sábado, 30 de outubro de 2010

POLÍTICA

ELEGIBILIDADE.

Em política, elegibilidade significa o conjunto de requisitos a ser satisfeito por quem almeje candidatar-se a cargo eletivo. Elegível é quem preenche – e inelegível quem não preenche – esses requisitos. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, os requisitos positivos são: nacionalidade, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral, filiação partidária, idade mínima, alfabetização, vida pregressa idônea. Os requisitos negativos são: não ser cônjuge ou parente de chefe de governo no território da jurisdição do titular; não influir nas eleições mediante poder econômico e/ou abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública (CF 14, §§ 3º/9º). A lei complementar 64/1990, especifica os casos gerais de inelegibilidade para qualquer cargo e os casos especiais para chefia de governo e membro do legislativo nas esferas federal, estadual e municipal. Essa lei foi alterada pela lei complementar 135, de 04/06/2010, de iniciativa popular, cognominada “lei da ficha limpa”, cujo objetivo é proteger a probidade na administração pública e a moralidade no exercício do mandato político. A LC 135 estabelece hipóteses de inelegibilidades, entre as quais destaco: (1) representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, por abuso do poder econômico ou político; (2) condenação por decisão transitada em julgado ou por decisão de órgão colegiado: (a) pela prática dos crimes especificados no seu art. 2º (b) por corrupção eleitoral (c) por ato de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito; (3) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos e funções públicas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; (4) renúncia a mandato apresentada por chefes de governo ou membros do legislativo nas respectivas esferas federal, estadual e municipal, a partir do oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por violação a dispositivo constitucional ou de lei orgânica municipal. Compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as argüições de inelegibilidade.

CASO DE INELEGIBILIDADE.

O senhor Jader Barbalho, político do Estado do Pará, depois de renunciar ao mandato de senador para escapar de processo por falta de decoro parlamentar, voltou a se candidatar para o senado da república. Envolvido em processos judiciais por negócios escusos, Barbalho garantiria sua impunidade por mais 8 anos, caso fosse eleito. O Tribunal Regional Eleitoral do Pará concedeu-lhe o registro da candidatura. O Tribunal Superior Eleitoral – TSE aplicou a LC 135 às eleições de 2010, reformou o acórdão regional, declarou o candidato inelegível e cancelou o registro da candidatura. Barbalho recorreu ao Supremo Tribunal Federal - STF, pleiteando a reforma da decisão do TSE e a validade do registro da candidatura.

QUESTÃO JURÍDICA.

A constitucionalidade da LC 135/2010 foi questionada porque o seu projeto não retornou à Câmara dos Deputados após ter sido modificado no Senado Federal. Metade dos membros do STF entendeu desnecessário o retorno, pois a emenda ao projeto fora de simples redação sem modificar a substância das normas. Destarte, não pesava sobre a lei o vício de inconstitucionalidade. A outra metade entendeu que a lei era inconstitucional, pois a nova redação introduzida pela emenda ao projeto alterou a eficácia das normas no tempo. Alterado em ponto substancial, o projeto devia retornar à Câmara dos Deputados, como exige o processo legislativo regulado na Constituição.

Questionou-se, depois, a eficácia imediata da LC 135/2010, se compatível ou incompatível com o artigo 16, da Constituição Federal. Essa norma constitucional estabelece que, se alterar o processo eleitoral, a lei nova será aplicável a qualquer eleição somente depois de um ano da data da sua vigência. O TSE, por maioria dos seus membros, decidiu que a LC 135 não alterou o processo eleitoral e por isso era aplicável às eleições de 2010. Submetida a questão ao STF, novo empate: metade dos seus membros entendeu que a lei é inaplicável às eleições de 2010, porque alterou o processo eleitoral e a excepcional vacatio legis ainda não se esgotara.

SOLUÇÃO.

Diante do novo impasse criado pelo empate, na sessão do dia 27/10/2010, o STF decidiu não mais protelar a solução da controvérsia. Ficaram vencidos os votos para suspender o processo até nomeação de um novo ministro para preencher a vaga existente. O voto do 11º ministro desempataria, mas criaria um problema jurídico: o voto de desempate cabe ao presidente do tribunal e não ao ministro mais novo. O empate ocorreu com o voto do presidente. Novo julgamento teria de ser realizado com a presença e o voto de 11 ministros. O tribunal resolveu não esperar. A nomeação poderia demorar. A urgência e a importância do caso exigiam solução imediata.

Sobraram dois caminhos alternativos: desempatar, pelo voto de qualidade do presidente do tribunal, ou superar o impasse mediante outros critérios jurídicos.

O primeiro caminho ficou obstruído: o presidente do tribunal esquivou-se ao voto de desempate porque já votara sobre a matéria. Duas vezes votaria se utilizasse o voto de Minerva. Isto não soou bem à sua consciência. A recusa brotada do seu foro íntimo traz fortes tintas de nobreza ética e sensibilidade jurídica. Emite-se o voto de Minerva quando ímpar o número de membros do colegiado. O STF está com número par e assim continuará até o preenchimento da vaga.

O segundo caminho comporta duas soluções: uma favorável ao candidato e outra favorável ao acórdão do TSE; ambas por aplicação analógica de dispositivos regimentais.

