Choque de culturas.
“Se tu, americano e cristão,
censuras o nosso costume relativo à conduta e ao vestuário das nossas mulheres,
eu, oriental e islâmico, também, dentro da mesma lógica e com igual autoridade,
censuro o costume das tuas mulheres de exibirem as pernas, os seios e as roupas
íntimas, provocando o desejo sexual nos homens, como fazem as prostitutas, e
penso que a tolerância com esses hábitos faz de ti e dos vossos iguais, uns
cornos mansos”.
A censura do homem ocidental vale tanto quanto a do homem
oriental e revela intolerância e espírito de dominação. A força moral é inata,
provém da natureza anímica do ser humano. Essa força gera na mente dos homens
preceitos morais que integram a cultura de cada povo.
Errado é
confundir o que é costume com o que é certo. Comer o primogênito como fazem os
habitantes de Kai-Shu pode ser o costume, mas não é o certo (Mo Tse,
filósofo chinês, 478-436 a.C.).
Não existe uma moralidade absoluta, mas
apenas uma conveniência oportunista. Na realidade, não há verdade e nem erro,
nem outras distinções. Existem apenas aspectos diferentes que dependem do ponto
de vista (Chuang Tse, filósofo chinês, 369-286 a.C.).
O conflito,
hoje, se dá entre uma cultura que afirma, ama e celebra o dom da vida e uma
cultura que declara que grupos inteiros de seres humanos, crianças por nascer,
doentes em estágio terminal, inválidos e outros, vistos como “inúteis”, devem ficar fora das fronteiras e da
proteção legal. (João Paulo II. Saint Louis, Missouri, USA, 26/01/1999).
No confronto das culturas há oposições, mas também
sintonias. O espírito de submissão a deus
revelado na escritura islâmica (Alcorão)
sintoniza com o espírito de completa e incondicional rendição a deus revelado na escritura védica (Bhagavad-Gita). Numa das passagens desta última, Krishna diz ao
guerreiro Arjuna: “Abandona todas as tuas demais ocupações e submeta-se a mim”. O espírito islâmico e o espírito védico sintonizam com o
espírito de humildade que brota do amor a
deus revelado na escritura cristã (Novo
Testamento).
Das escrituras “sagradas” dos diversos povos nota-se
um manto sagrado sobre a vida privada. As regras islâmicas ditadas a Maomé pelo
arcanjo Gabriel são criticadas por suas minúcias, como aquelas sobre: qual a
mão que deve limpar o próprio traseiro; virar-se de frente para o vento ao
expelir gases intestinais; tipo e quantidade de alimentos que os fiéis devem
comer; posições sexuais (veda-se à mulher ficar por cima); assuntos proibidos
de se conversar; partes do corpo que não podem ser tocadas; modo lento (por
sangramento) que deve ser usado para abater animais (degola ritual); maneira de
sepultar o homem. No entanto, a Bíblia também tem centenas de regras sobre o
cotidiano inadequadas à vida moderna ocidental (higiene, dieta alimentar, abate
de animal, comportamento sexual, endogamia, primogenitura e outros assuntos). A
literatura védica (Índia) ensina como homens e mulheres devem se unir, o que
devem fazer para gerar filhos e qual o objetivo da vida sexual, além de outros
preceitos relacionados à vida privada. Na China, regras sobre a conduta
individual e coletiva foram ditadas por Lao Tse (Tao Te King) e Kung Fu Tse (Analectos)
que orientaram a conduta de povos asiáticos por muitos séculos.
Verdade religiosa.
