sábado, 7 de maio de 2016

A ESCOLHA

A aeronave para Estocolmo levantaria vôo dentro de duas horas. Reginaldo e seu amigo André conversavam no aeroporto enquanto aguardavam o embarque.
André – Quem você escolheria para administrar os seus negócios: um economista ou um gari? É claro que você escolheria...
Reginaldo – O que foi? Continue o que você estava dizendo.
A – Acho que devo reformular a pergunta. Afinal, economistas levam empresas à falência, ou arruínam a economia de uma nação para beneficiar bancos e corporações privadas. 
R – Então, melhor é contratar o gari?
A – Talvez, pois o gari faz milagre com a sua pequena renda.
R – Será que por bem administrar o pouco, o gari também administrará bem o muito? Sugiro que a escolha recaia sobre a recatada e remediada dona-de-casa. Bela ou não, a dona-de-casa costuma administrar bem a economia doméstica.
A – Agora, eu é que pergunto: será que, bela ou não, a dona-de-casa poderia bem administrar uma grande empresa?
R – Conforme o seu grau de inteligência e de sensibilidade para o bem-comum, a dona-de-casa é capaz até de administrar um país melhor do que muito marmanjo por aí. A beleza ajuda na eleição e eventualmente na cama, porém, conta pouco na capacidade administrativa. 
A – Sei não. Vamos deixar a beleza e os lençóis pra lá. Você cogita de um estágio mais avançado. Eu me referia aos negócios da vida privada: compra e consumo de mercadorias, aluguel de coisas, contratação de empregados e assim por diante. Da minha pergunta inicial eu excluí os negócios amorosos e outras relações sociais. Eu não me referia à administração pública. O nível estatal é mais complicado. No que tange ao fator humano, por exemplo, a dona-de-casa necessitaria lidar com auxiliares estranhos à sua escolha pessoal e dependeria da honestidade e da capacidade de cada um deles. Além disto, se bonita e gostosa, ela necessitaria de hábil jogo de cintura para resistir às cantadas e escapar do assédio sexual.
R – Considere também o nível, bom ou ruim, de maturidade e cultura do povo, a influir nas políticas públicas e na estabilidade governamental. O Chile e a Alemanha são governados por mulher e, ao que parece, muito bem. Os EUA poderão ser governados por mulher caso a candidata seja eleita. Porém, tenho dificuldade em classificar essas mulheres como “donas-de-casa”. Num país de merda como o nosso, a situação é ainda mais complicada.
A – Desculpe, mas não posso concordar contigo. O nosso não é um país de merda e nem de açúcar, embora produtor das duas substâncias. País é um pedaço de terra sobre o qual vive um povo. A nossa terra é fértil, banhada por oceano e rios, rica em minérios, petróleo e outras fontes naturais de energia. Há riqueza biológica em regiões como o pantanal e a floresta amazônica com imensa diversidade de plantas e animais. Para ser franco, digo que o governo do povo desta terra também não é de merda e nem de açúcar, pois governo é apenas uma organização política. Os senadores, deputados, vereadores, governadores, prefeitos, juízes e demais servidores públicos é que são de merda ou de açúcar, tanto os eleitos como os usurpadores, tanto os que prestaram concurso como os que entraram pela janela. 
R – Tudo bem. Contudo, vejo aí um complicador. Entre os membros desta nação não há só merda e nem tampouco açúcar exclusivamente. De qualitativa, a questão passa a ser quantitativa: qual o monte maior, o de merda, ou o de açúcar? Creio que da resposta podemos obter um aproximado perfil moral e cultural dos eleitores, legisladores, chefes de governo e magistrados.
A – Pois é. Virtudes e vícios do povo e dos seus representantes, somente um trabalho estatístico confiável poderá medir. Necessário estabelecer critérios para o recenseamento. Tarefa difícil. 
R – Difícil, nem tanto; trabalhosa, sem dúvida. A merda está no DNA desse povo por ter nascido da escória europeia, da negra escravidão e do aculturamento degenerador do silvícola. A gente nativa, produto do excremento europeu, da dor africana e do amesquinhamento do índio, sempre teve os olhos voltados para a Europa. O mimetismo integrou os costumes desse povo desde a origem. O faz-de-conta acompanha esse povo há 400 anos.
