sábado, 26 de março de 2016

DEMOCRACIA A DERIVA



Como um barco sobre as águas ao sabor do vento, a democracia brasileira se encontra a deriva pela ação insidiosa, inescrupulosa e impatriótica de: (1) deputados, senadores, vice-presidente, empresários, fazendeiros, banqueiros, autoridades públicas; (2) partidos políticos; (3) emissoras de rádio e TV; (4) revistas e jornais impressos; (5) setores da camada média da sociedade.
Afastar a Presidente da República e impedir o ex-presidente de concorrer às eleições de 2018 é o meio escolhido por esse nefasto conglomerado para atingir o fim principal: (1) revogar as conquistas sociais do povo brasileiro; (2) evitar que a operação lava-jato mude o atual rumo oligárquico para o democrático e passe da arbitrariedade para a legalidade; (3) entregar o petróleo brasileiro às companhias estrangeiras; (4) permitir o domínio do capital internacional especulativo sobre a economia brasileira. [Esclareça-se: o capital produtivo é sempre bem-vindo].
Os apátridas participantes do golpe ora em andamento preferem estar em Berlim, Paris ou Nova Iorque do que morar em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo; preferem falar alemão, francês e inglês do que falar português. Esses indivíduos apostam no sucesso do golpe e no recebimento da gratificação (milhões de dólares) paga pelos financiadores do movimento subversivo cujo propósito é o de se apoderarem das riquezas brasileiras. A embaixada dos EUA presta ajuda intelectual, técnica e financeira, de modo direto e indireto, aos golpistas nativos. O governo desse país, seus secretários de estado, embaixadores, cônsules, ex-presidentes, trabalham em qualquer parte do mundo, na defesa dos interesses das corporações estadunidenses (patriotismo econômico).
Desilusões à parte, o momento reclama união em defesa da democracia brasileira e da Constituição da República. Professores, advogados, juízes, literatos, artistas, clérigos, militares, trabalhadores urbanos e rurais, em locais fechados (universidades, teatros, gabinetes, salões palacianos, estúdios) ou abertos (ruas e praças) manifestam-se contra o golpe de Estado; valem-se dos meios de comunicação social, inclusive da rede de computadores; publicam artigos, concedem entrevistas, emitem pronunciamentos, organizam passeatas com palavras de ordem e símbolos. As pessoas decentes, zelosas do bem comum, discordam da ilegalidade e da arbitrariedade.
Os sicofantas no Legislativo, no Judiciário e em alguns setores da sociedade, sicários dos interesses alienígenas, estão umbilicalmente ligados à corrupção. Com o fito de enganar a massa popular e conquistar o seu apoio, a quadrilha provoca situações mediante maquinações cerebrinas; a lei e os fatos sociais e econômicos são interpretados e informados capciosamente a fim de imprimir aparência de legitimidade às pérfidas e perniciosas atividades.
Presidida por um delinqüente do colarinho branco, a Câmara dos Deputados iniciou os trâmites do impeachment, uma das vias utilizadas pelos golpistas para destituir uma Presidente eleita com 54 milhões de votos. A feira parlamentar de compra e venda de votos foi inaugurada. Comissão especial discute a matéria e emitirá parecer (favorável ou contrário ao impeachment). O parecer será votado em sessão plenária da Câmara. A votação será aberta. Eleitores, historiadores e cientistas políticos poderão identificar os parlamentares favoráveis e os contrários aos interesses nacionais. O parecer será arquivado se não obtiver 2/3 dos votos (cerca de 370 deputados). Se o parecer for aprovado, o caso será submetido ao Senado Federal.
Presidido por outro delinqüente do colarinho branco, o Senado Federal, após receber o expediente da Câmara, elegerá uma comissão especial para emitir parecer e depois decidirá, em sessão plenária, se instaura ou não instaura o processo. Se a decisão for negativa, o expediente será arquivado; se positiva, instaura-se o processo e a Presidente da República ficará suspensa das suas funções. Decorridos 180 dias sem que se conclua o julgamento, a Presidente retorna às suas funções. Ela só perderá o cargo se for condenada por 2/3 dos votos (54 senadores).
