sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

FILOSOFIA VIII - C



Roma (continuação).

A filosofia romana é herança grega. O estoicismo e o epicurismo floresceram entre os patrícios e magistrados. Na reflexão filosófica sobre a política romana destacou-se o grego Políbio, nascido em rica família de Megalópolis, educado para ser político (líder da Liga Aqueana). Como historiador, ele escreveu 40 livros aproximadamente, reunidos em obra geral intitulada “Histórias” onde além da veracidade e da objetividade, pretende dar lições a estadistas, generais e pessoas comuns, inclusive sobre moral (200 a 120 a.C.). Políbio se propôs a explicar o fato extraordinário de Roma conquistar quase todo o mundo antigo em apenas 50 anos. Encontra a explicação no modelo constitucional adotado pelo povo romano, no valor pessoal de alguns homens e nas circunstâncias favoráveis. O gênio prático desse povo combinou a monarquia (poderes dos cônsules), com a aristocracia (poderes do senado) e com a democracia (poderes do povo). Essa feliz combinação permitiu a Roma resolver seus problemas internos e externos a contento. {Na era cristã, Montesquieu defendeu a excelência dessa combinação e os constituintes dos EUA colocaram-na em prática: presidente (monarquia), congresso nacional (democracia) e corte suprema (aristocracia)}. Na sua teoria política extraída da experiência histórica, Aristóteles referia-se à lei da degenerescência natural (no curso do tempo, toda matéria se corrompe): monarquia degenera em tirania; aristocracia degenera em oligarquia; democracia degenera em demagogia. A degenerescência vista como lei natural é a representação mental do processo de corrupção peculiar ao mundo da natureza e que ocorre também no mundo da cultura. Políbio admitiu a incidência dessa lei natural mesmo sobre o seu modelo constitucional misto. Neste modelo, maior é a chance de o regime durar, porém a degenerescência ocorreria quando a sociedade atingisse alto grau de prosperidade, assumisse características suntuosas e as magistraturas fossem alvos de disputas acirradas. Dessa degradação resulta a oclocracia (populaça governante).
O grego Panécio de Rodes, introduziu o estoicismo em Roma. O seu discípulo, Posidônio de Apaméia, imprimiu rumo religioso e científico à doutrina (140 a 50 a.C.). Ambos admiravam a autoridade e a grandeza de Roma. Defendiam a tese de que a virtude é insuficiente à felicidade; necessário, também, o vigor, a boa saúde, o bem-estar e o decoro (decência, conduta que reflete a beleza interior). Afirmavam que não basta a enunciação dos princípios, mas que era necessário aplicá-los na organização do estado.
Esse estoicismo mitigado influiu no pensamento de Marco Tulio Cícero, orador, escritor, estadista e autêntico filósofo romano (106 a 43 a.C.). As suas obras principais foram: A República, As Leis e Tratado dos Deveres. Refletiam os ensinamentos de Zenon e Panécio. As suas obras serviram de fonte ao humanismo moral e político da Europa ocidental. Neste particular, notável foi a sua abordagem da lei natural nos seguintes termos: há uma lei sempiterna de justiça acima do estado e dos homens, produto da ordem natural das coisas, passível de ser descoberta pela razão, fonte dos direitos humanos que os governantes devem respeitar. As normas escritas e as consuetudinárias são legítimas quando em harmonia com a lei natural. “Existe uma lei verdadeira, é a razão reta, conforme a natureza, disseminada entre todos os homens, harmoniosa e eterna (...). Essa lei não pode sofrer emendas, nem é lícito revogá-la. O senado, ou o povo, não podem desobrigar-nos de cumpri-la (...). Essa lei não é uma em Atenas, outra em Roma, uma agora e outra depois, mas uma só, eterna e imutável em todas as nações e em todos os tempos; um só deus a ensina e a prescreve a todos (...). Aquele que não obedece a essa lei renega a si mesmo (...).”
Cícero afirmava que, à felicidade, basta a virtude; que a tranqüilidade de espírito é o mais alto bem; que o ideal é ficar, pelo uso criterioso da razão, indiferente à tristeza e à dor. Remando contra a maré, Cícero negava a superioridade do estado e afirmava o valor do indivíduo; o governo do estado resultou de um contrato entre os homens para sua mútua proteção. {A teoria contratual da origem do estado ganha fôlego na Europa do século XVII}. “A coisa pública (res publica) é a coisa do povo e por povo deve entender-se não um conjunto de homens congregados de qualquer forma, mas um grupo numeroso de homens unidos uns aos outros pela adesão a uma mesma lei (juris consensu) e por certa comunhão de interesses (utilitatis communione)”. Nenhuma forma de governo é perfeita; qualquer uma delas (monarquia, aristocracia, democracia) é tolerável se conservar aquele vínculo original. O magistrado, mesmo sendo rei, não é o estado, mas apenas o representa. {Séculos depois, Luis XIV, rei de França, discordaria desse entendimento ao confundir o estado com a sua pessoa: L´État c´est moi}. Como tutor da coisa pública, o magistrado deve cumprir e fazer cumprir as leis, administrar justiça, defender a dignidade e a honra da nação. O magistrado é a lei falante; a lei é o magistrado sem voz. Para que o regime seja estável e duradouro, ao lado de um rei bom, sábio e zeloso, devem atuar magistrados de grande autoridade e um povo com bastante liberdade {constituição mista referida por Políbio}. Cícero pagou com a vida a ousadia de expor e defender suas idéias (brutalmente assassinado por soldados de Marco Antonio).
