quinta-feira, 10 de abril de 2008

Constituição vilipendiada

Ministro de Estado ou titulares de órgãos diretamente subordinados à presidência da República têm o dever de comparecer à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal ou a qualquer de suas Comissões, para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado (CF 50). A Constituição determina a convocação – não o convite – do ministro ou do agente administrativo. Ao Legislativo não cabe substituir o ato de autoridade (convocar) por um ato de cortesia (convidar). Quando um ministro diz que tem coisa mais importante a fazer do que comparecer ao Legislativo, menoscaba a instituição parlamentar. Por receberem verbas, cargos e favores do Executivo, os parlamentares ficam em posição subalterna e são tratados com desprezo (até pelo povo). Convidar ao invés de convocar, demonstra subserviência. Isto significa que os parlamentares têm autoridade constitucional mas falta-lhes autoridade moral.

O duelo entre governistas e oposicionistas no âmbito da CPI (mista) dos cartões corporativos é mais um fato que dá razão ao senador Garibaldi Alves Filho em seu depoimento à revista Veja. O interesse privado e o jogo partidário prevalecem sobre o interesse público na apuração dos fatos. Há necessidade da intervenção do Ministério Público para investigar os fatos que tipificam crimes contra a administração pública e que a maioria dos membros da CPI (mista) se esforça para ocultar. O inquérito, a propositura da ação penal e o procedimento preliminar de recebimento ou rejeição da denúncia independem de licença da Câmara dos Deputados. Se o juízo de admissibilidade da ação penal for positivo, o STF solicitará licença para instaurar o processo contra o agente do Executivo. Obtida a autorização, o relator mandará citar o agente. Com a citação válida, instaura-se o processo criminal. Negada a autorização, o relator determinará o arquivamento ou enviará os autos à primeira instância, onde o processo será instaurado quando não mais subsistir o óbice constitucional (CF 102, I, b; 51, I; 86).

Salvo disposição expressa da Constituição, sigilo algum pode obstar investigação do Ministério Público, ou do Legislativo, no âmbito da administração pública. A lei não pode se sobrepor à Constituição, mormente decreto expedido no período autocrático. A legislação de origem autocrática incompatível com o novo regime democrático inaugurado em 1988, fica fora do ordenamento jurídico. Daí o Supremo Tribunal Federal afastar dispositivos da lei de imprensa, em recente julgamento, como, certamente, afastará dispositivos da lei orgânica da magistratura. Vige, na república democrática, a regra da publicidade e da moralidade dos atos dos governantes e demais servidores. Ao Ministério Público cabe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF 127). Ao Congresso Nacional cabe fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo. Mediante controle externo e com auxílio do Tribunal de Contas, o Poder Legislativo exerce a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, sob os critérios da legalidade, legitimidade e economicidade. O dever de prestar contas é de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (CF 49, X; 70,71). Se o Legislativo e o Tribunal de Contas não exercerem tal competência, aberta estará a porta à pilhagem. A nação terá de buscar outros meios de fiscalizar e controlar os gastos do Executivo e de apurar a responsabilidade daqueles que se fartaram com o dinheiro do contribuinte.

Com base no republicano princípio da responsabilidade dos governantes, o STF poderá abrir as contas da presidência da república. Tratar essas contas como assunto de segurança nacional é expor a nação ao ridículo, apequenar a cidadania e menosprezar a inteligência dos brasileiros. Tanto na autocracia civil (1937-1945) como na autocracia militar (1964-1985) a primeira preocupação dos autocratas brasileiros foi a de retirar os seus atos da apreciação do Poder Judiciário. O Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, o partido político com representação no Congresso Nacional, a confederação sindical ou a entidade de classe de âmbito nacional, poderão provocar a atividade jurisdicional do STF e pleitear medidas preparatórias e cautelares necessárias à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, à argüição de descumprimento de preceito fundamental e à ação penal originária (CF 103, VI a VIII). A blindagem do presidente da República e correligionários, promovida por seus sequazes na CPI (mista) dos cartões corporativos, é o tácito reconhecimento da prática criminosa. Outrossim, despesas excessivas em nome da dignidade do país ou dos visitantes, também tipificam abuso. Parcimônia e modéstia combinam com dignidade. Prodigalidade e dignidade se repelem. No período 2003-2007, o governo gastou 3 bilhões e 180 milhões de reais em passagens, diárias, locomoções e auxílio-alimentação; média anual de 636 milhões de reais! Gasto escandaloso em país com graves problemas sociais! A família presidencial gastou quase 12 milhões de reais, o que representa média anual superior a 2 dois milhões de reais (média mensal superior a 160 mil reais). Os subsídios do presidente da República, fixados em lei, são ninharia perto desse montante. No citado período (2003-2007) o Brasil cresceu de 1 a 5% a/a, enquanto Rússia, Índia e China cresceram de 7 a 10%. Para quem não desvia os olhos do próprio umbigo, o crescimento da economia brasileira foi bom; para os demais, foi medíocre.

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