A – Nesse ponto, a história abona o teu pensamento. Ao tempo do Reino e ao tempo do Império, foi adotado o modelo das monarquias europeias. Ao tempo da República, foi adotado o modelo republicano, democrático e presidencialista da nação norte-americana.   
R – É isso aí. Sob esse aspecto, nada veio da realidade local. Importaram modelos sem adequação a essa realidade. Faltou autenticidade. A massa popular nunca se portou como dona deste grande pedaço de terra e sim como simples habitante, espectadora do espetáculo encenado pelas famílias abastadas e por aventureiros. A reduzida minoria, dona do dinheiro, sempre foi a real proprietária do país, subordinada aos interesses das potências estrangeiras de cada época.
A – Apesar dos emigrantes oriundos da Europa e da Ásia, o monte de merda não diminuiu e o monte de açúcar não aumentou, em termos proporcionais. Na esfera política, comandam os donos do dinheiro e os delinqüentes do colarinho branco. Às vezes, o rico e o delinqüente estão encarnados na mesma pessoa. A canalha parlamentar é integrada majoritariamente por homens providos da ousadia dos canalhas, se me permite usar a expressão do jornalista e dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues. Mulher é minoria. A democracia é de fachada. O que vigora de fato, desde 1889, é uma república oligárquica.  
R – Realmente, no papel, a nação se declara república democrática. Todavia, no plano dos fatos, comporta-se como republiqueta de corpo gigante e de alma pequena.
A – Os periódicos golpes de Estado, à base do fuzil e da caneta, desferidos por militares e civis, mostram a verdadeira fisionomia desta nação, cuja experiência política corresponde à opinião de Ferdinand Lassalle: a Constituição escrita é uma folha de papel. Então, pode ser rasgada ou utilizada para fim higiênico.
R – Quem é esse cara? Pelo nome, deve ser francês.
A – Não. O cara nasceu na Alemanha, estudou economia, doutorou-se em filosofia, advogava, fazia conferências, era socialista, nacionalista, revolucionário, agitador preso algumas vezes, participou da revolução de 1848 na Prússia, morreu na Suíça num duelo por causa da namorada. Ele dizia que a verdadeira Constituição eram os fatores reais do poder.
R – Já sei: os banqueiros, os industriais, os grandes comerciantes e fazendeiros.
A – Sim, o polo mais forte, incluindo o exército, sendo a classe operária e parcela da classe média o polo mais fraco. Os nexos entre essas classes compõem a verdadeira e real Constituição, segundo o turbulento pensador alemão. 
R – Anunciaram o meu vôo. Preciso embarcar. Antes, ouça a minha opinião sobre tal assunto. A folha de papel é tão somente o suporte material sobre o qual a Constituição é escrita. Na verdade, trata-se de um documento jurídico com princípios e normas que regem a vida de uma nação.
A – Concordo, com pequena ressalva: princípios e normas de direito que “devem reger” a vida de uma nação, mas que nem sempre regem de fato, pelo menos, em nosso país. Quando esse documento jurídico básico discrepa da têmpera do povo, da realidade histórica e social da nação, pouca segurança oferece, enseja violações e modificações freqüentes gerando instabilidade.
R – Aliás, essa tem sido a tônica da nossa experiência política. Depois do recente golpe desferido pela quadrilha de bandidos que domina o Congresso Nacional, mostramos ao mundo, mais uma vez, que o Brasil não é uma república séria e confiável e sim uma republiqueta carnavalesca. Esqueça a candidatura desta nação a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O esforço, neste século XXI, para melhorar o conceito do Brasil perante o mundo, foi para o brejo.
A – Dá cá um abraço. Boa viagem!
R – Obrigado. Até a volta!

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