segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

COSTUMES

AMIZADE.

Benefício da rede de computadores: sem que tivéssemos contacto há mais de 25 anos, Lina e Lothar encontraram este blog. Trocamos endereços, telefones e mensagens. Lothar, amigo da saudável boemia dos anos 60, convidou-nos, Jussara e eu, para seu aniversário. Viajaremos alguns quilômetros de Penedo/RJ a Campinas/SP.

No pequeno e primoroso livro “Longe é um lugar que não existe”, o autor, Richard Bach, faz o beija-flor perguntar ao personagem narrador (não identificado no texto): “Podem os quilômetros separar-nos realmente dos amigos? Se quer estar com Rae já não está lá”? O personagem narrador dizia ao beija-flor que estava indo à festa de aniversário da pequena Rae (personagem misteriosa e também não identificada).

Certamente, o personagem se referia à dimensão espiritual da vida. Em espírito, estamos onde estiverem o nosso pensamento e o nosso sentimento. Como diz os versos da canção: o pensamento parece coisa à toa/ mas como a gente voa/ quando começa a pensar/ (Lupicínio Rodrigues). O corpo pode estar presente e a personalidade anímica ausente. Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, ali estarei entre eles, afirmava Jesus, um dos grandes mestres da humanidade. Nós, também, estamos entre aqueles que, afetuosamente e com saudade, nos mantêm na lembrança.

Nas relações humanas, a amizade, ligação afetiva entre pessoas, é uma das expressões do amor universal. A simpatia, a dedicação, o espontâneo respeito, são espécies de amor que ensejam laços de amizade. O amor é o lado afetivo da energia fundamental do universo. Por isso mesmo, manifesta-se de vários modos: atração dos corpos, aglutinação das partículas atômicas, coesão dos átomos, moléculas e células, união e solidariedade dos membros da família, da tribo, da cidade, da nação.

Charles de Gaulle e Harry Truman, quiçá influenciados pelo clima da segunda guerra mundial, afirmavam que entre nações não há amizade, mas apenas interesses. Com a política externa de Truman (1945/1953) começa a guerra (fria e quente) contra o comunismo em todo o orbe. Na história da humanidade, tribos e nações travam guerras, mas também celebram acordos e coexistem pacificamente. O interesse aproxima os povos, inaugura a amizade ou a fortalece. Chefes de Estado apertam as mãos uns dos outros. Flores são colocadas pela nação visitante em monumentos da nação visitada. Em olimpíadas e torneios esportivos as nações se confraternizam. O interesse econômico pode gerar tanto a amizade como a inimizade.

Entre as pessoas naturais não é diferente. Há entre elas amizade e inimizade, mesmo que sejam parentes. A inimizade pode resultar das diferenças que se reputam inconciliáveis nas crenças religiosas, nas ideologias políticas, nos valores morais, na particular visão de mundo. A ruptura da amizade decorre eventualmente da rejeição a crítica construtiva ou destrutiva, do comentário desairoso, da ofensa imperdoável, da humilhação imposta, da atitude indecorosa ou preconceituosa, do vício adquirido. A amizade esmaece pelo distanciamento ou pela falta de reciprocidade na estima, na dedicação e no respeito. Como o suave sopro reaviva a brasa encoberta pela cinza, assim também, um toque delicado e atencioso desperta a amizade adormecida. Ao contrário do amor universal, incondicional e infinito, a amizade é relação afetiva bilateral, condicionada no tempo e no espaço. Com a morte, cessa a amizade. Em vida, a amizade se esvai por cortes nas artérias sociais e psicológicas. Ascensão social ou declínio social do indivíduo pode arrefecer amizades antigas. A inveja, a falsidade, o rancor, são agentes corrosivos da amizade. Apesar disto, o reconhecimento de virtudes no invejoso, no hipócrita, no rancoroso, pode manter a amizade no limite do suportável.

No curso da minha existência experimentei distanciamentos. Se, com saudade e afeição, ainda lembro das pessoas, é sinal que continuo a estimá-las. Passei pela vida de milhares de pessoas: esposa, filhos, irmãos, mãe, pai, parentes, vizinhos, colegas, jurisdicionados, clientes, alunos, leitores e tantas outras que sentiram os efeitos do meu temperamento, das minhas idéias, crenças, ações, omissões e decisões. Obtive o assentimento e a tolerância de algumas dessas pessoas; de outras, não. Pela minha vida, muitas pessoas passaram, mas nem todas deixaram marcas doces ou amargas. Tive amigos de ambos os sexos, mais velhos, mais novos e da mesma faixa etária. Credite-se à malícia o aforismo de que não pode existir amizade entre homem e mulher. Embora poucas, tive duradouras e sinceras amizades com meninas, moças e mulheres adultas, desde a minha infância até a maturidade, sem apelo à sensualidade; poucas, também, foram amizades sinceras e duradouras com meninos, moços e homens adultos. Relações amistosas predominaram no meu viver, próprias da fraternidade e da harmonia desejável na família, na comunidade, na escola, na atividade profissional, na sociedade. Quanto às relações sociais rotineiras, pousam na memória ou repousam no inconsciente, sem relevo na alma.

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