sábado, 14 de novembro de 2015

TOLERÂNCIA E VERDADE



Choque de culturas.

“Se tu, americano e cristão, censuras o nosso costume relativo à conduta e ao vestuário das nossas mulheres, eu, oriental e islâmico, também, dentro da mesma lógica e com igual autoridade, censuro o costume das tuas mulheres de exibirem as pernas, os seios e as roupas íntimas, provocando o desejo sexual nos homens, como fazem as prostitutas, e penso que a tolerância com esses hábitos faz de ti e dos vossos iguais, uns cornos mansos”.

A censura do homem ocidental vale tanto quanto a do homem oriental e revela intolerância e espírito de dominação. A força moral é inata, provém da natureza anímica do ser humano. Essa força gera na mente dos homens preceitos morais que integram a cultura de cada povo.

Errado é confundir o que é costume com o que é certo. Comer o primogênito como fazem os habitantes de Kai-Shu pode ser o costume, mas não é o certo (Mo Tse, filósofo chinês, 478-436 a.C.). Não existe uma moralidade absoluta, mas apenas uma conveniência oportunista. Na realidade, não há verdade e nem erro, nem outras distinções. Existem apenas aspectos diferentes que dependem do ponto de vista (Chuang Tse, filósofo chinês, 369-286 a.C.).

O conflito, hoje, se dá entre uma cultura que afirma, ama e celebra o dom da vida e uma cultura que declara que grupos inteiros de seres humanos, crianças por nascer, doentes em estágio terminal, inválidos e outros, vistos como “inúteis”, devem ficar fora das fronteiras e da proteção legal. (João Paulo II. Saint Louis, Missouri, USA, 26/01/1999).

No confronto das culturas há oposições, mas também sintonias. O espírito de submissão a deus revelado na escritura islâmica (Alcorão) sintoniza com o espírito de completa e incondicional rendição a deus revelado na escritura védica (Bhagavad-Gita). Numa das passagens desta última, Krishna diz ao guerreiro Arjuna: “Abandona todas as tuas demais ocupações e submeta-se a mim”. O espírito islâmico e o espírito védico sintonizam com o espírito de humildade que brota do amor a deus revelado na escritura cristã (Novo Testamento). 

Das escrituras “sagradas” dos diversos povos nota-se um manto sagrado sobre a vida privada. As regras islâmicas ditadas a Maomé pelo arcanjo Gabriel são criticadas por suas minúcias, como aquelas sobre: qual a mão que deve limpar o próprio traseiro; virar-se de frente para o vento ao expelir gases intestinais; tipo e quantidade de alimentos que os fiéis devem comer; posições sexuais (veda-se à mulher ficar por cima); assuntos proibidos de se conversar; partes do corpo que não podem ser tocadas; modo lento (por sangramento) que deve ser usado para abater animais (degola ritual); maneira de sepultar o homem. No entanto, a Bíblia também tem centenas de regras sobre o cotidiano inadequadas à vida moderna ocidental (higiene, dieta alimentar, abate de animal, comportamento sexual, endogamia, primogenitura e outros assuntos). A literatura védica (Índia) ensina como homens e mulheres devem se unir, o que devem fazer para gerar filhos e qual o objetivo da vida sexual, além de outros preceitos relacionados à vida privada. Na China, regras sobre a conduta individual e coletiva foram ditadas por Lao Tse (Tao Te King) e Kung Fu Tse (Analectos) que orientaram a conduta de povos asiáticos por muitos séculos.

Verdade religiosa.