Na hipótese de julgamento de habeas corpus em sessão plenária do STF, se houver empate, proclama-se a decisão mais favorável ao paciente (RISTF 146, p.u.). Da aplicação analógica deste preceito resultaria o provimento do recurso extraordinário e o conseqüente restabelecimento do registro da candidatura do recorrente. A eleição de Barbalho seria válida.

Na hipótese de julgamento de mandado de segurança contra ato do presidente do tribunal, se houver empate, prevalecerá o ato impugnado (RISTF 205, II). Da aplicação analógica deste preceito resultaria o improvimento do recurso. O acórdão do TSE ficaria mantido, o registro da candidatura cancelado, a eleição anulada e o candidato inelegível pelo prazo legal.

Por 7 votos a 3, vencidos os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, o STF decidiu adotar a segunda solução, sugerida pelo ministro Celso de Mello: prestigiar a decisão do TSE.

Certa vez, o primeiro Galotti, ministro do STF, afirmara que a aplicação do direito positivo se resume à lógica e ao bom senso. Realmente, se lembrarmos que a lógica tem caráter racional e o bom senso tem caráter intuitivo, concluiremos que a arte jurisprudencial consiste em combinar os dois: ciência e consciência. Essa arte há de ser fiel à realidade social e considerar a inteireza física, moral, intelectual e espiritual do ser humano em suas interações.

DEBATE ENTRE OS MINISTROS.

A discussão no STF foi longa, acalorada e com lances agressivos. Quando a matéria debatida no processo judicial é de natureza política, o clima emocional é inevitável. O debate não se limita ao enfoque jurídico. O Poder Judiciário, como poder do Estado, tem natureza política e função pacificadora: declarar o direito, controlar a constitucionalidade das leis, solucionar as controvérsias com independência e justiça servindo-se das normas legais, da analogia, dos costumes e dos princípios gerais. A função judicial é incompatível com a política partidária. O magistrado deve manter eqüidistância na luta entre os partidos. Cada magistrado tem a sua própria visão de mundo. Com maior ou menor sensibilidade aos problemas sociais, o magistrado filia-se a doutrinas políticas e a sistemas econômicos. Há juízes liberais e outros deterministas; holísticos uns, cartesianos outros; democratas e autocratas. Como cidadãos da república, há juízes simpáticos aos partidos da situação e outros aos partidos da oposição. No processo judicial, a formação do juiz pode ser decisiva. Desastroso para a sociedade, quando há deformação do juiz: simpatia por gatunos de alto coturno. A Constituição abriga princípios e regras de cores ideológicas distintas, resultantes do acordo entre as diversas correntes do pensamento e da prática política atuantes na Assembléia Nacional Constituinte. Isto permite navegar de uma posição à outra, conforme os ventos que sopram na sociedade, a força da opinião pública, o poder de persuasão dos lobbies, a formação ou deformação do juiz.

VOTOS PERDIDOS.

Durante os trâmites processuais em 2010, Barbalho concorreu ao cargo de senador da república e venceu o pleito com mais de 1.700.000 votos. Grande parcela do povo do Estado do Pará, portanto, votou em candidato inelegível. Essa parcela assumiu o risco de perder o voto, pois a sociedade paraense estava ciente da impugnação ao registro do candidato. Após pronunciamento popular daquela magnitude e apesar do lastro constitucional e legal da decisão do TSE e do STF, seria de lamentar a anulação dos votos se o cargo eletivo fosse estadual, tendo em vista ser, o povo, a fonte de todo poder. Entretanto, o cargo de senador é federal. O eleito representará não apenas o povo do Pará, nem só o corpo eleitoral brasileiro (135 milhões de eleitores), mas toda a nação brasileira (200 milhões de pessoas). Isto considerado, não há o que lamentar. A corrupção que envolve esse candidato é notória. Certamente, a nação brasileira não gostaria de ver essa pessoa no senado da república. O povo brasileiro se pronunciou através dos seus representantes institucionais na esfera judiciária (TSE e STF): todo poder (legislativo, executivo, judiciário) emana do povo e é exercido por seus representantes (CF 1º, p.u.). Qualifica-se como representante institucional do povo quem se investe legitimamente em um dos poderes do Estado. A investidura legítima ocorre mediante concurso público (eleição popular ou provas) e, em alguns casos, por livre escolha do chefe de governo e aprovação do senado da república, nos termos da Constituição.

CORONELISMO.

A realidade social, econômica e política da região Norte e Nordeste do Brasil, exibe condições feudais, como no Estado do Pará, do senhor Jader Barbalho, no Estado do Maranhão do senhor José Sarney, no Estado de Alagoas, da família Collor de Mello, no Estado da Bahia, da família Magalhães. Ao assumirem funções legislativas ou executivas na esfera federal, esses personagens trazem consigo a mentalidade feudal e tratam os negócios de estado e de governo como assuntos paroquiais. Servem-se do erário em benefício privado, sem qualquer cerimônia. Obtêm concessões do governo, fundam emissoras de rádio e televisão e constroem impérios em seus feudos. Daí a submissão dos habitantes locais, apesar dos desvios de conduta dos coronéis. Patriarcas, matriarcas e parentela dispõem de reservas de eleitores bem cevados.


Nenhum comentário: