Entre as finalidades legais estatutárias da Ordem dos
Advogados do Brasil – OAB constam as de pugnar pela boa aplicação das leis e defender
a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito (lei
8906/94, art. 44, I). Entretanto, a sua diretoria central agiu em frontal
oposição a tais finalidades ao propor, nesta semana, o impeachment da
Presidente da República e apontar como crimes de responsabilidade as chamadas
“pedaladas fiscais” e a nomeação do Ex-Presidente da República para o cargo de
Ministro de Estado. Faltam legítimo interesse moral e alicerce jurídico a essa
pretensão da OAB.
Quanto às “pedaladas”, há bis in idem, pois essa matéria já está sendo examinada na Câmara
dos Deputados. Nos governos anteriores essa prática era permitida sem
contestação. Cuida-se de reiterada aplicação de norma administrativa
consolidada pelo costume praeter legem.
Inadmissíveis dois pesos e duas medidas. Uso administrativo por décadas permitido
aos antecessores, agora, repentinamente, é negado à sucessora. Se da aplicação
dessa norma consuetudinária não resulta dano algum ao erário e a sua finalidade
tem relevância social, não se configura delito algum. Ademais, descabe
impeachment por fatos ocorridos durante mandato já extinto (2011/2014). No que
tange ao mandato em vigor (2015/2018), as contas do exercício de 2015, depois
do parecer do Tribunal de Contas da
União, serão julgadas pela Câmara dos Deputados, que poderá aprová-las ou
rejeitá-las, total ou parcialmente.
A classe dos advogados está dividida. Seccionais da
OAB discordam do Conselho Federal. Na gravação da conversa telefônica de teor
pessoal e confidencial, o Ex-Presidente da República cita a OAB com palavras de
baixo calão. O Presidente da OAB, então, exibiu o seu bico tucano: atacou a
Presidente da República aproveitando-se da gravação obtida e publicada de forma
ilegal e imoral. Aliás, aparência física, gestos grã-finos, estilo almofadinha,
identificam o Presidente da OAB como integrante da família tucana. Grande é a
sua semelhança com o atual candidato tucano ao cargo de Prefeito Municipal de
São Paulo.
Na processualística civil brasileira, petições
manifestamente ineptas, protelatórias, improcedentes, sem legítimo interesse,
podem ser indeferidas liminarmente. Aplicada ao processo parlamentar, essa norma
conduz ao indeferimento in limine da petição
da OAB. A petição anterior articulada por partido político, apesar de
manifestamente improcedente, não foi indeferida in limine por motivos pessoais e políticos moralmente censuráveis e
percorre seus trâmites pela Câmara dos Deputados.
O impeachment consta da Constituição da República em
virtude do modelo presidencialista de governo. Isto não justifica a banalização
e nem o seu uso como instrumento de ataque às instituições democráticas. Esse tipo
de interdito tem que ser utilizado com parcimônia, em casos de ilícitos graves,
provados e bem definidos, praticados pelo Chefe de Governo. Despeito pela
vitória da concorrente nas eleições, ódio, traição, antipatia ou mero descontentamento
com o governo, são sentimentos insuficientes para motivar legitimamente propositura
da ação de impedimento.
No sistema constitucional brasileiro, nenhuma lesão ou
ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário e ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo jurídico. Segundo um
princípio universal de justiça, ninguém será condenado por crime que não
cometeu ou por fato que a lei não considera crime. A questão sobre a
tipificação penal dos fatos apontados nas petições de impeachment acima
mencionadas é eminentemente jurídica. Embora o processo tenha seus trâmites
pelo Legislativo, a palavra final sobre essa questão jurídica é do guardião da
Constituição da República: o Supremo Tribunal Federal (STF).
Destarte, a decisão do Legislativo, se for condenatória, deverá se revestir de efetiva
juridicidade. Se for eminentemente política ou contrária à moral e ao direito,
a decisão parlamentar condenatória
poderá ser cassada pelo STF por afronta à Constituição. Cuida-se do mecanismo
institucional de freios e contrapesos entre os poderes da República. Enquanto o
Estado Democrático de Direito vigorar no Brasil, razões de oportunidade e
conveniência só podem alicerçar decisão parlamentar eminentemente política na
hipótese de absolvição e jamais na
hipótese de condenação.
A OAB alega desvio de finalidade no ato de nomeação do
ex-presidente para Ministro de Estado. Força a barra. O ato está longe de qualquer
figura delitiva. A escolha feita pelo Chefe de Estado é soberana e
constitucionalmente amparada. Por isto mesmo, o Chefe de Estado não está
obrigado a justificar a sua escolha, desde que o escolhido preencha os
requisitos estabelecidos pela Constituição: ser brasileiro, maior de 21 anos de
idade e estar no exercício dos direitos políticos. Pouco importa se houve intenção
da Presidente da República de livrar, o ex-presidente, da jurisdição do juiz
curitibano que comanda a operação lava-jato. A existência de inquérito não é
óbice à nomeação tendo em vista a presunção de inocência constitucionalmente
assegurada. Indício não é prova. O desfecho de investigações é incerto e, às
vezes, surpreendente.
O STF referendou a decisão de Zavascki sobre subida
dos inquéritos da vara federal de Curitiba. Resta decidir quais os inquéritos
que permanecerão em Brasília e quais os que retornarão ao Paraná. Gastou-se tempo
enorme com uma questão que o raciocínio lógico resolve em segundos: para dividir é necessário conhecer o todo a
ser dividido. A subida dos inquéritos correlatos era necessária para se
saber qual deles ficará sob jurisdição extraordinária (foro privilegiado) e
qual ficará sob jurisdição ordinária (foro comum). Barroso e Toffoli deram
exemplo de concisão que, se padronizado, contribuirá para a celeridade
processual: perceberam de pronto o cerne da medida concedida liminarmente e – sem
verborragia provocada pela vaidade, pela tendenciosidade ou pela compulsão de
falar – acompanharam o voto do relator com brevíssimas palavras.
Passar o inquérito da jurisdição ordinária para a
extraordinária não significa obstruir a justiça. Em havendo motivo suficiente,
a investigação prosseguirá sob a batuta do ministro do STF o que, na atual conjuntura,
garante uma apreciação serena e imparcial do caso, sem linchamento moral e sem julgamento
antecipado e premeditado. Se entre os motivos da Presidente da República estiver
o de proteger o ex-presidente contra as arbitrariedades e os abusos praticados
pelo juiz curitibano, plenamente justificado estará o ato de nomeação: legítima defesa da honra e da liberdade.
Como narrado por Platão, o seu mestre Sócrates incluía
entre os deveres do juiz: “ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir
imparcialmente”.
Ruy Barbosa advertia: “Não há tribunais que bastem
para abrigar o direito quando o dever se ausenta da consciência dos
magistrados”. “A santidade das formas é a garantia essencial da santidade do
direito”. (O Justo e a Justiça Política.
Obras Completas. Vol. XXVI. Tomo IV, 1899).
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