No que tange à negativa de autorização da Câmara ou à absolvição no Senado, as decisões respectivas são eminentemente políticas, lastreadas legitimamente em razões de conveniência e oportunidade, ainda que a existência do delito e a culpa da Presidente estejam provadas. No que tange à condenação, o veredicto é eminentemente jurídico e só pode ser legitimamente pronunciado na ausência de alguma das seguintes hipóteses: (1) inexistir prova; (2) a prova for insuficiente; (3) for provada a inexistência do fato; (4) for provado que a Presidente não concorreu para o fato; (5) o dolo não ficar demonstrado. Cuida-se de exigência do Estado de Direito contida na lei processual penal. Sobre esta matéria e sob o foco exclusivo da constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá ser chamado a decidir. Ninguém deve ser condenado por crime inexistente ou que não cometeu. Nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.      
No que concerne à nomeação de Ministro de Estado, trata-se de ato político que não se confunde com ato administrativo stricto sensu. A nomeação tem caráter pessoal fiduciário, brota da soberania do Chefe de Estado, na vigência do princípio da separação dos poderes, sem lugar para alegação de desvio de finalidade. Ministro de Estado é agente político auxiliar imediato do Presidente da República. A Constituição exige tão somente que o nomeado seja brasileiro no gozo dos direitos políticos com idade superior a 21 anos. Nenhum outro predicado é exigido para a pessoa ocupar esse cargo cuja função é governamental. A escolha presidencial pode ser impugnada se ausentes esses requisitos mínimos. O nomeado não ingressa em carreira alguma e é demissível ad nutum, sem os direitos assegurados aos funcionários públicos. No caso em tela, a nomeação e a posse do ex-presidente revestiram aquele necessário caráter de pessoalidade e confiança. Nomeação e posse foram consumadas na forma da lei, o que torna o ato juridicamente perfeito. Somente ação anulatória proposta perante o juiz natural – no caso, o STF – poderá desfazer esse ato. Enquanto isto, o nomeado faz jus ao tratamento de Ministro de Estado. Resta apenas entrar em exercício, do que está provisoriamente impedido por herética decisão judicial.
Do ponto de vista moral e processual, Gilmar Mendes é suspeito para funcionar no intempestivo mandado de segurança proposto por partido político contra a citada nomeação já consumada. Públicas e notórias são: (1) a paixão de Gilmar pelo autor da ação; (2) as suas arrogância, grosseria e manobras cerebrinas. O mandado de segurança é instrumento inadequado para partido político impugnar ato soberano do Chefe de Estado. Além do mais, senadores e deputados desse partido procederam à vergonhosa escolha dos atuais presidentes das Casas do Congresso Nacional. Logo, a esse partido falta legitimidade moral para censurar a escolha de ministros feita pela Presidente da República.
Considerada a relevância do cargo presidencial (“Presidente da República é o mais alto magistrado e dignitário da Nação”) deferir liminar sem antes ouvir o Chefe do Executivo é grave ofensa às instituições nacionais e indesculpável violação das regras da boa educação cívica e do princípio da independência e harmonia entre os poderes da República.
A rapidez de Gilmar ao deferir a liminar (atropelando a atribuição de Zavascki) só ficou aquém da velocidade do juiz federal brasiliense. Catta Preta bateu todos os recordes: deferiu a liminar antes de a petição inicial lhe chegar oficialmente às mãos! Gilmar esperou um pouco mais. As petições protocoladas no dia 17/03 foram por ele despachadas no dia 18/03. Decisão longa, várias páginas, citação de normas, jurisprudência, doutrina, transcrição de gravações clandestinas e menção a outras “provas”. Sob o ângulo social, ao invés de juiz, Gilmar é ministro unicamente, ou seja, agente político auxiliar das lideranças do PSDB infiltrado no Judiciário. Na véspera, ele se reuniu com José Serra, senador tucano. A hipótese de o ministro haver orientado o senador não está fora de cogitação e nem tampouco, a hipótese de o senador haver dado as coordenadas ao seu ministro. Segundo o que ordinariamente acontece em tais circunstâncias, provavelmente Gilmar recebeu cópia do mandado de segurança antes de a petição inicial lhe chegar oficialmente às mãos. Assim, com antecedência, ele preparou exaustiva fundamentação, justificou a legitimidade ativa do seu partido e a adequação da ação escolhida e apresentou a sua decisão no breve tempo.
O barbarismo contra as instituições democráticas, contra o direito positivo e os bons costumes, foi parcialmente corrigido pelo ministro Teori Zavascki ao despachar ação proposta pela presidência da República através da Advocacia Geral da União (AGU). Zavascki recuperou a direção do caso. Além da referida ação, a AGU recorreu da decisão de Gilmar que impediu o ministro Luiz Inácio de entrar no exercício do cargo. Em sessão plenária, o STF apreciará o recurso.
 

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