segunda-feira, 10 de março de 2008

Fúria Inaciana

Luiz Inácio endoideceu quando um juiz levantou a hipótese de ser ilegal a implantação do programa “Territórios da Cidadania” em ano eleitoral. Cargos eletivos municipais estarão em disputa. O presidente e a sua base política percorrem os municípios brasileiros alardeando as virtudes desse programa e, de lambuja, as do PAC. Em ato público e discurso destemperado, Luiz Inácio injuriou o magistrado com palavras e atitudes desrespeitosas e grosseiras. Disse que o juiz não devia meter o nariz em assunto que lhe não competia; que se ele queria ser político, devia se demitir do cargo e entrar para a política, onde poderia dizer as asneiras que quisesse. Os gestos foram mais insultuosos do que as palavras. Luiz Inácio aparentava embriaguez. Estaria movido a álcool. Isto não exclui a imputabilidade penal. Quando muito, o ofensor pode ter a pena reduzida se a embriaguez, proveniente de caso fortuito, o incapacitava de entender o caráter ilícito da sua conduta. Poderia, até, ficar isento de pena se a embriaguez fosse completa (CP 28). Luiz Inácio violou (i) normas convencionais da boa educação (ii) compromisso de cumprir a Constituição e observar as leis. Menosprezou princípios fundamentais: dignidade da pessoa humana e harmonia entre os Poderes da República. Abusou do poder político ao liderar propaganda extemporânea e atacar membro de outro Poder (CF 1º, III; 2º; 78; 85, II; LC 64/1990, 19/22; lei 4.737/1965, 237, 240, 326).

A linguagem grosseira e de baixo calão é uma característica de Luiz Inácio que as autoridades do Legislativo e do Judiciário não estão obrigadas a suportar. Do ponto de vista jurídico e institucional, não há vínculo de subordinação entre essas autoridades. O equivocado título dos juízes do Supremo Tribunal Federal – STF, faz Luiz Inácio – e parte da população – pensar diferente. Ministro é subordinado ao chefe de governo; ora, membro do STF é ministro; logo, membro do STF está subordinado ao chefe de governo e, como tal, pode levar descompostura, mesmo em público. Do ponto de vista individual, os membros do STF podem incorporar o espírito de ministro e se curvar aos interesses, ao comando e até às eventuais ofensas do Executivo. Entretanto, esse não é o caso da atual composição do STF, cujos membros têm demonstrado independência, coragem e cultura próprias de juizes togados. Esse colegiado está se revelando o melhor dos últimos 45 anos. A assertiva de que o presidente da república é o magistrado supremo da nação constitui outro equívoco. Falta-lhe, para tanto, função judicante. Além disso, eventualmente, em nível pessoal, pode lhe faltar também virtude moral e preparo intelectual. O presidente está sob jurisdição do Senado (crimes de responsabilidade) e do STF (crimes comuns). Atos políticos (ex: veto) e administrativos (ex: escolha de titulares de cargos) do presidente, estão sujeitos ao exame e aprovação (ou rejeição) do Legislativo. A supremacia do presidente é conjuntural e personalizada, quando obtém maioria no Legislativo, comprada a peso de ouro, para garantir a imoralidade, a antijuridicidade e a impunidade.

No seu destempero, Luiz Inácio esqueceu que o Superior Tribunal Eleitoral – STE, além de órgão jurisdicional é, também, órgão de consulta (lei 4.737/1965, 23, XII) o que dá aos seus juízes liberdade para se manifestar sobre matéria eleitoral sem a vedação da lei orgânica da magistratura (LC 35/1979, 36, III). Aliás, como acontece com a lei de imprensa, dispositivos incompatíveis com o espírito da Constituição de 1988, devem ser expurgados dessa lei. Antes do pronunciamento do juiz não havia processo pendente de julgamento sobre o assunto. A iniciativa para instauração de processo foi posterior. Ademais, o caráter oportunista e eleitoreiro do lançamento do programa em ano eleitoral é por demais evidente para escapar ao senso comum. O alvo da censura não é o programa e sim a época do seu lançamento. No entanto, na sua conveniente embriaguez, Luiz Inácio, de maneira esperta e demagógica, jogou os destinatários do programa contra a autoridade judiciária e, de roldão, contra os opositores políticos. Longe da asnice, o juiz presidente da corte eleitoral tratara o assunto com propriedade e parcimônia, preventivamente, a fim de evitar manifesta ilegalidade no campo eleitoral. Do discurso de Luiz Inácio extrai-se a presidencial opinião de que asneira tem sede própria no Executivo e no Legislativo. Talvez, o juízo depreciativo se aplique aos ministros e subordinados no âmbito do Executivo, porém, estende-lo aos parlamentares é quebrar o decoro e a harmonia.

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