terça-feira, 1 de abril de 2008

Quadrilha

Indalécio Garanhuns, Alceu Cubano, Genuíno Cajueiro, Silvério Rural, Conúbio Menzoloto, todos brasileiros, salteadores, residentes nos endereços A, B, C, D, E, portadores das cédulas de identidade 171, 288, 312, 317 e 333, expedidas pelo IFP, inscritos no CPF/MF sob nº 1,2,3,4,5, respectivamente, concertam nesta data e local a fundação de uma quadrilha de ladrões, com sede em Brasília, setor X, quadra Y, que funcionará por tempo indeterminado. Para garantia de todos, o líder integrará o quadro dos sócios ocultos e o seu nome só poderá ser revelado após o ano 2050. Se algum sócio for entrevistado ou chamado a prestar depoimento judicial ou extrajudicial, negará qualquer prática ilícita. Na remota hipótese de ficar obrigada a prestar contas à Justiça, a quadrilha será representada pelo sócio Alceu Cubano. Todos os sócios, aparentes e ocultos, gozam dos mesmos direitos. A quadrilha ora organizada tem por objetivo lesar cofres públicos, fraudar licitações públicas, obter junto a empresas públicas e privadas numerário para apoiar candidaturas e reforçar o caixa de partidos políticos, colocar agentes em postos estratégicos da administração pública, comprar votos de parlamentares e decisões de magistrados, alugar opinião de profissionais da imprensa, além de outros objetivos compatíveis com a sua natureza. As vantagens obtidas serão distribuídas entre os sócios na forma do costume. Os sócios indicarão as pessoas que receberão os recursos e os canais a serem percorridos no país e no exterior. Os recursos não serão contabilizados, os pagamentos serão em dinheiro, o recebedor será identificado mediante senha e não haverá recibos. Em caso de conflito entre os sócios, recorrer-se-á à arbitragem de um tribunal de ética e decoro. Fica proibido o uso de armas para resolver controvérsia entre os sócios. Na hipótese de envenenamento, será escolhido o produto que cause menos sofrimento ao paciente. Será terceirizado o serviço para provocar acidente, invadir privacidade e similares. O presente contrato produzirá efeito após registro no cartório das pessoas jurídicas. Fica eleito o foro de Brasília para dirimir desavenças oriundas deste contrato. Brasília, 7 de setembro de 2002.

Aí está, em linhas gerais, o escorço de um contrato que serviria de prova da existência de quadrilha (materialidade do delito). No caso “mensalão”, se não aparecer um contrato como esse, os acusados serão absolvidos. Certo? Errado. A experiência ensina que os bandidos não se organizam em quadrilha mediante contrato escrito. Prevalecem o trato verbal, o consenso tácito e o vínculo fiduciário. O propósito de cometer crimes está implícito na decisão de se associar e explícito no modus operandi. Para configurar quadrilha não há, sequer, exigência de que sejam praticados crimes, efetivamente. No inquérito parlamentar do caso “mensalão”, tanto o vínculo entre os agentes como o modus operandi vieram demonstrados por depoimentos, documentos, gravações e exames periciais que convenceram a opinião pública. Emissoras de TV, jornais e revistas contribuíram para a transparência dos trabalhos da CPI. O STF acertou ao receber a petição inicial, até porque estava em julgamento o aspecto formal e substancial da denúncia (peça técnica) e não a responsabilidade dos denunciados, o que só ocorrerá na última etapa do processo.

Entre os vários significados da palavra quadrilha estão o de coreografia própria das festas juninas, o de turma de gente e o de bando de salteadores. Estes dois últimos significados interessam ao direito penal. A lei considera crime associarem-se 4 ou mais pessoas (turma de gente), em quadrilha ou bando, para cometer crimes. Cuida-se de agregado ilegal de pessoas que não se confunde com a associação de direito disciplinada na lei civil. A organização pode ser rudimentar, almejar estabilidade e ter uma chefia que planeja, comanda e distribui tarefas. Inexiste vínculo jurídico que obrigue o bando a permanecer unido. Freqüentemente, há dissidência motivada pela ambição, pela indisciplina, pelo descontentamento, pela disputa de comando entre outras causas. Pode existir sociedade de direito que oculta fins criminosos mediante estatutos legalmente registrados dos quais constam objetivos lícitos, tais como: compra e venda de bens (combustíveis, automóveis, imóveis) operações no mercado de capitais, serviços de consultoria, de publicidade e assim por diante.

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