O CORPO A MENTE E O TEMPO
Mens sana in
corpore sano – ideal
romano que aprendi quando cursava o ginásio no Colégio Estadual do Paraná (1950 a 1954). Esse ideal
inspirava nossas aulas práticas de educação física. O frio curitibano era um
desafio. Exigia coragem para entrar naquela piscina de ladrilhos, água límpida
e bem cuidada. Em uma das pontas situavam-se dois baixos trampolins de mola, um
de cada lado; entre eles e a separá-los, erguiam-se duas altas plataformas para
mergulhos ousados, simples ou acrobáticos. No fundo da piscina havia estreitas
e paralelas faixas de ladrilho preto, sentido longitudinal, que serviam de guia
ao nadador. Na quadra coberta e fechada jogava-se vôlei e basquete. Ao ar livre
(quando não chovia) no campo e na pista de atletismo a turma jogava futebol,
arremessava dardo e peso, corria, saltava obstáculos e fazia ginástica. Tudo
sob a orientação e vigilância do professor. Os alunos de melhor desempenho em
cada modalidade esportiva e atlética eram selecionados para representar o colégio
nas olimpíadas estudantis. Os maristas
(Colégio Santa Maria) eram nossos mais temíveis adversários. Nas arquibancadas,
alegre e jovial agitação das torcidas.
Ao pleno desenvolvimento do corpo segue-se a
degenerescência. Com a passagem do tempo o desgaste se faz notar. Para os
ativos, os dias se sucedem com rapidez; para os inativos, os dias são
pachorrentos e nostálgicos. Visão e audição perdem acuidade, braços e pernas
perdem agilidade, lembranças embaralhadas, assuntos repetidos. A dificuldade em
extrair o material depositado na memória atrapalha a associação típica do
pensar. Nessa fase, a lucidez procede mais da intuição do que do raciocínio. O
processo intuitivo dispensa as intermediárias operações da inteligência; a
percepção é direta e imediata.
A lei brasileira considera idosa a pessoa com idade
igual ou superior a 60 anos. Todavia, sob a lei da natureza e conforme o estado
físico e mental, a pessoa pode se considerar idosa a partir dos 90 anos de
idade. Independente da escolaridade, a pessoa idosa contemplará o passado e o
presente com o filosófico olhar que o tempo e a experiência lhe proporcionaram.
Sofre mais aquele que pretende ser jovem na velhice.
Manter-se jovem de corpo é uma impossibilidade biológica. As leis da natureza
atuam indiferentes aos artifícios humanos. Essa realidade não desmerece os
cuidados da pessoa idosa com o corpo. Ao contrário, mostra-se recomendável o
cultivo de hábitos morígeros como a dieta balanceada no comer e beber;
prover-se de proteínas, sais minerais, cálcio; caminhar e fazer ginástica
regularmente.
Manter-se jovem de espírito é outra impossibilidade e
um engano axiológico. Idade tem o corpo e não o espírito. Juventude não é um
valor e sim um período da vida com suas descobertas e seus malogros. Há jovens
saudáveis e doentes, eficientes e deficientes, honestos e delinqüentes,
ingênuos e ardilosos.
Para cada faixa etária há procedimentos adequados que
trazem saúde e alegria à existência humana, tais como: nutrir pensamentos
construtivos e bons sentimentos, manter a mente ativa, meditar, orar, ouvir
música, cantar, dançar, dedicar-se a alguma arte ou profissão, praticar
esporte, fazer o que gosta se estiver ao seu alcance e a ninguém prejudicar,
transar sexualmente, ver no horizonte o sol surgir do mar e se esconder atrás
da montanha, olhar as ondas se espreguiçando na areia, contemplar as estrelas,
curtir a tempestade, observar os pingos da chuva (como na canção: é de manhã vem o sol / e os pingos da chuva
que ontem caiu / ainda estão a brilhar).
Para o conúbio do ano, recomenda-se ao idoso
heterossexual: (1) preparar-se com seis meses de antecedência {suaves
estimulantes endócrinos, evitar droga forte cujos efeitos colaterais são
desagradáveis como os do viagra}; (2) transar com quem tenha empatia {apesar de
a relação sexual ser animalesca, com carinho fica mais suave}; (3) no dia da
conjunção carnal não se afobar, pois a ansiedade prejudica a ereção; (4) não
ejacular mais de uma vez, pois o excesso pode causar enfarte. Mutatis mutandis, a receita serve também
para os idosos heróicos e felizardos que conseguem transar duas vezes ao ano.
A personalidade anímica (vulgarmente tratada como espírito ou alma) é infensa à ação do tempo; não é jovem, nem velha; está fora
da jurisdição de Cronos. Entretanto, o budismo e doutrinas semelhantes admitem
a influência do tempo no mundo espiritual; ensinam que a personalidade anímica
amadurece vivendo encarnações no decorrer dos séculos; que seres iluminados (Bodhisattva) permanecem na roda das
encarnações para ajudar a humanidade.
“Alma velha, sabedoria acumulada no curso de várias
encarnações” constitui pensamento espiritualista (hinduísta, budista, espírita)
que satisfaz a vaidade de quem pretende ser mais iluminado e evoluído do que o
seu semelhante. Tal pensamento enseja hierarquia. Tal vaidade impulsiona
competição: (i) no seio do grupo, causando cisões; (ii) entre pessoas de
crenças distintas, gerando conflitos; (iii) entre escolas esotéricas, igrejas,
terreiros de umbanda, centros espíritas, alimentando disputas pela posse da
verdade e pelo mercado da fé.
Segundo a escritura cristã, ao perceber competição
entre os apóstolos, Jesus teria dito: o que
entre vós é o maior torne-se como o último e o que governa seja como o servo;
todo o que quiser tornar-se grande entre
vós, seja o vosso servo e todo o que entre vós quiser ser o primeiro seja
escravo de todos (Bíblia, Novo Testamento, Lc 22: 26 + Mc 10: 43/44 + Mt
20: 26/27). Na última ceia antes da crucificação (de acordo com o evangelho, houve
comilança depois da crucificação até o ressurgente subir aos céus) dirigindo-se
aos apóstolos, Jesus teria dado um mandamento específico sobre o amor fraterno
visando a afastar rivalidade entre eles: “Dou-vos
um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim,
também, vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto, todos conhecerão que sois
meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Bíblia, NT, Jo 13: 34/35 +
15: 9). Anteriormente, quando ensinava no templo, Jesus havia reduzido os dez
mandamentos de Moisés a dois apenas: (1) amarás
o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo teu
espírito; (2) amarás teu próximo como
a ti mesmo. Nesses dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas (Bíblia,
NT, Mt 22: 37/40 + Mc 12: 28/34 + Lc 10: 25/27).
Admitindo-se – para fins de argumentação – que a
personalidade anímica passa por um processo evolutivo, verificar-se-á a falta
de instrumento racional para medir-lhe o estágio. A medida importará em
julgamento moral e, neste caso, cabe a advertência do evangelho atribuída a
Jesus: “não julgueis e não sereis
julgados, porque do mesmo modo que julgardes sereis também vós julgados e com a
medida com que tiverdes medido também vós sereis medidos; primeiro tira a trave
de teu olho e depois enxergarás para tirar o argueiro do olho do teu irmão”
(Bíblia, NT, Mt 7:1/5 + Lc 6: 37/42).
Diante da realidade histórica do mundo ocidental,
verifica-se que os preceitos supostamente ditados por Jesus não ecoaram no
espírito daqueles que se intitulam cristãos (católicos + protestantes). O
mandamento do amor fraterno só vigorou entre os apóstolos enquanto Jesus estava
com eles. Depois veio a disputa pela liderança, o choque dos egos e o desfile
das vaidades que permanecem até hoje. No curso da história houve cismas dos
quais resultaram igrejas cristãs rivais. A sede mercadológica no século XX
multiplicou as seitas protestantes e provocou nova corrida do ouro. A
hipocrisia campeia entre os infiéis que se apresentam como fiéis. Da
consciência, porém, o indivíduo não escapa. Possível enganar o outro, mas não a
si próprio. O indivíduo tenta seduzi-la com um manto cravejado de pedras
preciosas, porém a consciência o desnuda na sua essencial transparência.
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