O estoicismo vigorou no final da república romana e no período imperial. A importância dada ao cumprimento do dever, a autodisciplina, o cosmopolitismo, a sujeição à ordem natural das coisas, sintonizavam o estoicismo com as virtudes e hábitos conservadores dos romanos, apesar de eventual resistência de governantes despóticos e inovadores. Na fase imperial, os expoentes do estoicismo foram Sêneca (03 a.C. a 65 d.C.), Epicteto (60 a 120) e Marco Aurélio (121 a 180). Estes filósofos pregavam o ideal da virtude pela virtude; deploravam a face maldosa da natureza humana; incitavam a ouvir a voz da consciência. Os dois primeiros (Sêneca e Epicteto) incluíram idéias e sentimentos místicos em sua doutrina; divinizaram o cosmos afirmando-o governado por uma providência poderosa que a tudo ordenava visando a um fim superior. Submeter-se à ordem natural era o mesmo que submeter-se a deus. O terceiro (Marco Aurélio) era fatalista e não alimentava esperança. Concebia um universo ordenado e racional, despido de fé e de dogmas. O homem era maltratado pela sorte, mas devia prosseguir vivendo com nobreza, sem indulgência e sem protestos irritados.
Nascido em Córdova, Sêneca mudou-se para Roma ainda jovem e se dedicou à filosofia e à política, ou seja, à contemplação e à ação. Ele era de família abastada e ficou ainda mais rico ao emprestar dinheiro aos habitantes da Grã-Bretanha a altas taxas de juros (agiotagem) enquanto ministro de estado. O imperador Nero lhe ordenou suicidar-se. Sêneca cortou as veias. Segundo esse filósofo, a natureza é imutável, pedra de toque do bem, do verdadeiro, do permanente e do essencial. A igualdade dos homens segundo a natureza e a liberdade da alma são realidades evidentes. Os primeiros mortais seguiam ingenuamente a natureza; um deles servia de guia e de legislador {primitivo estado de natureza que no século XVII Hobbes e Rousseau tomaram como pressuposto das suas teorias}. Governar não era reinar e sim servir; o chefe sabia ordenar e os súditos sabiam obedecer; todos fruíam em comum os bens da natureza, em plena segurança; a riqueza pública a todos pertencia; os campos não eram divididos nem demarcados {idade de ouro}. A avareza, o vicio, a maldade, perturbaram este natural e racional modo de vida. A inocência dos primeiros tempos não se confundia com a virtude dos sábios obtida somente pela educação e prática constante. No diálogo intitulado De Tranquillitate Animi, Sêneca defende a participação do homem nos negócios do estado, ainda que a sua pátria seja o mundo. No diálogo intitulado De Otio ele contrapõe o ócio ao negócio; manifesta preferência pela contemplação. Asfixiada pelos males, a coisa pública está muito corrompida para ser endireitada (“não se lança ao mar navio avariado”). Sêneca refere-se a duas repúblicas: (1) a grande, universal, que congrega homens e deuses; (2) a pequena, a que os homens estão presos pelo nascimento e que compreende apenas um determinado grupo. Alguns prestam serviço às duas repúblicas; outros, somente à grande; outros, só à pequena.
Epicteto era grego. Seu nome significa “o adquirido”. Do tempo em que foi escravo herdou uma perna aleijada e precário estado de saúde pelos maus tratos sofridos. Conquistou a liberdade e começou a lecionar em Roma. Por criticar a tirania de Domiciano, Epicteto foi expulso da cidade juntamente com outros estóicos (90 d.C.). Radicou-se em Nicópolis, parte noroeste da Grécia. O seu estóico pensamento vem exposto em alguns dos seus discursos preservados por seu discípulo Arriano. Ele defende Diógenes, que abordava temas sobre a felicidade e o infortúnio, a sorte e o azar, a escravidão e a liberdade. Na opinião dele, tratar desses temas importava mais do que tratar da riqueza, do lucro, da paz ou da guerra. A filosofia é a mais excelsa das políticas por cuidar do interesse de todos os homens. A filosofia ensina o homem a buscar a felicidade no interior de si mesmo, pois ela não se encontra no corpo, na riqueza e nem na autoridade. O homem não deve ter por senhor outro homem; o senhor de cada um é a vida e a morte. Vontade bem dosada e bom uso das nossas representações são os nossos verdadeiros bens. Na cidade dos bons cidadãos, a doutrina dos epicureus contrária ao matrimônio, à paternidade e à política é perniciosa e deletéria.

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