Roma (continuação).
A filosofia romana é herança
grega. O estoicismo e o epicurismo floresceram entre os patrícios e
magistrados. Na reflexão filosófica sobre a política romana destacou-se o grego
Políbio, nascido em rica família de Megalópolis, educado para ser político
(líder da Liga Aqueana). Como historiador, ele escreveu 40 livros
aproximadamente, reunidos em obra geral intitulada “Histórias” onde além da
veracidade e da objetividade, pretende dar lições a estadistas, generais e
pessoas comuns, inclusive sobre moral (200 a 120 a.C.). Políbio se propôs a explicar o fato
extraordinário de Roma conquistar quase todo o mundo antigo em apenas 50 anos.
Encontra a explicação no modelo constitucional adotado pelo povo romano, no
valor pessoal de alguns homens e nas circunstâncias favoráveis. O gênio prático
desse povo combinou a monarquia (poderes dos cônsules), com a aristocracia
(poderes do senado) e com a democracia (poderes do povo). Essa feliz combinação
permitiu a Roma resolver seus problemas internos e externos a contento. {Na era
cristã, Montesquieu defendeu a excelência dessa combinação e os constituintes
dos EUA colocaram-na em prática: presidente (monarquia), congresso nacional
(democracia) e corte suprema (aristocracia)}. Na sua teoria política extraída
da experiência histórica, Aristóteles referia-se à lei da degenerescência
natural (no curso do tempo, toda matéria
se corrompe): monarquia degenera em tirania; aristocracia degenera em
oligarquia; democracia degenera em demagogia. A degenerescência vista como lei
natural é a representação mental do processo
de corrupção peculiar ao mundo da natureza e que ocorre também no mundo da
cultura. Políbio admitiu a incidência dessa lei natural mesmo sobre o seu
modelo constitucional misto. Neste modelo, maior é a chance de o regime durar,
porém a degenerescência ocorreria quando a sociedade atingisse alto grau de
prosperidade, assumisse características suntuosas e as magistraturas fossem
alvos de disputas acirradas. Dessa degradação resulta a oclocracia (populaça governante).
O grego Panécio de Rodes,
introduziu o estoicismo em
Roma. O seu discípulo, Posidônio de Apaméia, imprimiu rumo
religioso e científico à doutrina (140 a 50 a.C.). Ambos admiravam a autoridade e a
grandeza de Roma. Defendiam a tese de que a virtude é insuficiente à
felicidade; necessário, também, o vigor, a boa saúde, o bem-estar e o decoro
(decência, conduta que reflete a beleza interior). Afirmavam que não basta a
enunciação dos princípios, mas que era necessário aplicá-los na organização do
estado.
Esse estoicismo mitigado influiu
no pensamento de Marco Tulio Cícero, orador, escritor, estadista e autêntico
filósofo romano (106 a
43 a.C.).
As suas obras principais foram: A
República, As Leis e Tratado dos Deveres. Refletiam os ensinamentos
de Zenon e Panécio. As suas obras serviram de fonte ao humanismo moral e
político da Europa ocidental. Neste particular, notável foi a sua abordagem da lei natural nos seguintes termos: há uma
lei sempiterna de justiça acima do estado e dos homens, produto da ordem
natural das coisas, passível de ser descoberta pela razão, fonte dos direitos
humanos que os governantes devem respeitar. As normas escritas e as
consuetudinárias são legítimas quando em harmonia com a lei natural. “Existe uma lei verdadeira, é a razão reta,
conforme a natureza, disseminada entre todos os homens, harmoniosa e eterna
(...). Essa lei não pode sofrer emendas, nem é lícito revogá-la. O senado, ou o
povo, não podem desobrigar-nos de cumpri-la (...). Essa lei não é uma em
Atenas, outra em Roma, uma agora e outra depois, mas uma só, eterna e imutável
em todas as nações e em todos os tempos; um só deus a ensina e a prescreve a
todos (...). Aquele que não obedece a essa lei renega a si mesmo (...).”
Cícero afirmava que, à felicidade,
basta a virtude; que a tranqüilidade de espírito é o mais alto bem; que o ideal é ficar, pelo uso
criterioso da razão, indiferente à tristeza e à dor. Remando contra a maré,
Cícero negava a superioridade do estado e afirmava o valor do indivíduo; o
governo do estado resultou de um contrato entre os homens para sua mútua
proteção. {A teoria contratual da origem do estado ganha fôlego na Europa do
século XVII}. “A coisa pública (res
publica) é a coisa do povo e por povo deve entender-se não um conjunto de homens
congregados de qualquer forma, mas um grupo numeroso de homens unidos uns aos
outros pela adesão a uma mesma lei (juris
consensu) e por certa comunhão de interesses (utilitatis communione)”. Nenhuma forma de governo é perfeita;
qualquer uma delas (monarquia, aristocracia, democracia) é tolerável se
conservar aquele vínculo original. O magistrado, mesmo sendo rei, não é o
estado, mas apenas o representa. {Séculos depois, Luis XIV, rei de França, discordaria
desse entendimento ao confundir o estado com a sua pessoa: L´État c´est moi}. Como tutor da coisa pública, o magistrado deve cumprir
e fazer cumprir as leis, administrar justiça, defender a dignidade e a honra da
nação. O magistrado é a lei falante; a lei é o magistrado sem voz. Para que o
regime seja estável e duradouro, ao lado de um rei bom, sábio e zeloso, devem
atuar magistrados de grande autoridade e um povo com bastante liberdade {constituição
mista referida por Políbio}. Cícero pagou com a vida a ousadia de expor e
defender suas idéias (brutalmente assassinado por soldados de Marco Antonio).
