sábado, 12 de abril de 2008

Pedido de vista dos autos do processo

À semelhança do que ocorre no mundo da natureza, há herança genética também no mundo da cultura, características de um povo que passam de geração a geração. O período colonial e o período imperial, por exemplo, deixaram marcas profundas no caráter do povo brasileiro: o complexo de inferioridade; menosprezo às coisas da terra e valorização das coisas estrangeiras; olhos postos na Europa e nos EUA; imitação do que acontece de bom e de ruim naquelas paragens; importação de idéias, modismos e bugigangas; submissão aos interesses da metrópole (Portugal, Inglaterra, EUA); subserviência às oligarquias locais; agradar e incensar os poderosos; ser malandro e levar vantagem em tudo; protestar contra o ladrão do dinheiro público e justificar o roubo quando ele próprio for o ladrão. Eis aí o gene macunaíma & mazombo de parcela do povo brasileiro. Na outra parcela encontram-se os brasileiros que conseguiram identificar e isolar aquele gene cultural e os imigrantes europeus e asiáticos, com características físicas e culturais diferentes, aqui chegados a partir do século XIX.

Compreende-se, pois, a existência de macunaímas e mazombos no Legislativo, no Executivo, no Judiciário, nas igrejas, nos sindicatos, nas universidades, nas empresas e demais setores da sociedade. Não admira a existência de condutas contrárias à ética, ao direito e aos bons costumes nos Poderes da República. Tome-se, como exemplo, a área jurídica. Ao esforço para a celeridade processual se opõe a praxe nos tribunais de procrastinar mediante pedidos de vista. O Supremo Tribunal Federal, que devia dar o bom exemplo, incide nessa praxe censurável. Os juízes retêm, abusivamente, os autos do processo. Os motivos são os mais variados: amizade, débito para quem o auxiliou na obtenção do cargo, crença religiosa, ideologia política, simpatia com partido político, cortesia para com os governantes do momento, gratificação pecuniária e outras formas de recompensa. As justificativas também variam: doença do juiz, acúmulo de serviço, necessidade de exame mais detido da questão.

Se o magistrado adoece seguidamente e muitas são as licenças para tratamento de saúde no ano, o caminho é a aposentadoria por incapacidade física ou mental. A prestação jurisdicional não pode adoecer nem morrer com o magistrado. O acúmulo de serviço é a porta larga por onde passam a preguiça e a esperteza. Juiz que conhece bem o direito, raciocina dentro da lógica e do bom senso, tem experiência de vida, se dedica integral e honestamente à judicatura, com espírito público e sensibilidade para com os direitos dos jurisdicionados, não sofre com acúmulo de serviço. Mantém o seu serviço em dia; despacha, decide e sentencia dentro do prazo simples ou em dobro. Trabalha muito, porém com a consciência de que foi essa a sua escolha ao prestar concurso ou pleitear o cargo de livre nomeação. Mais do que servidor comum, o juiz é agente político com a função de distribuir justiça. Ao juiz não fica bem se comportar como barnabé-de-toga ou com esperteza politiqueira. Por uma ou duas sessões, tolera-se a retenção dos autos para melhor exame pelo juiz. Cumpre assinalar, todavia, como disse Marco Aurélio, eminente juiz do Supremo Tribunal Federal, em tom bem humorado, que há diferença entre pedido de vista e perdido de vista. O pedido de vista se faz depois do voto do relator, durante o julgamento da ação ou do recurso. O juiz que pediu vista não deve manter o julgamento suspenso por muito tempo. Os demais juízes que aguardam a vez para proferir o seu voto e os jurisdicionados que aguardam a solução da demanda merecem respeito e consideração. A faculdade legal e regimental de pedir vista dos autos tem sido desvirtuada. O presidente do tribunal, da turma ou da câmara, tem autoridade para solicitar a devolução dos autos. A retenção dos autos além do prazo legal é justa causa para punir o magistrado (CF 93, II, letra e). Autoriza, pois, a intervenção do juiz-presidente. Despacho, decisão e sentença são atos distintos do magistrado (CPC 162). A citada norma constitucional exige a devolução dos autos com despacho ou decisão. Silenciou quanto à sentença. A esta equivalem o voto (individual) e o acórdão (coletivo). Portanto, os autos podem ser devolvidos sem o voto escrito do juiz que solicitou vista. Entende-se que o juiz concordou tacitamente com o voto do relator. Cuida-se de presunção juris tantum, pois, nada impede que o juiz infrator profira voto divergente na sessão de julgamento.

O entendimento aqui exposto se harmoniza com as normas da razoável duração do processo e da celeridade dos trâmites processuais (CF 5º, LXXVIII). Se notificado pelo juiz-presidente, o juiz não devolver os autos, o presidente pode determinar a busca e apreensão. Se essa autoridade for exercida, não haverá mais esse tipo de procrastinação nos tribunais. Acontece que o presidente do colegiado pode estar incluído entre os juízes tardinheiros. Nesse caso, faltar-lhe-á autoridade moral para exigir dos seus colegas o que ele mesmo não cumpre. Resta, então, às pessoas com legitimidade ativa, reclamar junto ao Conselho Nacional de Justiça, as providências para que os processos retomem os trâmites legais e os magistrados desidiosos recebam as merecidas punições, inclusive na esfera penal, ainda que sejam membros de tribunal superior. Todos são iguais perante a lei (CF 5º).

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