sexta-feira, 2 de maio de 2008

Anjo e demônio.

A energia fundamental que deu origem à matéria manifesta-se no universo de modo bipolar: positiva e negativa no ser físico, macho e fêmea no ser animal, corpo e alma no ser humano. O corpo é domínio do demônio. A alma é domínio do anjo. O demônio ama a vida terrena. O anjo ama a vida celestial. Demônio e anjo não são entes personalizados; são os pólos opostos da energia que estrutura e dá vida ao ser humano. Ambos são construtivos e destrutivos. O demônio, vida instintiva do ser humano, mostra-se construtivo quando adverte a pessoa do perigo oculto, zela pela preservação do corpo, orienta na busca da pureza do ar e da água e na escolha do alimento, do abrigo, do parceiro e desperta o amor à natureza. O anjo mostra-se construtivo quando inspira bons pensamentos, bons sentimentos e atitudes de elevação moral, religiosa e mística e desperta o amor universal. Demônio e anjo são destrutivos quando há excesso nas funções; quando o ser humano torna-se cativo de um dos pólos. Enquanto encarnado, vivendo neste planeta, o ser humano pertence aos dois mundos simultaneamente: físico e espiritual. A boa qualidade de vida na trajetória terrena exige harmonia entre esses dois pólos. No final, ao demônio caberá a parte física e ao anjo, a parte espiritual. Antes disso, porém, o animal racional deve utilizar a sua inteligência para tirar bom proveito dessa bipolaridade. Evitar que o demônio se torne feroz e que o anjo voe alto demais; que um deles assuma o domínio do ser integralmente. A natureza animal, quando livre, ofusca a razão, guia-se pelos instintos e pelas paixões desenfreadas. A natureza racional, quando livre, pode afastar-se da realidade e fazer da imaginação a sua praia favorita.
Moderação é preciso. Navegar com emoção. Dirigir com a razão. Ouvir a intuição. Vigiar e orar. Amor por princípio, ordem por base e progresso por fim (Comte). Essência e existência, sem exclusões (Aristóteles + Hegel). Sociedade de consumo: paraíso do demônio. Nela predomina a força demoníaca do ser humano. A força angelical fica cerceada. O ambiente criado pelo mercado, competição acirrada, endeusamento do dinheiro e do patrimônio, prazer em excesso, luxúria, vaidade, tudo estimulado pela propaganda, ostensiva ou subliminar, nos meios de comunicação, cujos proprietários acumulam fortunas, como o diabo gosta. Sem laço espiritual, a família se desagrega e as pessoas se hostilizam diante de situação financeira adversa, da ausência de respeito entre os companheiros ou entre pais e filhos, da falta de boa educação, da equivocada noção do epicurismo e dos maus costumes apoiados pela propaganda e pelos meios de comunicação.
A diferença entre os que têm patrimônio econômico, bom padrão de vida, e os que não têm, desperta inveja, sentimento de injustiça e desejo de vingança ou de compensação. A paixão obnubila a razão. Sexo, violência, traição, sensualidade são os ingredientes de filmes e novelas para satisfazer a natureza demoníaca do consumidor. Diante de tanto estímulo, o demônio assume o comando tão logo reunidas condições propícias. A besta invade outros países, rouba, pratica genocídio, depreda e polui. Enfurecida, a força demoníaca lança criança viva do alto de edifício, estrangula e faz picadinho de pessoas, pratica incesto, assalta, seqüestra, estupra, consome droga. Se a fera pertencer à camada média ou alta da sociedade, a cobertura da mídia será intensa e dura semanas. Se pertencer à camada pobre, haverá, quando muito, notícia na parte interna da última página do jornal.
Passado o furor, a força angelical recupera o seu lugar e a força demoníaca volta à sua função construtiva. O criminoso passa a ser visto como ser humano comum, faz amizade com o policial, recebe apoio da pastoral e das entidades defensoras dos direitos humanos, recebe os benefícios da lei, cumpre pequena parte da pena e volta para o convívio dos seus iguais na sociedade justa e fraterna. Nem todos os presídios estão à altura da dignidade da pessoa humana. Quanto antes o preso ganhar liberdade, melhor para o Estado. A preferência é pela troca da pena de prisão por pena alternativa. Bom mesmo, se não houvesse prisão, nem criminoso, mas isto é sonho de uma noite de verão.

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