sábado, 12 de dezembro de 2015

IMPEACHMENT - IV



O Presidente da Câmara dos Deputados despachou o pedido de impeachment formulado contra a Presidente da República, inaugurando os trâmites legais (02/12/2015). Enquanto ocupar legalmente a presidência para a qual foi eleito por seus pares, esse parlamentar poderá exercer todas as atribuições do seu cargo. Tendo em vista os indícios veementes de práticas ilícitas das quais ele seria protagonista, seus atos de ofício, ainda que legais, carecem de força moral.

A lei 1079 de 1950, sobre crimes de responsabilidade, deve ajustar-se à Constituição da República de 1988, no que concerne ao processo. Servindo-se da injunção, instituída pela Assembleia Constituinte de 1987/1988 (CR 5º, LXXI), o Supremo Tribunal Federal (STF), no exercício da jurisdição construtiva, pode estabelecer regras harmônicas com a nova Constituição em cada caso concreto enquanto o Poder Legislativo não o fizer para todos em caráter geral e abstrato.

No regime anterior, competia ao Senado apenas julgar. A instauração do processo cabia à Câmara que, se a petição inicial (denúncia) fosse julgada procedente, decretava a acusação. A citada lei vigorava plenamente e estabelecia a tradicional divisão: acusação e instrução processual pela Câmara e julgamento pelo Senado. A Constituição de 1988 mudou esse procedimento. Agora, tanto o processo como o julgamento cabem ao Senado. À Câmara cabe apenas o juízo de admissibilidade o que torna dispensável a intermediação de comissão especial. Para emitir tal juízo, a Câmara independe do parecer de qualquer comissão. Em sessão plenária, a Câmara decidirá se autoriza ou não autoriza a instauração do processo. Realmente, diz o artigo 51 da Constituição da República:

“Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I – autorizar por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República”.

Autorizar significa permitir a alguém que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Supõe, de um lado, o poder de fato ou de direito de quem concede a permissão e, de outro, a dependência de quem a recebe para agir ou se omitir.  

Em obediência aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, inerentes ao regime democrático, e por aplicação analógica fundada em procedimentos contemplados na ordem jurídica nacional, o denunciado deve ser previamente notificado para apresentar sua defesa. A leitura da petição inicial e da defesa prévia em sessão plenária da Câmara dará ciência aos parlamentares e ao povo. A eleição de comissão especial tornou-se prescindível em face da nova ordem constitucional. Os artigos 17 a 29 da lei 1079/50 não se ajustam à Constituição de 1988 porque tratam da instrução processual que, agora, se contém na competência privativa do Senado e não mais da Câmara. Realmente, diz o artigo 52 da Constituição da República:

“Compete privativamente ao Senado Federal: I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade”.  

Em sessão plenária, a Câmara poderá dar ou negar autorização. Se negar, ou seja, se o juízo de admissibilidade for negativo, a denúncia e seus anexos serão arquivados. Se autorizar, ou seja, se o juízo de admissibilidade for positivo, a resolução e a denúncia com seus anexos serão enviados ao Senado que, apesar de autorizado, decidirá se instaura ou não instaura o processo. As duas casas legislativas são independentes e soberanas. Se a decisão senatorial for negativa, a denúncia e seus anexos serão arquivados. Se a decisão senatorial for positiva, instaura-se o processo e o Presidente da República será afastado das suas funções (CR 86, §1º, II). Decorrido o prazo de 180 dias sem julgamento final, o Presidente da República retornará às suas funções, sem prejuízo do prosseguimento dos trâmites processuais.

A direção do processo parlamentar de impeachment cabe ao Presidente do STF (CR 52, p.ú.). Cuida-se de um anacronismo. Outrora, o Vice-Presidente da República exercia as funções de Presidente do Senado (CR 1891, art. 32 + CR 1946, art. 61) e de Presidente do Congresso Nacional (CR 1967, art. 79, §2º). A cautela do legislador constituinte ao atribuir a direção do processo ao Presidente do STF naquela época foi sensata e natural. Independente das qualidades pessoais havia potencial suspeição do Vice-Presidente da República para exercer a direção do processo tendo em vista a sua posição de imediato sucessor do Presidente. Acontece que o Vice-Presidente não mais preside o Senado e nem o Congresso Nacional. Apesar de não mais existir motivo para o Presidente do STF dirigir o processo parlamentar de impeachment, a força da inércia manteve o obsoleto preceito na ordem constitucional.   

Antes de decidir se instaura ou não instaura o processo, o Senado deve facultar defesa prévia ao acusado em respeito às garantias constitucionais. Se o Senado, em sessão plenária, decidir pela instauração, elegerá uma comissão processante perante a qual atuará o defensor e se produzirá prova. Encerrada a instrução processual com o relatório da comissão, o processo segue para julgamento em sessão plenária, onde o acusado poderá apresentar defesa oral. Desde a instauração do processo até o julgamento final, o acusado tem direito ao contraditório e à ampla defesa. No âmbito parlamentar, razões políticas, econômicas e sociais podem lastrear a absolvição, mas somente razões jurídicas podem fundamentar e justificar a condenação.      

A tipificação da conduta do acusado como criminosa é tarefa eminentemente jurídica. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Quando o fato descrito na peça acusatória não tipificar delito definido em lei, quer do ponto de vista material, quer por ausência de dolo, o processo respectivo caracterizará constrangimento ilegal. Isto enseja impetração de habeas corpus em favor do paciente perante o STF. Concedida a ordem pelo tribunal, tranca-se o processo parlamentar ou anula-se veredicto nele exarado. Havendo violação do devido processo legal, o processo parlamentar pode ser anulado por decisão do STF (CR 5º, LIV + XXXV). 
     
Todo cidadão é parte legítima para denunciar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade. O Vice-Presidente da República será incluído no pólo passivo da relação processual quando, no eventual exercício da presidência, praticou atos iguais ou semelhantes aos narrados na petição inicial. Far-se-á o aditamento perante a Câmara ou o Senado, conforme a fase em que se encontrem os procedimentos. A responsabilidade por atos ilícitos praticados em mandato extinto será apurada no processo comum.  

Manifestações recentes de diversos juristas de escol, entre eles, Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, revelam perfeita sintonia com os seguintes artigos publicados neste blog: Impeachment (21/03/2015); Impeachment II (22/03/2015); Impeachment III (17/04/2015); STF e o Impeachment (19/09/2015); Contas (10/10/2015); Contas II (14/10/2015). Tais manifestações e artigos defendem o Estado Democrático de Direito e a Constituição da República Federativa do Brasil.

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