sábado, 2 de abril de 2016

OAB GOLPISTA



Entre as finalidades legais estatutárias da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB constam as de pugnar pela boa aplicação das leis e defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito (lei 8906/94, art. 44, I). Entretanto, a sua diretoria central agiu em frontal oposição a tais finalidades ao propor, nesta semana, o impeachment da Presidente da República e apontar como crimes de responsabilidade as chamadas “pedaladas fiscais” e a nomeação do Ex-Presidente da República para o cargo de Ministro de Estado. Faltam legítimo interesse moral e alicerce jurídico a essa pretensão da OAB.
Quanto às “pedaladas”, há bis in idem, pois essa matéria já está sendo examinada na Câmara dos Deputados. Nos governos anteriores essa prática era permitida sem contestação. Cuida-se de reiterada aplicação de norma administrativa consolidada pelo costume praeter legem. Inadmissíveis dois pesos e duas medidas. Uso administrativo por décadas permitido aos antecessores, agora, repentinamente, é negado à sucessora. Se da aplicação dessa norma consuetudinária não resulta dano algum ao erário e a sua finalidade tem relevância social, não se configura delito algum. Ademais, descabe impeachment por fatos ocorridos durante mandato já extinto (2011/2014). No que tange ao mandato em vigor (2015/2018), as contas do exercício de 2015, depois do parecer do Tribunal de Contas da União, serão julgadas pela Câmara dos Deputados, que poderá aprová-las ou rejeitá-las, total ou parcialmente. 
A classe dos advogados está dividida. Seccionais da OAB discordam do Conselho Federal. Na gravação da conversa telefônica de teor pessoal e confidencial, o Ex-Presidente da República cita a OAB com palavras de baixo calão. O Presidente da OAB, então, exibiu o seu bico tucano: atacou a Presidente da República aproveitando-se da gravação obtida e publicada de forma ilegal e imoral. Aliás, aparência física, gestos grã-finos, estilo almofadinha, identificam o Presidente da OAB como integrante da família tucana. Grande é a sua semelhança com o atual candidato tucano ao cargo de Prefeito Municipal de São Paulo.   
Na processualística civil brasileira, petições manifestamente ineptas, protelatórias, improcedentes, sem legítimo interesse, podem ser indeferidas liminarmente. Aplicada ao processo parlamentar, essa norma conduz ao indeferimento in limine da petição da OAB. A petição anterior articulada por partido político, apesar de manifestamente improcedente, não foi indeferida in limine por motivos pessoais e políticos moralmente censuráveis e percorre seus trâmites pela Câmara dos Deputados.   
O impeachment consta da Constituição da República em virtude do modelo presidencialista de governo. Isto não justifica a banalização e nem o seu uso como instrumento de ataque às instituições democráticas. Esse tipo de interdito tem que ser utilizado com parcimônia, em casos de ilícitos graves, provados e bem definidos, praticados pelo Chefe de Governo. Despeito pela vitória da concorrente nas eleições, ódio, traição, antipatia ou mero descontentamento com o governo, são sentimentos insuficientes para motivar legitimamente propositura da ação de impedimento.     
No sistema constitucional brasileiro, nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário e ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo jurídico. Segundo um princípio universal de justiça, ninguém será condenado por crime que não cometeu ou por fato que a lei não considera crime. A questão sobre a tipificação penal dos fatos apontados nas petições de impeachment acima mencionadas é eminentemente jurídica. Embora o processo tenha seus trâmites pelo Legislativo, a palavra final sobre essa questão jurídica é do guardião da Constituição da República: o Supremo Tribunal Federal (STF).
Destarte, a decisão do Legislativo, se for condenatória, deverá se revestir de efetiva juridicidade. Se for eminentemente política ou contrária à moral e ao direito, a decisão parlamentar condenatória poderá ser cassada pelo STF por afronta à Constituição. Cuida-se do mecanismo institucional de freios e contrapesos entre os poderes da República. Enquanto o Estado Democrático de Direito vigorar no Brasil, razões de oportunidade e conveniência só podem alicerçar decisão parlamentar eminentemente política na hipótese de absolvição e jamais na hipótese de condenação.      
A OAB alega desvio de finalidade no ato de nomeação do ex-presidente para Ministro de Estado. Força a barra. O ato está longe de qualquer figura delitiva. A escolha feita pelo Chefe de Estado é soberana e constitucionalmente amparada. Por isto mesmo, o Chefe de Estado não está obrigado a justificar a sua escolha, desde que o escolhido preencha os requisitos estabelecidos pela Constituição: ser brasileiro, maior de 21 anos de idade e estar no exercício dos direitos políticos. Pouco importa se houve intenção da Presidente da República de livrar, o ex-presidente, da jurisdição do juiz curitibano que comanda a operação lava-jato. A existência de inquérito não é óbice à nomeação tendo em vista a presunção de inocência constitucionalmente assegurada. Indício não é prova. O desfecho de investigações é incerto e, às vezes, surpreendente.
O STF referendou a decisão de Zavascki sobre subida dos inquéritos da vara federal de Curitiba. Resta decidir quais os inquéritos que permanecerão em Brasília e quais os que retornarão ao Paraná. Gastou-se tempo enorme com uma questão que o raciocínio lógico resolve em segundos: para dividir é necessário conhecer o todo a ser dividido. A subida dos inquéritos correlatos era necessária para se saber qual deles ficará sob jurisdição extraordinária (foro privilegiado) e qual ficará sob jurisdição ordinária (foro comum). Barroso e Toffoli deram exemplo de concisão que, se padronizado, contribuirá para a celeridade processual: perceberam de pronto o cerne da medida concedida liminarmente e – sem verborragia provocada pela vaidade, pela tendenciosidade ou pela compulsão de falar – acompanharam o voto do relator com brevíssimas palavras.       
Passar o inquérito da jurisdição ordinária para a extraordinária não significa obstruir a justiça. Em havendo motivo suficiente, a investigação prosseguirá sob a batuta do ministro do STF o que, na atual conjuntura, garante uma apreciação serena e imparcial do caso, sem linchamento moral e sem julgamento antecipado e premeditado. Se entre os motivos da Presidente da República estiver o de proteger o ex-presidente contra as arbitrariedades e os abusos praticados pelo juiz curitibano, plenamente justificado estará o ato de nomeação: legítima defesa da honra e da liberdade.    
Como narrado por Platão, o seu mestre Sócrates incluía entre os deveres do juiz: “ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente”.
Ruy Barbosa advertia: “Não há tribunais que bastem para abrigar o direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados”. “A santidade das formas é a garantia essencial da santidade do direito”. (O Justo e a Justiça Política. Obras Completas. Vol. XXVI. Tomo IV, 1899).

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