sábado, 30 de abril de 2016

IMPEACHMENT X

A Comissão Especial do Senado Federal ouviu nesta semana os acusadores e os defensores da Presidente da República na ação de impeachment. Depois de encerrada essa fase, o relator apresentará relatório e voto sobre a admissão ou rejeição da peça acusatória. Caso o relatório seja desaprovado pelos membros da Comissão, far-se-á novo relatório ou encerrar-se-á o procedimento. Se aprovado na Comissão, o relatório será apreciado em sessão plenária do Senado quando, então, os senadores decidirão se admitem a acusação contra a Presidente da República. Caso a decisão senatorial seja negativa, a peça acusatória será arquivada; caso seja positiva, instaura-se o processo stricto sensu mediante resolução do Senado.
Publicada a resolução do Senado, o Presidente do Supremo Tribunal Federal assumirá a direção do processo. Instaladas direção e secretaria, iniciam-se os trâmites processuais e se providencia a suspensão da Presidente. Cuida-se da suspensão das funções presidenciais e não da destituição do cargo presidencial. Pode haver dois papas no Vaticano, mas não pode haver dois presidentes no Brasil. Enquanto não houver sentença condenatória definitiva no devido processo jurídico, o cargo não estará vago e a Presidente da República continuará a ser a senhora Dilma Vana Rousseff eleita com 54 milhões de votos. O Vice-Presidente não sucede, apenas substitui a Presidente. Só haverá sucessão quando vagar o cargo. Enquanto isto não ocorrer, o Vice continuará ocupando o cargo de Vice no exercício interino das funções presidenciais. O Vice tornar-se-á Presidente, sem que tenha recebido um voto sequer, apenas na hipótese de o cargo presidencial ficar vago em decorrência de sentença condenatória definitiva do Senado. A Presidente reassumirá as suas funções se decorridos 180 dias o processo não chegar ao seu final. A Presidente só perderá o cargo se assim decidirem 2/3 dos senadores no final do processo.
Todos esses trâmites serão evitados se: (1) o Senado rejeitar a peça acusatória, ou (2) o Supremo Tribunal Federal declarar a inexistência de crime de responsabilidade no caso concreto.
Na sessão da Comissão Especial faltou um dos acusadores, idoso, senil, ex-petista. Os dois outros acusadores comportaram-se de modo diferente. O varão, professor de direito penal, filho de ilustre filósofo do direito, parecia fora de órbita e sem convicção. A mulher, professora de direito penal, parecia possessa, destrambelhada, gritando que era brasileira. Ninguém havia questionado a sua nacionalidade. O insólito faz lembrar os versos de Vinicius de Moraes: “aquele que diz sou/ não é/ porque quem é mesmo/ não diz”. O tresloucado gesto da advogada ao levantar um exemplar da Constituição da República faz lembrar o gesto dos soldados e dos cangaceiros quando levantavam o braço com a decepada cabeça do inimigo na mão. Simbolicamente, aquele gesto significou a cabeça da Constituição decepada pelos arquitetos do golpe contra a democracia e o Estado de direito no Brasil.           
Até o momento, nota-se que o Congresso Nacional mandou o vigente direito positivo para o espaço sideral. Os institutos da conexão, da prevenção e da suspeição foram ignorados. De acordo com a processualística brasileira, o processo da Presidente devia aguardar o processo do Vice chegar ao mesmo estágio para prosseguir em conjunto a fim de evitar decisões conflitantes. Os dois baixaram decretos considerados crimes de responsabilidade pelos acusadores. A conexão é evidente, bem como a prevenção da Comissão Especial já instalada. A suspeição do relator evidencia-se por ser ele: (1) agente de fatos iguais aos mencionados na peça acusatória, quando era governador de Minas Gerais; (2) filiado ao partido político interessado na condenação.
Ainda na seara do direito, como bem lembrado por uma senadora do Estado do Amazonas, houve precipitação na propositura da ação. Os fatos constantes da denúncia referem-se ao ano de 2015 e as contas desse período ainda não tinham sido examinadas pelo Tribunal de Contas da União e tampouco julgadas pelo Legislativo. A supressão dessas instâncias acarreta a falta de substrato fático e técnico ao pedido de impeachment. O julgamento dessas contas pelo órgão competente é essencial para alicerçar uma ação fundada em ato contrário à lei orçamentária. Correta, pois, do ponto de vista jurídico, a questão de ordem levantada pela senadora.  
Nota-se, ainda, a falta de idoneidade dos julgadores. Raros são aqueles não envolvidos em ilícitos civis, administrativos e penais. No meio deles, delinqüentes do colarinho branco respondendo a processos criminais ou sob investigação policial. Falta à maioria dos congressistas, autoridade moral para julgar a Presidente ou qualquer outra pessoa. Vergonhosa é a atuação desses parlamentares nesse rocambolesco e circense episódio.


Nota. A noção de cargo é estática: lugar determinado e individualizado na estrutura administrativa de pessoa jurídica pública (Estado) ou privada (corporação). A noção de função é dinâmica: atividade (de pessoa, órgão, máquina) que visa a certa finalidade.
 

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