Em que pese a Bíblia ser uma
coleção de livros recheados de falsidades, fantasias, megalomanias e
verborragia (narrações romanceadas e pretensamente históricas, oráculos
proféticos, genealogias, milagres) nela é possível achar coisas verossímeis
(textos legislativos, ensaios filosóficos, poemas, orações). Campeã de vendas,
muito falada, pouco lida e mal interpretada, essa coleção se divide em duas
partes: (1) Antigo Testamento,
“escritura sagrada” dos hebreus composta de livros de vários autores; (2) Novo Testamento, “escritura sagrada” dos
cristãos composta de cartas e de livros (evangelhos, atos dos apóstolos,
apocalipse) escritos ou ditados por apóstolos do profeta Jesus. Essa coleção de
textos (Bíblia) é a base espiritual e social da comunidade cristã e se
universalizou graças: (1) ao magistério de João Batista e de Jesus; (2) ao
trabalho dos apóstolos; (3) à ação catequética da igreja católica e da igreja
protestante; (4) à ignorância e à credulidade da massa popular. A Bíblia
refere-se, no Antigo Testamento, ao
deus do povo hebreu (israelitas + judeus) e no Novo Testamento, ao deus do povo cristão (católicos +
protestantes). Qual dos dois é o deus verdadeiro?
O deus dos hebreus, que Moisés
denominou Javé (ou Jeová) tem as
seguintes características: (1) poderoso na “terra prometida”, circunscrita ao
território palestino, pois nos países vizinhos sofre a concorrência dos outros
deuses; (2) belicoso, homicida, genocida; (3) exclusivista, vingativo, cruel. Javé escolheu um povo exclusivamente
para si do qual exigiu fidelidade e pureza racial (endogamia); em troca,
prometeu numerosa descendência, riqueza, felicidade, domínio do mundo;
autorizou extermínio de outros povos e invasão de terra alheia. O apego dos
hebreus ao dinheiro e aos bens materiais e a pretensão ao domínio amparam-se na
crença nesse deus e nessa escritura. (Gênesis 15. Êxodo 6/7. I Samuel 15: 1/9.
II Samuel 7: 1/16. Isaías 14/23; 60/65).
O deus dos cristãos, que o
profeta Jesus, o Cristo, denominou Pai
Celestial, tem as seguintes características: poderoso, misericordioso, amoroso,
pacífico, universalista, sábio. A esse deus, desagrada a sensualidade e a
riqueza mundanas. Ele deve ser incondicionalmente amado sobre todas as coisas e
recomenda o amor fraterno, humildade, moderação nos costumes, desapego aos bens
materiais, obediência às autoridades paterna e estatal. A bem-aventurança
situa-se no mundo celestial; dela, poucos desfrutarão. (Mt 5/7. Lc 9: 62; 13:
24. Jo 15/16).
Apesar das diferenças
essenciais e contrastantes entre esses dois deuses, há quem afirme que se trata
de um único e mesmo deus. Se assim fosse, esse deus teria, então, duas faces: a
diabólica, que ele exibiu ao
patriarca Abraão e a angelical, que
ele exibiu ao profeta Jesus. De fato, comparando-se passagens bíblicas entre
si, verifica-se que no Antigo Testamento, o deus Javé promete ao patriarca o domínio do mundo; no Novo Testamento, o
deus Satanás faz a mesma promessa ao
profeta. A conclusão se impõe: Javé e Satanás são idênticos e não se confundem
com o Pai Celestial. Abraão não
resistiu, prostrou-se e, seduzido pelas promessas “divinas”, celebrou o pacto
com Satanás (Gênesis 17: 1/22). Jesus resistiu; não se prostrou e nem se deixou
seduzir por tais promessas. “Para trás, Satanás” (Mt 4: 3/10. Mc 1: 12/13. Lc
4: 1/13).
Nos quatro evangelhos selecionados pela igreja
cristã, há inúmeras passagens em
que Jesus fala sobre a verdade
sem defini-la. Se permanecerdes nas
minhas palavras sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos livrará. Na última ceia com seus apóstolos antes da
crucifixão, o profeta diz: Eu sou o
caminho, a verdade e a vida. O
apóstolo João narra o seguinte episódio: Jesus, prisioneiro, diante de Pôncio
Pilatos, diz: É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da
verdade, ouve a minha voz. A isto,
Pilatos replicou: O que é verdade?
Jesus não treplicou. (Jo 8: 31/32; 14: 6; 18: 37/38).
Nenhum comentário:
Postar um comentário