estampar, no seu proceder, dignidade pessoal e respeito por seus semelhantes. A conduta decorosa inclui o valor estético, o modo de falar, de vestir, de andar, de dançar, de trabalhar, enfim, o modo de se comportar na sociedade dentro dos padrões morais aceitos.
Parlamentares, chefes de governo, ministros, magistrados, agentes do ministério público, advogados, funcionários públicos, serventuários da justiça, todos devem obediência ao decoro; quando o desatendem, ficam sujeitos a penas disciplinares (advertência, censura, suspensão, demissão, exoneração, expulsão). Considera-se decoroso o exercício da função pública em harmonia com os preceitos éticos implícitos ou explícitos na Constituição, nas leis e nas convenções sociais.
Visando ao decoro nas audiências, eu tratava os agentes do ministério público e os advogados de excelência e deles recebia igual tratamento. Certa vez, nos anos 80, um advogado questionou: “excelência não sou eu e sim vossa excelência”. Respondi: excelente é a função dos advogados na distribuição de justiça em nosso país, daí o meu tratamento a vossa excelência e aos seus colegas durante as audiências. Ele sorriu e replicou candidamente: “assim, até dá vontade de continuar advogando”. Fiquei com a impressão de que os advogados não eram bem tratados pelos juízes.
Titular da 3ª Vara de Família da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro (1988/1990), eu tratava os serventuários de senhor e senhora. Com eles, eu despachava os processos no gabinete. Certo dia, o escrivão informou: “excelência, o colega [que acabara de sair do meu gabinete] não é senhora, ele é homem”. Só então entendi porque “ela” saía feliz depois de despachar comigo. Solicitei o seu título de nomeação, chamei-o à minha presença e lhe assinei curto prazo para se apresentar como homem e atender o público como homem. Ele desobedeceu. Afastei-o da serventia, à disposição da Corregedoria. Foi um fuzuê. Imprensa nacional e estrangeira e gente com cartazes defendiam o serventuário visto como vítima de preconceito. Alguns advogados com ele se solidarizaram. Em meu gabinete, deputado estadual pressionava-me para reconsiderar a decisão. Perguntei-lhe: o senhor vê algum funcionário do Banco do Brasil atender o público vestido de mulher? O deputado não me deu resposta. Percebeu que o problema não era a homossexualidade do serventuário e sim a importância do decoro tanto para empresas e bancos privados como para órgãos públicos. Mantive a decisão.
Homem se vestir de mulher ou como tal se apresentar é contrafação. Na vida privada, nas ruas, no clube, na academia, no carnaval, cada pessoa se apresenta conforme a sua vontade e preferência sexual, mas do ponto de vista da natureza só há dois sexos: macho e fêmea. Por ser pederasta, o homem não deixa de pertencer ao sexo masculino; por ser lésbica, a mulher não deixa de pertencer ao sexo feminino. O que os diferencia dos heterossexuais não é o sexo e sim a relação sexual, a libidinosa atração por pessoas do mesmo sexo. Para ser mulher, ao pederasta não bastam os trejeitos femininos, remover o pênis, colocar silicone no peito. Ele necessitará de ovários e útero, de pensar, sentir e reagir como mulher. O fator natural, contudo, não impede a identidade social do pederasta e da lésbica, o pleno gozo dos seus direitos como pessoas e cidadãos, mas isto não os isenta dos deveres para com a sociedade e o estado.
Em Goiás (agosto/2017), durante sessão do Tribunal Regional do Trabalho, advogada se apresentou para sustentação oral vestindo camiseta, o que foi considerado indecoroso por um dos juízes. Em defesa do decoro no tribunal, o juiz admoestou a advogada, expôs serenamente os motivos e se retirou da sessão. A advogada sentiu-se humilhada e reclamou junto à OAB.
Para atuar perante um tribunal de justiça os agentes do ministério público e os advogados devem estar decente e adequadamente vestidos, apresentar suas razões de modo respeitoso. A relevância social e política de um tribunal de justiça exige decoro dos operadores do direito. Dentre as prerrogativas dos advogados, quando no exercício da profissão, não se acha a de comparecer ao tribunal calçando sandália havaiana, vestindo bermuda e camiseta, por mais que pesem os direitos fundados na liberdade.
