quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

FILOSOFIA VIII



ROMA (700 a.C. a 500 d.C.).

Nos seis séculos que antecederam a era cristã havia na península italiana dezenas de cidades com habitantes de diferentes etnias: latinos, etruscos, gregos, troianos, sabinos (quirites). Roma era uma dessas cidades. Situava-se às margens do Rio Tibre, na região do Lácio. A matriz Alba Longa era habitada por latinos e troianos {que se mesclaram}. De lá vieram os fundadores de Roma (753 a.C.). A guerra e a agricultura eram as ocupações principais do povo. A atividade comercial era fraca e o padrão monetário tardou a ser adotado (270 a.C.). A moralidade não decorria da religião e sim do civismo. Patriotismo, respeito pela autoridade e pela tradição eram os vetores morais. As virtudes mais apreciadas eram: bravura, honradez, autodisciplina, reverência pela divindade e pelo ancestral, cumprimento do dever para com a cidade (estado) e a família. Tais valores não impediram vícios, devassidão, parasitismo. Nas quedas, o populacho urbano esperava que os políticos e aristocratas lhe oferecessem alimento e diversão (pão e circo). Na tradição romana, tudo devia ser sacrificado à cidade: vida, bens, amigos, parentes. A segurança da cidade (estado) a tudo se sobrepunha.  
A organização social de Roma compreendia: (1) os patrícios (pater = pai, patrono, patriarca) que tinham direitos de cidadania e compunham as gentes (famílias gentílicas, pluralidade de clãs ou gens); (2) os clientes, grupo misto de prestadores de serviço que não descendiam de patrícios, sem deus, sem religião, sem lares próprios, todos com seus familiares admitidos ao culto da família patrícia e submetidos à autoridade do patriarca, sem direito à propriedade, à sucessão e à palavra no tribunal (quem fala pelos clientes no tribunal é o respectivo patrono); (3) os plebeus, grupo sem lar e religião próprios, sem pater, sem direito de participar das cerimônias religiosas e de residir na urbe (moravam na encosta do Monte Capitolino), população mista de estrangeiros submissos, de pequenos fazendeiros, de artesãos, de comerciantes, gente que não descendia dos fundadores; havia plebeus ricos, remediados e pobres; (4) os escravos, grupo constituído de prisioneiros de guerra ou de devedores inadimplentes vendidos pelos credores; sem personalidade jurídica (persona) e sem direito algum (jus), eles eram equiparados às coisas. As famílias patrícias viviam em seus respectivos domínios cercadas da clientela e vinham à urbe para as festividades ou para as assembléias. Somente quem fosse patrício podia exercer a função sacerdotal, ser cônsul, membro do senado e magistrado.
A pesada carga tributária, a discriminação nos processos judiciais, a exclusão dos negócios de governo, o serviço militar obrigatório em tempo de guerra {estado de beligerância quase permanente} levam a plebe à rebeldia, a abandonar a cidade (urbe) e se instalar no Monte Aventino (secessio = secessão, 494 a.C.). Os provedores de Roma pertenciam à plebe. Parte dos patrícios aplaudiu a separação, mesmo que Roma ficasse reduzida na sua fortuna; mais importante era livrar-se da plebe. Venceu a outra parte que temia pelo futuro de Roma ante o perigo de falência da sociedade. Os patrícios celebraram acordo como a plebe e esta retornou à urbe. O movimento rebelde rendeu o direito de eleger dois tribunos com o poder de vetar atos ilegais dos magistrados e decisões do senado (470 a.C.). Esse poder incluía a defesa ampla dos plebeus. Pela intervenção do tribuno, cujo número aumentou para dez, o patrício era obrigado a cessar ato físico ou moral ofensivo ao plebeu (intercessio). O tribuno da plebe foi considerado pessoa sagrada, inviolável. Ninguém podia agredir ou matar o tribuno ou lhe cercear a liberdade; quem violasse tal preceito teria os bens confiscados e qualquer pessoa poderia impunemente matar o ofensor. “Nem magistrado, nem particular, tem o direito de fazer qualquer coisa contra o tribuno”.