Em que pese a Bíblia ser uma coleção de livros recheados de falsidades, fantasias, megalomanias e verborragia (narrações romanceadas e pretensamente históricas, oráculos proféticos, genealogias, milagres) nela é possível achar coisas verossímeis (textos legislativos, ensaios filosóficos, poemas, orações). Campeã de vendas, muito falada, pouco lida e mal interpretada, essa coleção se divide em duas partes: (1) Antigo Testamento, “escritura sagrada” dos hebreus composta de livros de vários autores; (2) Novo Testamento, “escritura sagrada” dos cristãos composta de cartas e de livros (evangelhos, atos dos apóstolos, apocalipse) escritos ou ditados por apóstolos do profeta Jesus. Essa coleção de textos (Bíblia) é a base espiritual e social da comunidade cristã e se universalizou graças: (1) ao magistério de João Batista e de Jesus; (2) ao trabalho dos apóstolos; (3) à ação catequética da igreja católica e da igreja protestante; (4) à ignorância e à credulidade da massa popular. A Bíblia refere-se, no Antigo Testamento, ao deus do povo hebreu (israelitas + judeus) e no Novo Testamento, ao deus do povo cristão (católicos + protestantes). Qual dos dois é o deus verdadeiro?

O deus dos hebreus, que Moisés denominou Javé (ou Jeová) tem as seguintes características: (1) poderoso na “terra prometida”, circunscrita ao território palestino, pois nos países vizinhos sofre a concorrência dos outros deuses; (2) belicoso, homicida, genocida; (3) exclusivista, vingativo, cruel. Javé escolheu um povo exclusivamente para si do qual exigiu fidelidade e pureza racial (endogamia); em troca, prometeu numerosa descendência, riqueza, felicidade, domínio do mundo; autorizou extermínio de outros povos e invasão de terra alheia. O apego dos hebreus ao dinheiro e aos bens materiais e a pretensão ao domínio amparam-se na crença nesse deus e nessa escritura. (Gênesis 15. Êxodo 6/7. I Samuel 15: 1/9. II Samuel 7: 1/16. Isaías 14/23; 60/65).

O deus dos cristãos, que o profeta Jesus, o Cristo, denominou Pai Celestial, tem as seguintes características: poderoso, misericordioso, amoroso, pacífico, universalista, sábio. A esse deus, desagrada a sensualidade e a riqueza mundanas. Ele deve ser incondicionalmente amado sobre todas as coisas e recomenda o amor fraterno, humildade, moderação nos costumes, desapego aos bens materiais, obediência às autoridades paterna e estatal. A bem-aventurança situa-se no mundo celestial; dela, poucos desfrutarão. (Mt 5/7. Lc 9: 62; 13: 24. Jo 15/16).

Apesar das diferenças essenciais e contrastantes entre esses dois deuses, há quem afirme que se trata de um único e mesmo deus. Se assim fosse, esse deus teria, então, duas faces: a diabólica, que ele exibiu ao patriarca Abraão e a angelical, que ele exibiu ao profeta Jesus. De fato, comparando-se passagens bíblicas entre si, verifica-se que no Antigo Testamento, o deus Javé promete ao patriarca o domínio do mundo; no Novo Testamento, o deus Satanás faz a mesma promessa ao profeta. A conclusão se impõe: Javé e Satanás são idênticos e não se confundem com o Pai Celestial. Abraão não resistiu, prostrou-se e, seduzido pelas promessas “divinas”, celebrou o pacto com Satanás (Gênesis 17: 1/22). Jesus resistiu; não se prostrou e nem se deixou seduzir por tais promessas. “Para trás, Satanás” (Mt 4: 3/10. Mc 1: 12/13. Lc 4: 1/13).    

Nos quatro evangelhos selecionados pela igreja cristã, há inúmeras passagens em que Jesus fala sobre a verdade sem defini-la. Se permanecerdes nas minhas palavras sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos livrará. Na última ceia com seus apóstolos antes da crucifixão, o profeta diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. O apóstolo João narra o seguinte episódio: Jesus, prisioneiro, diante de Pôncio Pilatos, diz: É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz. A isto, Pilatos replicou: O que é verdade? Jesus não treplicou. (Jo 8: 31/32; 14: 6; 18: 37/38).       

Nenhum comentário: