No mundo da natureza ocorrem mudanças em conseqüência
da lei universal do movimento (ação + extensão + duração). As mutações físicas,
químicas e biológicas obedecem a leis imutáveis cuja existência é um postulado
da ciência, como adverte Norbert Wiener, cientista do século XX (Cibernética e Sociedade. São Paulo,
Cultrix, 1968, p. 189/190). Mutável é a base sobre a qual operam leis
imutáveis. Tudo flui segundo determinações e regularidades da natureza que, captadas
pela mente humana, receberam o nome de “leis” por operação analógica com a
legalidade social. Sucedem-se as estações do ano, as fases da lua, as marés,
mas há o retorno cíclico. No curso de milhões de anos a configuração geológica
do planeta, o clima e a constituição dos seres da natureza sofreram mutações. A
vida animal evoluiu do simples ao complexo até chegar ao organismo humano. Cada
ser vivo passa por mudanças do nascimento à morte. No ritmo da natureza e da
história o ser humano mudou física e mentalmente. No âmbito das partículas há
movimentos que parecem escapar das regularidades do macrocosmo e que deixam os
cientistas atônitos. Nesse microcosmo a ciência identifica várias dimensões e
deslocamentos aparentemente caóticos.
No mundo construído pelo pensamento, pelo sentimento,
pela vontade e pela ação do ser humano também ocorrem mutações. Cuida-se do
mundo da cultura, nível da realidade onde ocorrem os fatos políticos,
econômicos e sociais. Nesse mundo, cuja base física é a Terra, a natureza é
tratada como provedora de bens. Nele, os humanos se relacionam uns com os
outros, ora com amizade, ora com hostilidade, em grupo ou individualmente,
agindo por necessidade, utilidade e interesse. Organizam modos de coexistir e
de conviver.
No mundo cultural as mudanças são mais rápidas do que
no mundo natural. No período de seis mil anos (cosmicamente insignificante) a
humanidade já experimentou vários tipos de organização social, desde o
comunismo primitivo até o capitalismo contemporâneo, desde a gens romana até o
kibutz israelense, desde a escravatura até o sindicato de trabalhadores, desde o
sagrado absolutismo dos faraós até o profano liberalismo do ocidente moderno.
Relações humanas disciplinadas respondem pela
estabilidade e pelo convívio pacífico na sociedade. Essa disciplina compreende
regras vigentes no seio da tribo ou da nação ditadas pela necessidade e pela
utilidade. O caos social é episódico e cessa com a volta da ordem antiga ou com
a implantação de uma nova ordem. No período cultural que recebeu o nome de civilização (estágio de assíduo uso da
escrita, de progresso nas artes, nas ciências, nas instituições políticas,
econômicas e sociais) as regras de caráter obrigatório que disciplinam as
relações humanas constituem a ordem jurídica. Essa ordem reflete valores
acalentados pela nação, ou pelo grupo dominante, ou por ambos quando há
coincidência.
A dinâmica do processo cultural exige certa
plasticidade da ordem jurídica visando a acomodar as mudanças que ocorrem na
sociedade. Em países como Brasil e Alemanha, as normas fundamentais da ordem
jurídica estão lançadas em um documento escrito denominado Constituição. No plano constitucional jurídico há mutações
informais (sem alteração do texto) e formais (com alteração do texto). Como
exemplo das mudanças informais, o jurista Karl Loewenstein cita o controle da
constitucionalidade das leis pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América
do Norte, resultante de uma decisão judicial sem estar previsto na Constituição
escrita (Teoria de la Constitucion. Barcelona, Ariel, 1979, p.145). Como exemplo das mudanças
formais serve a técnica, utilizada no Brasil e em outros países da América
Latina, de modificação do texto pelos parlamentares (reforma democrática), pelo
chefe de governo ou por um grupo dominante (reforma autocrática). Há mudanças
assimiláveis por lei ordinária que o legislador resolve alçar ao nível
constitucional visando a maior eficácia do preceito.
