sábado, 31 de agosto de 2013

MUTAÇÕES


No mundo da natureza ocorrem mudanças em conseqüência da lei universal do movimento (ação + extensão + duração). As mutações físicas, químicas e biológicas obedecem a leis imutáveis cuja existência é um postulado da ciência, como adverte Norbert Wiener, cientista do século XX (Cibernética e Sociedade. São Paulo, Cultrix, 1968, p. 189/190). Mutável é a base sobre a qual operam leis imutáveis. Tudo flui segundo determinações e regularidades da natureza que, captadas pela mente humana, receberam o nome de “leis” por operação analógica com a legalidade social. Sucedem-se as estações do ano, as fases da lua, as marés, mas há o retorno cíclico. No curso de milhões de anos a configuração geológica do planeta, o clima e a constituição dos seres da natureza sofreram mutações. A vida animal evoluiu do simples ao complexo até chegar ao organismo humano. Cada ser vivo passa por mudanças do nascimento à morte. No ritmo da natureza e da história o ser humano mudou física e mentalmente. No âmbito das partículas há movimentos que parecem escapar das regularidades do macrocosmo e que deixam os cientistas atônitos. Nesse microcosmo a ciência identifica várias dimensões e deslocamentos aparentemente caóticos.  
No mundo construído pelo pensamento, pelo sentimento, pela vontade e pela ação do ser humano também ocorrem mutações. Cuida-se do mundo da cultura, nível da realidade onde ocorrem os fatos políticos, econômicos e sociais. Nesse mundo, cuja base física é a Terra, a natureza é tratada como provedora de bens. Nele, os humanos se relacionam uns com os outros, ora com amizade, ora com hostilidade, em grupo ou individualmente, agindo por necessidade, utilidade e interesse. Organizam modos de coexistir e de conviver.
No mundo cultural as mudanças são mais rápidas do que no mundo natural. No período de seis mil anos (cosmicamente insignificante) a humanidade já experimentou vários tipos de organização social, desde o comunismo primitivo até o capitalismo contemporâneo, desde a gens romana até o kibutz israelense, desde a escravatura até o sindicato de trabalhadores, desde o sagrado absolutismo dos faraós até o profano liberalismo do ocidente moderno.
Relações humanas disciplinadas respondem pela estabilidade e pelo convívio pacífico na sociedade. Essa disciplina compreende regras vigentes no seio da tribo ou da nação ditadas pela necessidade e pela utilidade. O caos social é episódico e cessa com a volta da ordem antiga ou com a implantação de uma nova ordem. No período cultural que recebeu o nome de civilização (estágio de assíduo uso da escrita, de progresso nas artes, nas ciências, nas instituições políticas, econômicas e sociais) as regras de caráter obrigatório que disciplinam as relações humanas constituem a ordem jurídica. Essa ordem reflete valores acalentados pela nação, ou pelo grupo dominante, ou por ambos quando há coincidência.
A dinâmica do processo cultural exige certa plasticidade da ordem jurídica visando a acomodar as mudanças que ocorrem na sociedade. Em países como Brasil e Alemanha, as normas fundamentais da ordem jurídica estão lançadas em um documento escrito denominado Constituição. No plano constitucional jurídico há mutações informais (sem alteração do texto) e formais (com alteração do texto). Como exemplo das mudanças informais, o jurista Karl Loewenstein cita o controle da constitucionalidade das leis pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte, resultante de uma decisão judicial sem estar previsto na Constituição escrita (Teoria de la Constitucion. Barcelona, Ariel, 1979, p.145). Como exemplo das mudanças formais serve a técnica, utilizada no Brasil e em outros países da América Latina, de modificação do texto pelos parlamentares (reforma democrática), pelo chefe de governo ou por um grupo dominante (reforma autocrática). Há mudanças assimiláveis por lei ordinária que o legislador resolve alçar ao nível constitucional visando a maior eficácia do preceito.             
