Roma (continuação).
Outrora, o conhecimento dos dias
fastos e dos dias nefastos, das fórmulas e das palavras sacramentais guardadas
pelo colégio de pontífices, era privilégio dos patrícios, o que lhes reservava
com exclusividade a função de jurisconsulto. Isto colocava os plebeus em
situação de inferioridade quando tinham de se valer das ações judiciais que se
processavam sob formas simbólicas (actio
sacramenti, judicis postulatio, manus injectio, pignoris capio). Legislação
posterior mudou esta situação ao publicar aqueles dias e aquelas fórmulas,
palavras e ações judiciais, permitindo que deles os plebeus tomassem prévio
conhecimento (jus civile flavianum).
Isto franqueou ao plebeu o acesso à função de jurisconsulto.
Nota-se na estratificação social
romana uma revolução silenciosa e gradual: a gens {grupo de famílias sob a autoridade de um chefe, com deus e
lar próprios} se enfraquece e o direito de primogenitura perde o vigor. Após surda
e prolongada luta doméstica, os clientes emancipam-se e constituem a sua
própria família, o seu próprio lar e o seu próprio patrimônio (370 a.C.). De modo
progressivo, verifica-se a distensão entre plebeus e patrícios. O plebiscito
passou a obrigar também os patrícios (Lei
Valéria Horácia, dos cônsules Valerius e Horatius). O casamento entre
plebeus e patrícios foi autorizado pela Lei
Canuleia (de autoria do tribuno Canuleius), que revogou a proibição contida
na 11ª tábua (de connubium patrum et
plebis). A plebe obteve elegibilidade para cônsul. Isto quebrou o monopólio
dos patrícios no senado. Segundo o costume
{lei histórica não escrita} ao terminar o mandato o cônsul entrava para o
senado. O direito de acesso a todos os cargos públicos finalmente é franqueado
à plebe, mas foram os plebeus ricos que melhor aproveitaram essa conquista
{questores, censores, pretores, senadores, ditadores (362 a.C.)}.
A crueldade de credores em
relação aos devedores inadimplentes provocou revolta popular da qual resultou a
Lei Petillia Papiria que proibiu a
escravização por dívida e aboliu o nexum.
A Lei Hortênsia (iniciativa do ditador
Quinto Hortênsio) estabelece a competência da assembléia para elaborar normas
sem depender da aprovação do senado e reafirma o cumprimento obrigatório do
plebiscito por todo o povo romano {patrícios, clientes e plebeus, (287 a.C.)}. Apesar das
conquistas plebéias permanecia vivo o princípio original: “Roma é dos patres fundadores; aos patrícios cabe
governar; à plebe cabe servir.”
{Semelhança com os pais fundadores
dos EUA; Obama foi exceção à regra}. Nesse diapasão, os patrícios têm o direito
de mandar e os plebeus têm o direito de obedecer.
A primeira organização política
de Roma foi monárquica. O seu primeiro rei era latino (Rômulo); o segundo,
sabino (Numa Pompílio). Seguiram-se reis gregos e etruscos: Túlio Hostilio,
Ancus Marcio, Tarquínio Prisco, Sérvio Tulio e Tarquínio Soberbo. A função do
rei (rex) era semelhante à do
patriarca da família e da gens:
administrativa e sacerdotal. O poder
jurídico capacitava o rei a administrar a cidade (estado) com observância
dos costumes {lex terrae}, incluía o
julgamento de questões cíveis e criminais e a aplicação das penas cabíveis (auctoritas). Havia pena de morte e de
açoite. O poder político capacitava o
rei ao comando militar, civil e religioso (imperium).
Os sacerdotes eram auxiliares do rei. O poder real era compartilhado pelo
senado e pela assembléia popular. Os lugares no senado eram privativos dos patriarcas,
autênticos soberanos de Roma. O senado mandava matar os reis que se colocavam
contra os patrícios e a favor dos clientes e dos plebeus. Isto aconteceu com
Rômulo, Túlio, Sérvio e o primeiro Tarquínio. Cabia ao senado matéria relativa
à guerra e à paz, elaborar leis, sancionar ou vetar os projetos do rei e da
assembléia e tratar dos negócios públicos em geral. Daí, a tendência
conservadora da sociedade romana. A lei expedida pelo senado chamava-se senatus consultum. A assembléia era
composta dos cidadãos com idade para prestar serviço militar. Dela participavam
os patrícios, os clientes e os plebeus. Em seu conjunto, estas classes formavam
o povo romano (populus romanus) que
era o titular da soberania. Os escravos não integravam o povo por serem coisas
(res) e não pessoas (persona). A assembléia reunia-se em
praça pública e recebia o nome de comício (comitium).
Organizava-se em cúrias simétricas à divisão do povo romano (comitia curiata). Posteriormente, passou
a ser organizada em centúrias (comitia
centuriata) ante a nova divisão do povo romano efetuada por Sérvio Túlio. O
calendário marcava os dias em que a assembléia podia se reunir (dias fastos) e
os dias em que ela não podia se reunir (dias nefastos). Ao comício competia aprovar ou desaprovar as deliberações do rei,
autorizar a guerra, apreciar o recurso da
graça impetrado por condenados e conceder perdão. Se o rei estivesse
presente à reunião, somente com a sua autorização os membros da assembléia
podiam usar da palavra. {Essa prática permitia a realização ordeira dos
trabalhos}.
