quarta-feira, 14 de julho de 2021

DIREITO DE MENTIR

Com o título acima, publiquei neste blog em 22/04/2008, artigo sobre os limites do direito de calar de quem presta depoimento como investigado em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Entendo oportuno reproduzi-lo agora, ainda que parcialmente, tendo em vista a ocorrência de problema semelhante na atual CPI/Covid-19, instaurada pelo Senado Federal.
Em alguns inquéritos, no Congresso Nacional, os parlamentares exigiam dos investigados que fosse dita a verdade, sob pena de prisão. Diante disso, os investigados recorriam preventivamente ao Poder Judiciário para assegurar o seu direito de calar (...) pois ninguém está obrigado a se autoincriminar. A crítica à medida judicial confundiu direito de calar com direito de mentir. A sociedade tolera a mentira brejeira (1º de abril) ou a mentira piedosa (evitar sofrimento à pessoa), mas não a mentira maldosa (enganar para levar vantagem, causar dano ou dor). (...) O investigado tem o direito de calar, mas não o de mentir; se falar, tem o dever moral e jurídico de dizer a verdade. No ordenamento jurídico não há direito de mentir. Nem o investigado, nem o parlamentar, têm esse direito. O parlamentar responde civil e criminalmente por todos os seus atos, como qualquer cidadão, salvo no que tange à palavra, opinião e voto. Dir-se-á que diante dessa inviolabilidade específica, o parlamentar tem o direito de mentir (CF 53). (...) A palavra é o instrumento de trabalho do parlamentar. Como representante do povo, o parlamentar fala em nome do povo, em defesa do bem comum e no interesse público. Precisa de liberdade de expressão para exercer plenamente essa defesa, produzindo leis, fiscalizando e controlando o Executivo. Por seu turno, o parlamentar deve exercer o mandato com dignidade, compostura e veracidade. O representante do povo não pode ser mentiroso, provocar escândalo, tumultuar a via pública, usar palavras de baixo calão, ofender seus pares, funcionários ou qualquer outra pessoa. Tal comportamento tipifica abuso de prerrogativa, incompatível com o decoro parlamentar e implica perda de mandato (CF 55, §1º).
Julgo oportuno, ainda, transcrever parcialmente, artigo publicado neste blog em 21/02/2008, intitulado CPI.
A competência para fiscalizar e controlar advém da função moderadora dos Poderes da República (...) O nome do Poder [Legislativo] não significa que a elaboração de leis seja a sua única função. No mesmo nível de importância e relevância, o Legislativo exerce, por exemplo, função moderadora, quando susta atos normativos do Executivo e o andamento de ações judiciais; função político-administrativa, quando convoca plebiscito e escolhe membros do TCU; função judicante, quando processa e julga autoridades por crime de responsabilidade. O controle inclui a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos do governo (CF 70). (...) A CPI só pode fazer o que a lei determina (garantia da legalidade estrita). (...) A composição da CPI aceita a representação proporcional dos partidos. As deliberações são tomadas pela maioria dos votos (CF 58, 1º/3º; 47). Os procedimentos devem seguir as regras da processualística constitucional, regimental e penal (garantia do devido processo legal). As decisões devem ser motivadas. Os direitos fundamentais da pessoa natural devem ser respeitados (CF 5º, LIV/LVI; 37). Na garantia do contraditório e da ampla defesa se inclui a presença de advogado (lei 1.579/52, 3º, §2º). Os atos da CPI podem ser controlados pelo Poder Judiciário (sistema de freios e contrapesos). Extingue-se a CPI ao findar: (i) a investigação (ii) o prazo regimental (iii) a sessão legislativa (iv) a legislatura. A Comissão faz o relatório, toma as providências cabíveis e se dissolve. (...) Outro limite funcional diz respeito ao objeto da investigação: fato determinado (...) acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País. O fato determinado pode ser complexo, ou seja, composto de outros fatos conexos, como se depreende da lei que disciplina a matéria: “se forem diversos os fatos objeto de inquérito, a comissão dirá, em separado, sobre cada um, podendo faze-lo antes mesmo de finda a investigação dos demais” (lei 1.579/52, 5º, §1º).
 A reprodução parcial dos artigos deve-se à atualidade do tema. Nesta semana (12-14/julho/2021) o Supremo Tribunal Federal, por seu presidente, manifestou-se sobre o direito ao silencio de quem presta depoimento como testemunha ou como investigado, quando o teor da pergunta pode exigir resposta que incrimine o próprio depoente. Em cada caso concreto, cabe à CPI, alicerçada nos poderes judiciários de investigação, decidir, por maioria dos seus membros, se a esquiva da testemunha ou do investigado é ou não é justificada, se a hipótese é ou não é de prisão em flagrante por conduta ilícita. Todos têm o dever moral e jurídico de dizer a verdade e de prestar informação à autoridade estatal sobre ações delituosas quando a tanto forem convocados na forma da lei. O direito de calar é exceção. A mentira é incompatível com a moral e com o direito. 

Nenhum comentário: