Roma (continuação).
Os usos e costumes vigoram
paralelamente ao direito escrito. A filosofia grega, mormente o estoicismo,
teve influência capital no direito romano e elevou a jurisprudência ao seu
apogeu. Após a queda de Roma, Justiniano, governante do império romano do oriente de feição bizantina, providenciou a
codificação do direito romano para orientar juridicamente o seu povo e o seu
governo (527 d.C.). Essa obra colossal recebeu o nome de Corpus Juris Civilis que se divide em quatro partes: (1) Institutas
(institutiones), compêndio dos livros
de autoria dos jurisconsultos destinado aos estudantes com a síntese dos
elementos fundamentais do direito; (2) Digesto (digestum), repositório do direito público e privado composto dos
fragmentos extraídos dos textos produzidos pelos jurisconsultos; (3) Código (codex), coleção de leis de superior
hierarquia denominadas constituições
imperiais e de outras leis selecionadas de menor hierarquia, todas
expedidas até o governo de Justiniano inclusive; (4) Novelas (novellae), conjunto de novas
constituições imperiais expedidas após a publicação das obras anteriores;
tratam do direito eclesiástico, do direito público e privado. As constituições
imperiais prevaleciam sobre leis, plebiscitos e senatus consultum.
A atividade literária, artística
e científica dos romanos foi modesta e pouco original. Na fase final do
império, verificou-se estagnação cultural. As religiões orientais degradaram o
intelecto e esterilizaram a criatividade. A forma prevaleceu sobre o conteúdo;
retórica estéril e artificial. Escritor e orador talentoso, além de estadista
que ocupou cargos no alto escalão da república (questor, pretor urbano,
cônsul), Marco Túlio Cícero produziu várias obras de inestimável valor
intelectual e estilístico: discursos, tratados de filosofia e de retórica,
poesias e cartas (81 a
44 a.C.).
Os estudantes de direito da cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, na
década de 1960, costumavam recitar de memória o início do primeiro dos quatro
discursos proferidos por Cícero no Senado em que acusava Catilina de conspirar
contra a república: Quousque tandem
abutere Catilina patientia nostra? “Até quando Catilina, tu abusarás da
nossa paciência?”. Outros trechos eram menos citados: Non sentis tua consilia patere? “Não percebes que os teus planos
estão patentes?”. O tempora! O mores!
Senatus intellegit haec consul videt tamem hic vivit. Vivit? Immo vero etiam
venit in senatum fit particeps consillii publici notat et designat
oculis unumquemque nostrum ad caedem. “Ó tempos! Ó costumes! O senado sabe
estas coisas, o cônsul as vê, contudo este vive. Vive? Além disto ainda vem ao
Senado, participa da deliberação pública, aponta e designa com os olhos a cada
um de nós para a morte”. Nos outros discursos, Cícero mantém a veemência: Tandem aliquando, Quirites, L. Catalinam
furentem audácia scelus anhelantem pestem patriae nefarie molientem vobis atque
huic ferro flammaque minitantem ex urbe vel eiecimus vel emisimus vel ipsum
agredientem verbis prosecuti sumus. “Até que enfim, ó romanos, ou
expulsamos da cidade Lúcio Catilina, que se enfurecia de audácia, que respirava
o crime, que maquinava sacrilegamente a ruína da pátria, ameaçando-nos e a esta
cidade com o ferro e com a chama, ou deixamos sair, ou o perseguimos com
palavras para que saia.” No quarto discurso, Cícero encerra o libelo como fiel
servidor da república: Habetis enim eum
consulem qui et parere vestris decretis non dubitet et ea quae statueritis
quoad vivet defendere et per se impsum praestare possit. “Tendes efetivamente
um cônsul tal que não só não duvida obedecer aos vossos decretos mas também
pode defender e cumprir por si próprio enquanto viver aquilo que
estabeleceres.” {O cônsul aí citado é ele mesmo}.
Grande expoente do direito,
orador inflamado, Cícero despertou admiração e ódio. Os opositores lançaram o
seu nome na lista dos proscritos. Sexagenário, Cícero sai de Roma. Os sicários
de Marco Antônio localizam-no, tiram-lhe a vida, decepam-lhe as mãos e a cabeça
e as trazem para Roma. Marco Antonio percebeu que daquela cabeça não podia
captar o fulgor da inteligência e da palavra. Deu a Fúlvia, sua esposa, o
troféu macabro (43 a.C.).
Nos estertores da república, a
camada superior da sociedade romana passou a falar e escrever em grego e versar
para o latim textos helenísticos. Plauto e Terêncio imitaram comédias gregas e
sátiras sociais. Plauto, de origem humilde, comprazia-se em ridicularizar os
costumes dos patrícios. Catulo é considerado um dos maiores poetas de todos os
tempos. {Certamente, esta a origem do nome Catulo
da Paixão Cearense, poeta e compositor brasileiro}. O Catulo romano compôs
poemas de amor que descreviam sentimentos torturados que nutria pela esposa
infiel de um político da época. Republicano, Catulo escreveu sátiras tendo por
alvo as pretensões demagógicas de Pompeu e César. A fase imperial foi mais
fecunda do ponto de vista artístico e intelectual quando a filosofia entrou em
evidência (27 a
200 a.C.).
Horácio serve-se da filosofia em temas sobre a vida, combinando a bravura
estóica com o prazer epicurista: “sê forte na desgraça / encara a dor / com
fronte altiva / mas quando a rajada / soprar também favorável / sê não menos
prudente / e governa bem o teu barco” (“Odes”).
Virgílio também se deixa levar
pelo espírito filosófico. Na “Eneida”, sua obra mais famosa, narra os trabalhos
e os triunfos do império romano, suas tradições gloriosas e seu destino
magnífico. Virgílio inclui na citada obra a lenda sobre a fundação de Roma que
se tornou mundialmente conhecida e muitas vezes tomada como verdade histórica.
Por ocasião da guerra, o sacerdote Enéas
foge de Tróia para o reino de Latinus,
às margens do Rio Tibre, na península italiana. Enéas casa com a filha desse
rei e batiza o povo de latino em
homenagem ao sogro. Arcanus, filho de
Enéas, funda a cidade de Alba Longa, que se torna a capital do Lácio. No
terceiro século depois da fundação, Amulius destrona o seu irmão mais velho
Numiter e obriga a filha deste, Rea Sílvia, a ingressar na Ordem das Virgens
Vestais com o objetivo de impedir a sobrinha de gerar herdeiro do trono. O deus
Marte rouba a virgindade de Rea e gera filhos gêmeos: Rômulo e Remo. Amulius
coloca os sobrinhos netos em um cesto e os lança no Rio Tibre. O cesto encalha
ao pé do Monte Palatino. Os gêmeos são encontrados por uma loba que os amamenta
e depois por pastores que os criam. Na idade adulta, os gêmeos destronam
Amulius e recolocam Numiter no trono. Os dois resolvem fundar uma cidade junto
ao Monte Palatino, local onde a loba os salvou. Por sorteio, Rômulo se torna o
primeiro rei da cidade que recebe o nome de Roma.
Com um arado, ele traça os limites da urbs,
ritual religioso que torna sagrado o local. Remo desafia o irmão e rompe os
limites sagrados. Rômulo mata-o. Este primeiro rei organiza a cidade. Para
povoá-la, ele planeja e promove o rapto das mulheres sabinas. Graças à
intercessão das mulheres, latinos e sabinos celebram a paz e combinam
matrimônios recíprocos. Dessa aliança surgem os quirites como ficaram conhecidos os habitantes de Roma.
Ovídio, poeta elegíaco de tendências cínicas e
individualistas, reflete em seus sagazes e brilhantes trabalhos o gosto
dissoluto do seu tempo. Tito Lívio, hábil estilista, escreve a “História de
Roma”. O elegante Petrônio trata de aspectos insignificantes da vida, sem o
propósito de instruir ou nobilitar o espírito, mas sim o de contar história
divertida e tornear frases. O satírico Juvenal, influenciado pelo estoicismo,
criticava os vícios dos seus contemporâneos. Tácito, famoso historiador romano,
descreveu os fatos da sua época. Deu prioridade à crítica moral, sem prejuízo
da análise científica. Descreveu um quadro sombrio do caos político e da
corrupção social (Anais e Histórias). Salienta o contraste entre
as virtudes varonis dos antigos germânicos e as atitudes afeminadas dos romanos
decadentes (Germânia). Referindo-se à
“Pax Romana”, coloca na boca de um chefe militar bárbaro este comentário
irônico: “criaram um deserto e chamam a
isso de paz”. Dessa raiz, a expressão utilizada na crônica política: “paz
de cemitério”.
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