quinta-feira, 6 de março de 2008

Lei de Imprensa

O Supremo Tribunal Federal apreciou, em caráter preliminar e provisório, a argüição de descumprimento de preceito fundamental formulada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT. A liberdade de manifestação do pensamento estaria violada em ações propostas contra jornalistas por crentes da Igreja Universal do Reino de Deus. A relevância do fundamento da controvérsia em nível constitucional sobre a lei de imprensa justificaria a via processual escolhida. O relator concedeu liminarmente medida cautelar, embora a extrema urgência e o perigo de lesão grave não estivessem caracterizados. Ausentes as citadas circunstâncias, a medida só poderia ser concedida em sessão plenária pela maioria absoluta dos juizes (lei 9.882, 5º). Aliás, a argüição não merecia acolhida. Havia outro meio eficaz para tratar da matéria: a ação de inconstitucionalidade (lei 9.882, 4º, §1º c/c lei 9.868). A relevância da matéria não autoriza a preterição da ação cabível prevista na Constituição e regulada por lei. O precedente do STF invocado por um dos juízes, não merece aplicação, pois concorre para o desprestígio do princípio do devido processo legal.

Na sessão do tribunal (27/02/2008) o nível dos debates foi elevado, digno de uma suprema corte. A substância e a força suasória dos argumentos superaram o papel decorativo da erudição. Prevaleceram a cordialidade e o mútuo respeito. Houve troca de idéias e informações, concordância e discordância, de modo sereno e austero, como convém ao tribunal. Quanto à produtividade, os juízes perderam tempo batendo em cachorro morto. Citaram doutrina estrangeira, decisões da Suprema Corte dos EUA, para demonstrar o incontroverso: que a liberdade de imprensa é essencial à democracia. O aval da doutrina e da jurisprudência deve ser reservado ao aspecto controvertido da demanda, quando o juiz necessitar de arrimo. O juiz deve confiar na experiência, no bom senso, no seu conhecimento e inteligência, na capacidade de raciocinar por si mesmo, de analisar os dados contidos no processo, de expressar o seu entendimento e fundamentar a decisão. As muletas estrangeiras não devem ser utilizadas em obviedades, em assuntos pacificados para os quais basta uma ligeira remissão ao ouro da casa.

Dos juízes presentes à sessão, 3 votaram no sentido de ampliar a liminar e suspender, pelo prazo de 180 dias, a vigência da lei que regula a liberdade de manifestação do pensamento (lei 5.250). Dos argumentos expendidos, percebe-se que essa corrente minoritária situa a quaestio juris no plano dos princípios. A lei de imprensa vem estribada em um princípio autocrático, eixo da Carta de 1967: autoridade ampla – liberdade restrita. Com o advento da Constituição de 1988, o eixo mudou para um princípio democrático: liberdade ampla – autoridade restrita. Isto colocou a lei de imprensa fora do novo regime. Compatível com a Carta de 1967, a lei de imprensa tornou-se visceralmente contrária ao espírito da Constituição de 1988. Devia ser excluída do ordenamento jurídico. Dos demais juizes, 6 votaram pela suspensão apenas dos artigos da lei que colidem com a nova Constituição. Essa corrente majoritária situa a quaestio juris no plano das normas. A origem autoritária da lei não lhe retira a vigência. Normas expedidas pela autocracia civil (1937/1945) até hoje vigoram. O fenômeno da recepção ocorre na passagem de uma ordem jurídica a outra e evita rupturas desnecessárias. A vida continua, naturalmente. O vínculo nacional mantém a unidade do povo, as relações sociais, a vigência dos costumes e dos valores culturais.

A lei de imprensa contém normas compatíveis com o novo regime como, por exemplo, as relativas ao direito de resposta. A relevância e as peculiaridades da comunicação social exigem tratamento específico, conforme se depreende do texto constitucional (CF 220/224). Os juizes da corrente majoritária admitem a disciplina legal da manifestação do pensamento, desde que observadas as limitações constitucionais (CF 220, §§ 1º e 3º, II). Destarte, a lei infraconstitucional não poderá: (i) cercear a manifestação do pensamento (ii) impedir o exercício do direito de resposta e de qualquer trabalho, ofício ou profissão (iii) permitir a violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (iv) restringir o acesso à informação (v) afastar o sigilo da fonte. Provavelmente, a lei de imprensa permanecerá em vigor, excluídos os dispositivos incompatíveis com a Constituição superveniente.

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