A seguir, a plebe reivindica – com êxito – o direito de se reunir em assembléia para tratar dos seus peculiares interesses e votar as leis respectivas. As resoluções tomadas no comício (comitia tributa) receberam o nome de plebiscito (plebis scita = ordem da plebe). Na seqüência, a plebe reivindica leis escritas. Pretendia com isto: (1) o prévio conhecimento das leis sem ser surpreendida nas questões cíveis e criminais {no que teve pleno êxito}; (2) margem de liberdade e igualdade em face dos patrícios (no que teve êxito parcial). Houve consenso: o governo seria entregue – como foi – a 10 senadores (decemviros) eleitos pelos comícios com a missão de elaborar o código pleiteado pelo povo e de governar enquanto esse trabalho não fosse concluído. No prazo fixado (um ano) os decemviros apresentaram o código em 10 tábuas. O povo não se mostrou satisfeito com a obra. Foram eleitos novos decemviros, que gostaram do privilégio de administrar Roma. Governaram despoticamente. Ultrapassaram o prazo para elaborar o código. Finalmente, apresentaram o projeto em 12 tábuas que foi aprovado e publicado. Este primeiro código jurídico escrito em Roma recebe o nome de Lex Duodecim Tabularam (“Lei das Doze Tábuas”, 445 a.C.) e constitui o marco da autonomia do direito em relação à religião e à filosofia, ainda que normas sejam inspiradas em valores religiosos e idéias filosóficas. Essa autonomia se caracterizou pelo pragmatismo com que as regras foram estabelecidas e positivadas, por sua fonte estatal, pela base social que as exigiram e pelo poder civil que garantiu a sua vigência e eficácia.     
As três primeiras tábuas referiam-se ao processo judicial: (1) chamamento a juízo com a advertência de que o procedimento deve começar antes do meio-dia (no comício ou no fórum) e não ultrapassar o pôr-do-sol; (2) disposições sobre o depoimento das partes (consignando-se o sacramentum) e a intimação das testemunhas; (3) execução forçada (manus injectio): direito do credor de executar o devedor inadimplente, prende-lo, escraviza-lo ou vende-lo como escravo; se houvesse mais de um credor, o devedor inadimplente podia ser condenado à morte e seu corpo partilhado entre os credores.
As quarta e quinta tábuas referiam-se à família e à sucessão de bens: (1) estabelecia o pátrio poder: os filhos podiam ser vendidos, presos, flagelados, postos em trabalhos rústicos e mortos, ao talante do pai; após ser vendido por três vezes, o filho livrar-se-ia do pátrio poder; se nascido disforme ou monstruoso, o filho devia ser morto imediatamente; (2) tutela das mulheres, dos menores e dos alienados; (3) direito dos filhos sobre a herança dos pais, respeitados os laços civis da agnação (lado paterno) e não da cognação (lado materno); (4) regras sobre o testamento e a petição de herança.
A sexta e sétima tábuas referiam-se aos direitos reais: (1) domínio e posse dos bens móveis e imóveis; (2) criação do nexum e do mancipium por meio de palavras sacramentais a serem pronunciadas pelos contratantes; (3) aquisição do poder marital sobre a mulher; (4) autorização à mulher para ausentar-se três noites consecutivas do domicílio conjugal (trinoctium) a fim de interromper a posse do marido sobre ela; (5) vedação aos estrangeiros de adquirir bens pertencentes a cidadão romano; (6) regras sobre a propriedade dos edifícios, sobre construções, campos, jardins, plantações e vizinhança; (7) garantias para circulação da charrua (tipo de arado) e para defesa contra danos provenientes das chuvas.
A oitava tábua cuidava dos delitos e das penas: (1) cominava pena de morte aos ultrajes públicos difamatórios; (2) mantinha a pena de talião: olho por olho, dente por dente, braço por braço; (3) punia o dano e o roubo; (4) quem prestasse falso testemunho era lançado do alto de uma rocha denominada tarpeia; (5) o dano causado por um animal devia ser indenizado pelo respectivo dono.
A nona tábua cuidava do direito público (de jure publico): (1) proibia propor lei de caráter pessoal; (2) estabelecia a pena de morte ao juiz ou árbitro que recebesse propina para sentenciar; (3) permitia ao condenado apelar ao povo.
A décima tábua versava sobre o direito sagrado (de jure sacro): (1) inumação dos mortos e cerimônias fúnebres; (2) proibição às mulheres de gritar imoderadamente e maltratar as próprias faces nas suas lamentações; (3) ouro algum podia ser enterrado com os mortos, salvo os contidos nos dentes; (4) nenhum sepulcro podia ser adquirido por usucapião.
A décima primeira tábua proibia o casamento entre patrícios e plebeus. A décima segunda tábua regulava: (1) a cobrança de certas dívidas; (2) a ação judicial contra o senhor do escravo que praticasse furto.

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