Desde a cultura ancestral rudimentar até a civilização
hodierna, alguns costumes mudaram mais no acidental do que no essencial. Nos
povos onde o conhecimento técnico e científico teve maior desenvolvimento, as
mudanças se mostraram mais velozes (às vezes, dramáticas, quando causaram
desemprego e aflição). Os modernos meios de comunicação social aproximaram os
povos, facilitaram a padronização de costumes e modismos, estimularam o consumo
dos produtos com estes relacionados, incrementaram o comércio, difundiram
informação pelo orbe em tempo real. Desde os anos 30 do século XX, filmes estadunidenses
lançam o modo de vida da nação americana como padrão (american way of life); o ato de beber, fumar e trair inocentado por
uma atmosfera de glamour; a pessoa exaltada por acumular riqueza (o ter mais valioso do que o ser); a violência justificada para
resolver problemas pessoais e sociais. Há povos, entretanto, que conservam os
seus costumes. Entre uma região e outra do planeta ainda há culturas diferentes
e autênticas.
Alguns costumes não sofreram mudanças radicais. A
guerra é atividade antiga que se mantém na época atual (inclusive com o
objetivo econômico de nutrir a indústria de material bélico, enriquecer os seus
donos e aumentar a receita tributária do governo). Da jurássica mania de
brigar, ferir e matar, os humanos não se desvencilharam; a violência está
presente no lar, na escola, no trabalho, no esporte, nas reuniões sociais, nas
ruas; ainda se usa as mãos para estrangular, corda para enforcar, faca, punhal e
arma de fogo para assassinar. Fumar e beber são vícios antigos que permanecem
até hoje e fortalecem a indústria tabagista e a de bebidas alcoólicas cujos
rendimentos empanturram os cofres do Estado, do agente político e do partido. O
consumo de substâncias alucinógenas cresceu na época moderna e enriqueceu os
traficantes de drogas ilícitas. Cultivam-se plantas e criam-se animais para
fins domésticos e para venda, como antigamente; a diferença está nas máquinas, nos
equipamentos, no adubo, na ração e nos métodos empregados. O comércio de
mercadorias e a circulação de dinheiro prosseguem como outrora, facilitados
cada vez mais pelos serviços de correio, telefonia e informática; o escambo é
pouco praticado no mundo contemporâneo. A milenar apropriação do patrimônio
alheio ainda faz parte dos costumes e apresenta alguma sofisticação na idade
contemporânea quando praticada por especialistas públicos e privados.
Conquistar mulher solteira, casada ou viúva para com
ela transar sexualmente é costume antigo que permanece nos dias atuais, com a
diferença de que a mulher ocidental moderna também assume a iniciativa. A mania
de espancar mulher, que vem da época do homem das cavernas, continua nos dias
atuais. A homossexualidade reprimida no passado em países cristãos
escancarou-se na idade contemporânea. A masturbação envergonhada do passado perdeu
a vergonha no presente; considerada exigência orgânica natural, aparece em
filmes tal como as cenas de relacionamento sexual explícito. A cultura física e
os cuidados terapêuticos da idade clássica (Grécia e Roma) aperfeiçoaram-se na
idade contemporânea, mas o proveito continua restrito a uma parcela da
humanidade. O costume de ouvir música e dançar não perdeu o viço e ficou mais
diversificado e massificado. O hábito da leitura sobrevive apesar do rádio,
cinema, televisão e computador. O velho costume de viajar ainda se mantém,
agora com veículos modernos e vias terrestres, fluviais, marítimas e aéreas.
Viaja-se também sem sair do lugar (projeção astral provocada por drogas ou por
técnicas de relaxamento).
Em 513 anos de existência, o Brasil passou pela experiência colonial,
imperial e republicana (1500
a 2013). Em 124 anos de república, o Brasil experimentou
governos autocráticos e democráticos (1889 a 2013). Brasileiros de ambos os sexos e
de variadas idades, profissões e níveis sociais fizeram, no período de 1968 a 1988, passeatas, protestos,
rebelião armada e guerrilha contra a autocracia implantada por lideranças civis
e militares. Pleiteavam a mudança do regime político. Em 2013, os brasileiros
tornaram a sair às ruas das diferentes cidades do território nacional
pleiteando mudanças. Direta ou indiretamente, eles se insurgiram contra os maus
costumes políticos, a má aplicação do dinheiro público, a corrupção
generalizada, o excesso de tributação, o alto custo de vida, a deficiência na
área da educação, da saúde, do transporte e das obras públicas, as fraudes nas
licitações públicas. Mostravam insatisfação com os partidos políticos, com os
vícios da administração pública, com a mentalidade facilitadora de lucros
excessivos. O Legislativo e o Executivo em sintonia com o clamor do povo buscam
soluções adequadas. Compasso de espera. Se houver demora e embromação, o povo
poderá apelar às armas, hipótese que não se afigura utópica nem improvável.
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