Tarquínio, o soberbo, rei etrusco, ignora a autoridade do senado, corta cabeças,
faz a guerra e celebra a paz sem consultar ninguém. Aproveitando a ausência
desse rei e do exército em campanha fora de Roma, o senado decreta a sua
destituição e a abolição da realeza. Instaura-se a república aristocrática (510 a.C.). O poder real passa
a ser exercido por dois cônsules escolhidos pelo senado, cada qual com
autonomia executiva e judicial. As leis não eram escritas e somente os cônsules
tinham o direito de lhes reconhecer o vigor, interpretá-las e aplicá-las nas
demandas judiciais. Na hipótese de desentendimento entre eles, cabia ao senado
resolver. Para debelar crise aguda, o senado indicava um ditador com mandato de
seis meses.
Roma expande o seu domínio
territorial na península italiana e acolhe religião estrangeira sem impor a sua
própria religião. Ao acolher os deuses dos povos conquistados, Roma praticava
comunhão religiosa, habilidade política elogiada por Montesquieu, filósofo francês.
Capturada e saqueada pelos gauleses, Roma paga o resgate (390 a.C.). Diversos povos
latinos também se rebelaram, invadiram Roma e conquistaram a cidadania romana e
o direito de sufrágio {jus civitatis et
jus suffragii (265 a.C.)}.
As guerras estimularam o pendor militarista dos romanos. Eles se tornaram
arrogantes e imperialistas.
Cartago, ex-colônia fenícia na
África setentrional, tornou-se uma cidade rica e poderosa, construiu um império
marítimo ao longo da costa norte da África até o Estreito de Gibraltar e formou
uma civilização superior à de Roma (814 a.C.). Invejosos e competitivos, os romanos
reagiram à expansão de Cartago na Sicília. As duas potências se guerrearam por
23 anos. Roma venceu. Apoderou-se de todas as terras cartaginesas na Sicília e
recebeu vultosa indenização (240
a.C.). Apesar da derrota, Cartago progrediu e
expandiu-se na Espanha. Dizendo-se ameaçada, Roma declara nova guerra e após 16
anos de luta, sagra-se vencedora. Todas as possessões de Cartago passaram ao
domínio de Roma que, ainda, recebeu indenização maior do que a anterior (202 a.C.). Apesar de lhe
restar apenas a capital, Cartago prospera tendo em vista sua vocação para o
comércio e para a atividade científica, aspectos da cultura em que era superior
a Roma. O sucesso de Cartago foi encarado como desafio pelos romanos. Os
cartagineses receberam ultimato para desocupar a cidade e ficar longe do
litoral (149 a.C.).
Além da grave ofensa ao patriotismo, o ultimato, se acolhido, seria a morte da
nação cartaginesa que dependia do comércio marítimo. Diante da óbvia recusa,
Roma declara guerra a Cartago, arrasa a cidade, mata quase todos os seus
habitantes, vende os sobreviventes como escravos e faz do território cartaginês
província romana (146 a.C.).
Os romanos chamavam os cartagineses de poeni
(fenícios). Daí, as guerras travadas entre eles receberem o nome de Guerras Púnicas.
Multiplicaram-se os efetivos do
exército romano em virtude das guerras de conquista. Além de Cartago, Siracusa
e Corinto, também foram submetidos ao domínio de Roma: Egito, Síria, Palestina,
Ásia Menor, Macedônia, Grécia, Gália e Grã-Bretanha. As províncias anexadas ao
império romano eram administradas por governadores. A expansão territorial teve
como conseqüência a extinção do regime municipal romano {passagem do estado
paroquial ao estado cosmopolita}. O amor pela pátria não mais derivava dos deuses
e da religião e sim das leis e instituições que davam segurança e orgulho aos
romanos. Luxo e corrupção advieram com as novas riquezas. As tropas serviam
mais aos interesses e ambições dos generais do que ao estado romano. A
instabilidade das convenções humanas mina o patriotismo.
Na distribuição das terras
conquistadas foram incluídos os plebeus graças à ação política dos tribunos da
plebe que implantaram a reforma agrária. O tribuno Tibério Graco conseguiu
aprovar a Lex Agrária {distribuição
de terras públicas aos agricultores sem terra, sete hectares per capita, aproximadamente}. Esse
tribuno pagou o preço da ousadia: foi assassinado no Capitólio. Por sua vez,
Caio Graco, irmão de Tibério, se fez matar por um dos seus escravos para
escapar das mãos assassinas dos adversários políticos (121 a.C.). A Lex Agrária foi revogada. A distribuição
de terras aos agricultores pobres foi suspensa.
Os italianos se rebelaram ante a resistência do senado
em conceder-lhes a cidadania romana. Constituíram uma república independente
com o nome de Itália. Mediante a Lex Plautia Papiria os italianos
obtiveram a cidadania romana e a guerra civil chegou ao fim (91 a 89 a.C.). Eleito ditador por tempo
indeterminado, o general Scylla restituiu ao senado todos os poderes tradicionais,
inclusive o veto sobre os atos da assembléia, e reduziu os poderes do tribuno
da plebe (82 a.C.).
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