Desde a cultura ancestral rudimentar até a civilização hodierna, alguns costumes mudaram mais no acidental do que no essencial. Nos povos onde o conhecimento técnico e científico teve maior desenvolvimento, as mudanças se mostraram mais velozes (às vezes, dramáticas, quando causaram desemprego e aflição). Os modernos meios de comunicação social aproximaram os povos, facilitaram a padronização de costumes e modismos, estimularam o consumo dos produtos com estes relacionados, incrementaram o comércio, difundiram informação pelo orbe em tempo real. Desde os anos 30 do século XX, filmes estadunidenses lançam o modo de vida da nação americana como padrão (american way of life); o ato de beber, fumar e trair inocentado por uma atmosfera de glamour; a pessoa exaltada por acumular riqueza (o ter mais valioso do que o ser); a violência justificada para resolver problemas pessoais e sociais. Há povos, entretanto, que conservam os seus costumes. Entre uma região e outra do planeta ainda há culturas diferentes e autênticas.
Alguns costumes não sofreram mudanças radicais. A guerra é atividade antiga que se mantém na época atual (inclusive com o objetivo econômico de nutrir a indústria de material bélico, enriquecer os seus donos e aumentar a receita tributária do governo). Da jurássica mania de brigar, ferir e matar, os humanos não se desvencilharam; a violência está presente no lar, na escola, no trabalho, no esporte, nas reuniões sociais, nas ruas; ainda se usa as mãos para estrangular, corda para enforcar, faca, punhal e arma de fogo para assassinar. Fumar e beber são vícios antigos que permanecem até hoje e fortalecem a indústria tabagista e a de bebidas alcoólicas cujos rendimentos empanturram os cofres do Estado, do agente político e do partido. O consumo de substâncias alucinógenas cresceu na época moderna e enriqueceu os traficantes de drogas ilícitas. Cultivam-se plantas e criam-se animais para fins domésticos e para venda, como antigamente; a diferença está nas máquinas, nos equipamentos, no adubo, na ração e nos métodos empregados. O comércio de mercadorias e a circulação de dinheiro prosseguem como outrora, facilitados cada vez mais pelos serviços de correio, telefonia e informática; o escambo é pouco praticado no mundo contemporâneo. A milenar apropriação do patrimônio alheio ainda faz parte dos costumes e apresenta alguma sofisticação na idade contemporânea quando praticada por especialistas públicos e privados.
Conquistar mulher solteira, casada ou viúva para com ela transar sexualmente é costume antigo que permanece nos dias atuais, com a diferença de que a mulher ocidental moderna também assume a iniciativa. A mania de espancar mulher, que vem da época do homem das cavernas, continua nos dias atuais. A homossexualidade reprimida no passado em países cristãos escancarou-se na idade contemporânea. A masturbação envergonhada do passado perdeu a vergonha no presente; considerada exigência orgânica natural, aparece em filmes tal como as cenas de relacionamento sexual explícito. A cultura física e os cuidados terapêuticos da idade clássica (Grécia e Roma) aperfeiçoaram-se na idade contemporânea, mas o proveito continua restrito a uma parcela da humanidade. O costume de ouvir música e dançar não perdeu o viço e ficou mais diversificado e massificado. O hábito da leitura sobrevive apesar do rádio, cinema, televisão e computador. O velho costume de viajar ainda se mantém, agora com veículos modernos e vias terrestres, fluviais, marítimas e aéreas. Viaja-se também sem sair do lugar (projeção astral provocada por drogas ou por técnicas de relaxamento).
Em 513 anos de existência, o Brasil passou pela experiência colonial, imperial e republicana (1500 a 2013). Em 124 anos de república, o Brasil experimentou governos autocráticos e democráticos (1889 a 2013). Brasileiros de ambos os sexos e de variadas idades, profissões e níveis sociais fizeram, no período de 1968 a 1988, passeatas, protestos, rebelião armada e guerrilha contra a autocracia implantada por lideranças civis e militares. Pleiteavam a mudança do regime político. Em 2013, os brasileiros tornaram a sair às ruas das diferentes cidades do território nacional pleiteando mudanças. Direta ou indiretamente, eles se insurgiram contra os maus costumes políticos, a má aplicação do dinheiro público, a corrupção generalizada, o excesso de tributação, o alto custo de vida, a deficiência na área da educação, da saúde, do transporte e das obras públicas, as fraudes nas licitações públicas. Mostravam insatisfação com os partidos políticos, com os vícios da administração pública, com a mentalidade facilitadora de lucros excessivos. O Legislativo e o Executivo em sintonia com o clamor do povo buscam soluções adequadas. Compasso de espera. Se houver demora e embromação, o povo poderá apelar às armas, hipótese que não se afigura utópica nem improvável.  

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