terça-feira, 22 de abril de 2008

Direito de mentir

Em alguns inquéritos, no Congresso Nacional, os parlamentares exigiam dos investigados que fosse dita a verdade, sob pena de prisão. Diante disso, os investigados recorriam preventivamente ao Poder Judiciário para assegurar o seu direito de calar. Obtinham o amparo judicial, pois ninguém está obrigado a se auto-incriminar. A crítica à medida judicial confundiu direito de calar com direito de mentir. A sociedade tolera a mentira brejeira (1º de abril) ou a mentira piedosa (evitar sofrimento à pessoa), mas não a mentira maldosa (enganar para levar vantagem, causar dano ou dor). Aquele que mente maldosamente comete ilícito moral. Conforme a relevância da mentira o ilícito poderá adentrar o campo jurídico. O investigado tem o direito de calar, mas não o de mentir; se falar, tem o dever moral e jurídico de dizer a verdade. No ordenamento jurídico não há direito de mentir. Nem o investigado, nem o parlamentar, têm esse direito. O parlamentar responde civil e criminalmente por todos os seus atos, como qualquer cidadão, salvo no que tange à palavra, opinião e voto.

Dir-se-á que diante dessa inviolabilidade específica, o parlamentar tem o direito de mentir (CF 53). Inviolabilidade e irresponsabilidade se distinguem. A palavra é o instrumento de trabalho do parlamentar. Como representante do povo, o parlamentar fala em nome do povo, em defesa do bem comum e no interesse público. Precisa de liberdade de expressão para exercer plenamente essa defesa, produzindo leis, fiscalizando e controlando o Executivo. Por seu turno, o parlamentar deve exercer o mandato com dignidade, compostura e veracidade. O representante do povo não pode ser mentiroso, provocar escândalo, tumultuar a via pública, usar palavras de baixo calão, ofender seus pares, funcionários ou qualquer outra pessoa. Tal comportamento tipifica abuso de prerrogativa, incompatível com o decoro parlamentar e implica perda de mandato (CF 55, §1º).

Recentemente, no município de Itatiaia, a Câmara Municipal votou moção de repúdio a um jornalista acusado de escrever matérias injustas e mentirosas. Acusação genérica, leviana, sem lastro nos fatos e sem prova alguma. A opinião garantida pela Constituição há de ser séria, com base em fatos que permitam verificação da verdade ou falsidade. A moção apoiou-se em texto publicado no blog do jornalista sobre fato ocorrido no domingo de páscoa: um vereador tentava impedir o trânsito em frente à residência da mãe. A rua estava inundada por causa da forte chuva. O vereador, nervoso e aos gritos, postou-se na frente do ônibus da linha Resende-Itatiaia para impedir a passagem. O motorista insistia em passar. O jornalista, que viajava no ônibus, interveio para ajudar na solução do impasse. Os passageiros, indignados, querendo ir para casa (era perto da meia-noite) censuraram o vereador e apoiaram a decisão do motorista de prosseguir viagem. O vereador foi vaiado.

No segundo dia após esse fato, o vereador propôs a moção contra o jornalista em bases falsas. Para agravar a ofensa à dignidade pessoal e profissional do jornalista, o ofício comunicando a moção de repúdio veio vazado em termos que não constam da ata da sessão ordinária. Os termos que o ofício diz transcrever não existem. Ainda que o papel do ofício seja da Câmara Municipal e a assinatura seja do seu presidente, o conteúdo não corresponde ao da ata. Materialmente verdadeiro, o ofício revela-se ideologicamente falso. No uso do seu direito de petição e para restabelecer a verdade, o jornalista protocolou, na Câmara Municipal, resposta escrita. Requereu que a resposta fosse lida em sessão ordinária. Isto só é possível em república democrática, onde os direitos fundamentais são garantidos e têm eficácia.

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