Três
cidadãos brasileiros (dois homens e uma mulher) denunciaram à Câmara dos
Deputados suposto crime de responsabilidade praticado pela Presidente da
República. A denúncia foi recebida. Para seu prosseguimento procedeu-se à
eleição, pelo voto secreto, de uma comissão especial. Houve candidaturas
avulsas. Duas chapas disputaram o ingresso na comissão: uma da maioria e outra
da minoria. Venceu a chapa da minoria favorável ao impeachment. Adotou-se o
rito processual da lei 1.079 de 1950 (crimes de responsabilidade) que permitia
o afastamento da Presidente da República das suas funções tão logo o parecer da
comissão especial fosse aprovado pela Câmara.
O
Partido Comunista do Brasil, inconformado com tal procedimento, propôs ação
judicial denominada Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental com fulcro no §1º, do artigo 102, da
Constituição da República (CR). O autor da demanda alegou a
inconstitucionalidade do rito processual adotado pelo Presidente da Câmara dos
Deputados e requereu a concessão liminar de medida cautelar. Os trâmites do
processo de impeachment foram suspensos por ordem do relator. A ação judicial
foi processada nos termos da lei 9.882/1999 que regulamentou o citado
dispositivo constitucional. Atuaram no processo: Câmara dos Deputados, Senado
Federal, Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da República e como amicus curiae, a União Nacional dos
Estudantes e outras entidades.
O
Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado para adequar o rito processual a
vigente Constituição da República e não para resolver o mérito do pedido de
impeachment. A sessão de julgamento iniciada no dia 16 com a sustentação oral
dos interessados e o voto do relator, prosseguiu no dia 17 com os votos dos
demais ministros e foi concluída no dia 18 de dezembro de 2015 com a
proclamação do resultado e lavratura da ata.
O STF estabeleceu as regras para o caso concreto, como permite o
instituto da injunção importado do
direito estadunidense (writ of injunction)
pelo legislador constituinte brasileiro em 1988. Essa importação foi defendida
da tribuna da Assembléia Nacional Constituinte pelo jurista Carlos Roberto de Siqueira
Castro, professor de direito constitucional da PUC/RJ e acolhida pelos
parlamentares (CR 5º, LXXI + 102, I, q). Cabe ao Poder Legislativo
disciplinar o rito de forma prospectiva, geral e abstrata. Enquanto isto não
acontece, cabe ao Judiciário, no exercício da jurisdição construtiva, preencher
a lacuna caso a caso. Os princípios e as normas não podem permanecer sem
eficácia no texto constitucional quando a situação de fato exige a sua
incidência.
Em
sintonia com a letra dos dispositivos da Constituição, o STF assim delimitou as
atribuições de cada casa legislativa no processo de impeachment: (1) fase
preliminar de autorização, sob os auspícios da Câmara dos Deputados; (2) fases
do processo e do julgamento, a cargo do Senado Federal. (CR 51/52).
Em
homenagem ao princípio da segurança jurídica, o tribunal manteve a mesma
orientação dada ao caso Collor. Naquela ocasião, o tribunal estabeleceu regras
de procedimento harmônicas com a Constituição de 1988. No atual julgamento, o
tribunal declarou expressamente quais as regras da lei 1.079 de 1950 que não
foram recepcionadas pela Constituição de 1988. Os ministros consideraram inafastáveis
do processo parlamentar os princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa. A inobservância desses princípios enseja
nulidade.
Nessa
trilha, o tribunal considerou inconstitucional: (1) o voto secreto para escolha dos membros da comissão especial que
analisará o pedido de impeachment e emitirá o respectivo parecer; (2) a candidatura avulsa para disputar o
ingresso nessa comissão. Em conseqüência, a eleição realizada na Câmara ficou
sem efeito e deverá ser renovada com o voto aberto e sem candidatura avulsa.
Respeitada a representação proporcional, os partidos ou blocos parlamentares
indicarão os seus candidatos a integrarem a comissão especial (CR 58, §1º). A
Presidente da República poderá oferecer defesa perante a comissão assim
constituída. Encerrada a fase preparatória com o parecer da comissão, a Câmara
dos Deputados, em sessão plenária, decidirá se autoriza ou se não autoriza a
instauração do processo. Se não autorizar, a denúncia e seus anexos serão
arquivados. Para autorizar, são necessários 2/3 dos votos dos membros da
Câmara. Alcançado esse quorum, a resolução, a denúncia e seus anexos, serão
encaminhados ao Senado Federal. Na atual conjuntura brasileira, a maior
probabilidade é a Câmara negar autorização.
Segundo
entendimento do tribunal, nas diferentes fases do processo na Câmara e no
Senado, quando houver votação, o voto terá de ser aberto. Realmente, a
igualdade, a publicidade e a responsabilidade integram a essência do modelo
republicano e democrático de Estado. Nesse modelo, adotado no Brasil, o
privilégio, o sigilo e a imunidade figuram como exceções expressas no texto
constitucional. Nenhuma exceção pode ser invocada como implícita e tampouco
aplicada analogicamente. No silêncio da Constituição, vigem os princípios e as
regras gerais. Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (CR 1º, p.ú.).
Destarte, o povo tem o elementar direito de saber como se conduzem e como votam
os seus representantes. A publicidade ínsita ao sistema republicano
representativo implica a transparência nos atos dos representantes. O voto
direto e secreto é direito do cidadão, expressão da soberania popular, garantia
do representado e não do representante (CR 14).
O
tribunal reconheceu a competência do Senado para processar e julgar o
Presidente da República expressa na Constituição (CR 52, I). A discussão foi
sobre a extensão do ato da Câmara: se obrigava, ou não, o Senado. Por maioria,
o tribunal decidiu pela negativa. Ao Senado cabe resolver se instaura ou se não
instaura o processo. Fachim, Tóffoli e Mendes ficaram vencidos. Segundo o
noticiário, Fachim foi homenageado às vésperas do julgamento pela Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita.
Se não fosse adepto, o ministro teria, no mínimo, solicitado transferência da
homenagem para outro momento. A Confraria
é uma organização elitista de tendência fascista, enquanto a “Boca Maldita” é
uma topográfica (Rua das Flores, Curitiba), costumeira, espontânea, indistinta
e pública reunião de pessoas de variadas tendências que misturam crítica
construtiva e destrutiva, ironia e maledicência.
O
Senado não está vinculado à decisão da Câmara. Inexiste vínculo de subordinação
de uma casa legislativa a outra no modelo parlamentar bicameral brasileiro. O
que existe é coordenação. Assim como entre os poderes da república deve existir
harmonia sem prejuízo da independência de cada um, o mesmo ocorre
entre as duas casas legislativas.
Nos
termos da decisão do STF, recebido o expediente oriundo da Câmara, o Senado
decidirá, em sessão plenária, por maioria simples, se instaura, ou não, o
processo. Se a decisão for negativa, o expediente será arquivado; se for
positiva, instaura-se o processo e a Presidente da República será afastada
provisoriamente das suas funções. O Presidente do STF será chamado para
presidir a instrução e o julgamento. Se no prazo de 180 dias o julgamento não
for concluído, a Presidente da República retorna às suas funções, sem prejuízo
dos trâmites processuais. Somente pelo voto de 2/3 dos membros do Senado haverá
condenação. Caso contrário, a Presidente será reintegrada em todos os direitos
e prerrogativas do seu cargo.
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