O estoicismo vigorou no final da
república romana e no período imperial. A importância dada ao cumprimento do
dever, a autodisciplina, o cosmopolitismo, a sujeição à ordem natural das
coisas, sintonizavam o estoicismo com as virtudes e hábitos conservadores dos
romanos, apesar de eventual resistência de governantes despóticos e inovadores.
Na fase imperial, os expoentes do estoicismo foram Sêneca (03 a.C. a 65 d.C.), Epicteto (60 a 120) e Marco Aurélio (121 a 180). Estes filósofos
pregavam o ideal da virtude pela virtude; deploravam a face maldosa da natureza
humana; incitavam a ouvir a voz da consciência. Os dois primeiros (Sêneca e
Epicteto) incluíram idéias e sentimentos místicos em sua doutrina; divinizaram
o cosmos afirmando-o governado por uma providência poderosa que a tudo ordenava
visando a um fim superior. Submeter-se à ordem natural era o mesmo que
submeter-se a deus. O terceiro (Marco Aurélio) era fatalista e não alimentava
esperança. Concebia um universo ordenado e racional, despido de fé e de dogmas.
O homem era maltratado pela sorte, mas devia prosseguir vivendo com nobreza,
sem indulgência e sem protestos irritados.
Nascido em Córdova, Sêneca
mudou-se para Roma ainda jovem e se dedicou à filosofia e à política, ou seja,
à contemplação e à ação. Ele era de família abastada e ficou ainda mais rico ao
emprestar dinheiro aos habitantes da Grã-Bretanha a altas taxas de juros
(agiotagem) enquanto ministro de estado. O imperador Nero lhe ordenou suicidar-se.
Sêneca cortou as veias. Segundo esse filósofo, a natureza é imutável, pedra de
toque do bem, do verdadeiro, do permanente e do essencial. A igualdade dos
homens segundo a natureza e a liberdade da alma são realidades evidentes. Os
primeiros mortais seguiam ingenuamente a natureza; um deles servia de guia e de
legislador {primitivo estado de natureza
que no século XVII Hobbes e Rousseau tomaram como pressuposto das suas
teorias}. Governar não era reinar e sim servir; o chefe sabia ordenar e os
súditos sabiam obedecer; todos fruíam em comum os bens da natureza, em plena
segurança; a riqueza pública a todos pertencia; os campos não eram divididos
nem demarcados {idade de ouro}. A avareza, o vicio, a maldade, perturbaram este
natural e racional modo de vida. A inocência dos primeiros tempos não se
confundia com a virtude dos sábios obtida somente pela educação e prática
constante. No diálogo intitulado De
Tranquillitate Animi, Sêneca defende a participação do homem nos negócios
do estado, ainda que a sua pátria seja o mundo. No diálogo intitulado De Otio ele contrapõe o ócio ao negócio;
manifesta preferência pela contemplação. Asfixiada pelos males, a coisa pública
está muito corrompida para ser endireitada (“não se lança ao mar navio
avariado”). Sêneca refere-se a duas repúblicas: (1) a grande, universal, que
congrega homens e deuses; (2) a pequena, a que os homens estão presos pelo
nascimento e que compreende apenas um determinado grupo. Alguns prestam serviço
às duas repúblicas; outros, somente à grande; outros, só à pequena.
Epicteto era grego. Seu nome significa “o adquirido”.
Do tempo em que foi escravo herdou uma perna aleijada e precário estado de
saúde pelos maus tratos sofridos. Conquistou a liberdade e começou a lecionar em Roma. Por criticar a tirania
de Domiciano, Epicteto foi expulso da cidade juntamente com outros estóicos (90
d.C.). Radicou-se em Nicópolis, parte noroeste da Grécia. O seu estóico
pensamento vem exposto em alguns dos seus discursos preservados por seu
discípulo Arriano. Ele defende Diógenes, que abordava temas sobre a felicidade
e o infortúnio, a sorte e o azar, a escravidão e a liberdade. Na opinião dele,
tratar desses temas importava mais do que tratar da riqueza, do lucro, da paz
ou da guerra. A filosofia é a mais excelsa das políticas por cuidar do
interesse de todos os homens. A filosofia ensina o homem a buscar a felicidade
no interior de si mesmo, pois ela não se encontra no corpo, na riqueza e nem na
autoridade. O homem não deve ter por senhor outro homem; o senhor de cada um é
a vida e a morte. Vontade bem dosada e bom uso das nossas representações são os
nossos verdadeiros bens. Na cidade dos bons cidadãos, a doutrina dos epicureus
contrária ao matrimônio, à paternidade e à política é perniciosa e deletéria.
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