Em Santa Catarina (agosto/2017), ao fazer defesa oral, advogado acusou juiz de exigir 700 mil reais por um voto favorável. Irritado, cabelos brancos em contraste com a negra beca, o advogado xingou o juiz de safado e vagabundo em plena sessão. O episódio colocou em xeque o decoro. O juiz pediu a prisão do advogado, mas o presidente da sessão não a decretou talvez pela gravidade da acusação que, se procedente, autoriza a exoneração do magistrado. O advogado saiu do recinto escoltado por dois colegas. Cabe: [1] ao Ministério Público, apurar a existência do crime cuja autoria é atribuída ao juiz; [2] à OAB catarinense, apurar se o advogado abusou das prerrogativas; [3] ao juiz, processar o advogado, se for o caso.
Em Brasília, a conduta indecorosa de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) envergonha a nação brasileira. No entanto, esse ministro permanece impune e em atividade como juiz parcial, militante da política partidária, empresário do ensino, fazendeiro com capangas. Omissos quanto a essa censurável realidade, os juízes do STF mantêm corporativa solidariedade ao colega. Julgando em causa própria, os juízes do STF se excluíram do controle disciplinar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contrariando a letra e o espírito da Constituição Federal. Intencional e astutamente, confundiram função administrativa com função jurisdicional para sustentar superioridade hierárquica em relação ao CNJ.
A competência do CNJ, órgão autônomo de relevante e moralizadora função administrativa disciplinar, abrange o Poder Judiciário como totalidade, inclusive no que tange aos deveres funcionais dos juízes. No entanto, os ministros do STF não se consideraram juízes para fins disciplinares. Impunemente, descumprem aqueles deveres. O impeachment do ministro Gilmar Mendes, requerido por cidadãos brasileiros, ainda não surtiu efeito. No desvão da imoralidade, tribunais remuneram os magistrados acima do teto constitucional. O CNJ se mostra timorato na sua atribuição de representar ao Ministério Público por crime contra a administração pública e de abuso de autoridade.   
O rasgado elogio a Aécio Neves, notório delinquente, feito por Marco Aurélio, ministro do STF, parece retribuição de favor prestado pelo senador à nomeação da filha do ministro para o cargo de juíz de tribunal federal. Nomeada por Michel Temer, notório delinquente, lá está a moça nos seus verdes anos e com seu “notável saber jurídico” aboletada no tribunal.    
Os meios de comunicação social denunciaram reunião extraordinária realizada em agosto/2017, no palácio Jaburu, entre o presidente da república, Michel Temer, e o senador da república, Aécio Neves, na qual teria ocorrido quebra do decoro. Contudo, lente sociológica revela apenas reunião [fora da agenda] de dois delinquentes no covil dos corruptos, sem que estivessem representando oficialmente os seus respectivos partidos (PMDB + PSDB). Na sequência, paz selada.  
Noticiada a reunião, Michel aproveitou o ensejo para, no intuito de se defender, aumentar a sua coleção de asneiras. “Teoria da conspiração é assunto de quem não tem o que fazer”, disse ele.
Teoria resulta do trabalho de quem pensa, estuda, pesquisa e sistematiza o conhecimento sobre certa matéria. Teoria da conspiração é a racional explicação do comportamento humano no que toca ao costume das pessoas de trocar informações, traçar objetivos, elaborar planos, tudo em segredo, visando a alterar o status quo
Conspirar significa tramar, operação mental e volitiva de quem atua em segredo para realizar objetivos contrários ao interesse de outrem. Usa-se este verbo no sentido figurado quando, por exemplo, se diz que o universo “conspira” para coisas acontecerem na vida do indivíduo e da comunidade (o que supõe o funcionamento de uma inteligência cósmica).
Conspiração é o ato de reunir duas ou mais pessoas em segredo com o propósito de contrariar interesses públicos e/ou privados, boicotar negócios, derrubar governos, pregar peças nos incautos. Conspiração não é uma teoria e sim um fato sobre o qual é possível teorizar, meditar, definir como crime na lei penal.
A notícia versava o fato e não a teoria. O presidente e o senador faziam o que é comum e frequente na política: conversar e conspirar. Os dois patifes não elaboravam teoria, apenas conversavam e conspiravam, tal como fizeram para derrubar um governo legítimo e democrático.   

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