segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

IMPEACHMENT - VI



Três cidadãos brasileiros (dois homens e uma mulher) denunciaram à Câmara dos Deputados suposto crime de responsabilidade praticado pela Presidente da República. A denúncia foi recebida. Para seu prosseguimento procedeu-se à eleição, pelo voto secreto, de uma comissão especial. Houve candidaturas avulsas. Duas chapas disputaram o ingresso na comissão: uma da maioria e outra da minoria. Venceu a chapa da minoria favorável ao impeachment. Adotou-se o rito processual da lei 1.079 de 1950 (crimes de responsabilidade) que permitia o afastamento da Presidente da República das suas funções tão logo o parecer da comissão especial fosse aprovado pela Câmara.   

O Partido Comunista do Brasil, inconformado com tal procedimento, propôs ação judicial denominada Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental com fulcro no §1º, do artigo 102, da Constituição da República (CR). O autor da demanda alegou a inconstitucionalidade do rito processual adotado pelo Presidente da Câmara dos Deputados e requereu a concessão liminar de medida cautelar. Os trâmites do processo de impeachment foram suspensos por ordem do relator. A ação judicial foi processada nos termos da lei 9.882/1999 que regulamentou o citado dispositivo constitucional. Atuaram no processo: Câmara dos Deputados, Senado Federal, Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da República e como amicus curiae, a União Nacional dos Estudantes e outras entidades.          

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado para adequar o rito processual a vigente Constituição da República e não para resolver o mérito do pedido de impeachment. A sessão de julgamento iniciada no dia 16 com a sustentação oral dos interessados e o voto do relator, prosseguiu no dia 17 com os votos dos demais ministros e foi concluída no dia 18 de dezembro de 2015 com a proclamação do resultado e lavratura da ata.  O STF estabeleceu as regras para o caso concreto, como permite o instituto da injunção importado do direito estadunidense (writ of injunction) pelo legislador constituinte brasileiro em 1988. Essa importação foi defendida da tribuna da Assembléia Nacional Constituinte pelo jurista Carlos Roberto de Siqueira Castro, professor de direito constitucional da PUC/RJ e acolhida pelos parlamentares (CR 5º, LXXI + 102, I, q). Cabe ao Poder Legislativo disciplinar o rito de forma prospectiva, geral e abstrata. Enquanto isto não acontece, cabe ao Judiciário, no exercício da jurisdição construtiva, preencher a lacuna caso a caso. Os princípios e as normas não podem permanecer sem eficácia no texto constitucional quando a situação de fato exige a sua incidência. 

Em sintonia com a letra dos dispositivos da Constituição, o STF assim delimitou as atribuições de cada casa legislativa no processo de impeachment: (1) fase preliminar de autorização, sob os auspícios da Câmara dos Deputados; (2) fases do processo e do julgamento, a cargo do Senado Federal. (CR 51/52).
 
Em homenagem ao princípio da segurança jurídica, o tribunal manteve a mesma orientação dada ao caso Collor. Naquela ocasião, o tribunal estabeleceu regras de procedimento harmônicas com a Constituição de 1988. No atual julgamento, o tribunal declarou expressamente quais as regras da lei 1.079 de 1950 que não foram recepcionadas pela Constituição de 1988. Os ministros consideraram inafastáveis do processo parlamentar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A inobservância desses princípios enseja nulidade.         

Nessa trilha, o tribunal considerou inconstitucional: (1) o voto secreto para escolha dos membros da comissão especial que analisará o pedido de impeachment e emitirá o respectivo parecer; (2) a candidatura avulsa para disputar o ingresso nessa comissão. Em conseqüência, a eleição realizada na Câmara ficou sem efeito e deverá ser renovada com o voto aberto e sem candidatura avulsa. Respeitada a representação proporcional, os partidos ou blocos parlamentares indicarão os seus candidatos a integrarem a comissão especial (CR 58, §1º). A Presidente da República poderá oferecer defesa perante a comissão assim constituída. Encerrada a fase preparatória com o parecer da comissão, a Câmara dos Deputados, em sessão plenária, decidirá se autoriza ou se não autoriza a instauração do processo. Se não autorizar, a denúncia e seus anexos serão arquivados. Para autorizar, são necessários 2/3 dos votos dos membros da Câmara. Alcançado esse quorum, a resolução, a denúncia e seus anexos, serão encaminhados ao Senado Federal. Na atual conjuntura brasileira, a maior probabilidade é a Câmara negar autorização.

Segundo entendimento do tribunal, nas diferentes fases do processo na Câmara e no Senado, quando houver votação, o voto terá de ser aberto. Realmente, a igualdade, a publicidade e a responsabilidade integram a essência do modelo republicano e democrático de Estado. Nesse modelo, adotado no Brasil, o privilégio, o sigilo e a imunidade figuram como exceções expressas no texto constitucional. Nenhuma exceção pode ser invocada como implícita e tampouco aplicada analogicamente. No silêncio da Constituição, vigem os princípios e as regras gerais. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (CR 1º, p.ú.). Destarte, o povo tem o elementar direito de saber como se conduzem e como votam os seus representantes. A publicidade ínsita ao sistema republicano representativo implica a transparência nos atos dos representantes. O voto direto e secreto é direito do cidadão, expressão da soberania popular, garantia do representado e não do representante (CR 14).            

O tribunal reconheceu a competência do Senado para processar e julgar o Presidente da República expressa na Constituição (CR 52, I). A discussão foi sobre a extensão do ato da Câmara: se obrigava, ou não, o Senado. Por maioria, o tribunal decidiu pela negativa. Ao Senado cabe resolver se instaura ou se não instaura o processo. Fachim, Tóffoli e Mendes ficaram vencidos. Segundo o noticiário, Fachim foi homenageado às vésperas do julgamento pela Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita. Se não fosse adepto, o ministro teria, no mínimo, solicitado transferência da homenagem para outro momento. A Confraria é uma organização elitista de tendência fascista, enquanto a “Boca Maldita” é uma topográfica (Rua das Flores, Curitiba), costumeira, espontânea, indistinta e pública reunião de pessoas de variadas tendências que misturam crítica construtiva e destrutiva, ironia e maledicência.
   
O Senado não está vinculado à decisão da Câmara. Inexiste vínculo de subordinação de uma casa legislativa a outra no modelo parlamentar bicameral brasileiro. O que existe é coordenação. Assim como entre os poderes da república deve existir harmonia sem prejuízo da independência de cada um, o mesmo ocorre entre as duas casas legislativas.

Nos termos da decisão do STF, recebido o expediente oriundo da Câmara, o Senado decidirá, em sessão plenária, por maioria simples, se instaura, ou não, o processo. Se a decisão for negativa, o expediente será arquivado; se for positiva, instaura-se o processo e a Presidente da República será afastada provisoriamente das suas funções. O Presidente do STF será chamado para presidir a instrução e o julgamento. Se no prazo de 180 dias o julgamento não for concluído, a Presidente da República retorna às suas funções, sem prejuízo dos trâmites processuais. Somente pelo voto de 2/3 dos membros do Senado haverá condenação. Caso contrário, a Presidente será reintegrada em todos os direitos e prerrogativas do seu cargo.

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