sexta-feira, 16 de abril de 2021

DIREITO APLICADO - II

Sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF) há dois casos recentes de relevância política nacional. O habeas corpus impetrado a favor de Luiz Inácio Lula da Silva e o mandado de injunção contra a omissão do presidente da Câmara dos Deputados relativa às petições de impeachment do presidente da república.

Caso Lula. O plenário do STF, na sessão do dia 15/04/2021, com ausência de um ministro, por decisão da maioria (8 x 2), vencidos os ministros Nunes Marques e Marco Aurélio, concedeu a ordem de habeas corpus e declarou a incompetência do foro de Curitiba para processar as ações penais propostas contra Luiz Inácio. Na próxima sessão, o tribunal decidirá sobre o foro competente, se o de Brasília ou se o de São Paulo. A incompetência decidida é material (do juízo) e não pessoal (do juiz). Incompetente é a 13ª Vara Federal de Curitiba. A questão pessoal foi decidida pela 2ª Turma do STF, que declarou a suspeição do juiz por evidente parcialidade. Os efeitos da declaração de incompetência são: (i) remessa dos autos do processo ao foro competente (ii) nulidade dos atos decisórios (iii) aproveitamento ou não das provas produzidas, a critério do novo juiz para a causa. Destarte, nulas são as decisões que receberam as denúncias, que resolveram questões incidentais ou cautelares e as sentenças de mérito. O juiz a quem forem redistribuídas as ações terá de examinar as denúncias e deferir ou indeferir cada uma delas. Se deferir, os processos retomarão os seus trâmites legais; se indeferir: (i) o caso é arquivado, se o ministério público concordar (ii) se discordar, o processo subirá ao tribunal regional que decidirá a respeito do recebimento ou não das denúncias. Recebidas as denúncias (no sentido jurídico processual) o novo juiz poderá aceitar as provas produzidas ou mandar renovar a instrução processual, abrindo ensejo à apresentação de provas, realização de audiências e alegações finais. Encerrada essa fase, o juiz prolatará nova sentença. Luiz Inácio tem a seu favor a presunção de inocência enquanto durar a pendenga. Perderá a liberdade e os direitos políticos se, no devido processo legal, houver condenação e a sentença transitar em julgado. Isto dificilmente ocorrerá antes de dezembro de 2022 tendo em vista os regulares trâmites processuais. 

Caso Bolsonaro. No pedido de injunção a ela distribuído, a ministra Carmen Lúcia, do STF, determinou a intimação do presidente da Câmara dos Deputados para que, no prazo de 5 dias, informe os motivos pelos quais as petições de impeachment contra o presidente da república ainda não foram despachadas. Depois das informações prestadas pelo deputado e da vista ao ministério público, o STF decidirá se concede ou não concede o mandado de injunção. Trata-se de garantia assegurada sob o inciso LXXI, do artigo 5º, da Constituição da República nos seguintes termos: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. No caso em tela, o regimento interno da Câmara dos Deputados é omisso quanto ao prazo para o seu presidente despachar as petições. Essa falta tem gerado abuso dos presidentes daquela Casa. As petições não são despachadas e dormem nas gavetas. Fazem tábula rasa da legal e expressamente permitida aplicação subsidiária do Código de Processo Penal (CPP), a fim de preencher a lacuna. Cuida-se da aplicação do artigo 800 do CPP, que assina o prazo de 10 dias. Este é o prazo legal que o presidente da Câmara não cumpriu. Tanto essa autoridade como qualquer outra do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, têm o dever funcional de despachar as petições que lhes são apresentadas, deferindo ou indeferindo. Não se trata de “prerrogativa” da autoridade (facultas agendi) e sim do dever que lhe cabe cumprir (norma agendi). Esse dever decorre de uma garantia constitucional dada a todos os cidadãos: o direito de petição assegurado sob a letra a, do inciso XXXIV, do artigo 5º, da Constituição da República, assim redigido: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.  A opinião dos acomodados tanto do meio forense como de outras áreas, de que “não há clima na Câmara” para a instauração do processo, de que as petições “não passarão” e alegações semelhantes, não são óbices válidos moral e juridicamente para o legal processamento das petições. O parecer favorável ou desfavorável da comissão parlamentar e a decisão do plenário julgando procedente ou improcedente as petições, têm que acontecer na forma da ética e do direito. Tanto os peticionários como também a nação brasileira, merecem resposta dos deputados. Os parlamentares têm o dever funcional, político e jurídico de decidir a favor ou contra e assumir a responsabilidade perante o eleitorado e o público em geral. 

Considerações finais. Tanto o direito de petição como o de habeas corpus têm suas raízes no sistema constitucional inglês desde 1628 e 1679, respectivamente. Esses institutos foram incluídos na ordem jurídica dos países europeus e americanos, inclusive no sistema constitucional brasileiro. O habeas corpus impetrado em favor de Luiz Inácio trata do direito de todos os cidadãos ao juiz natural. O impetrante vinha sustentando por todas as instâncias a incompetência do foro de Curitiba para processar as ações criminais em que ele figura como réu. Sem obter êxito, sofreu cerceamento em sua liberdade de ir e vir, foi preso ilegalmente e ainda não cessaram os constrangimentos. Mediante o habeas corpus ele suplicou ao STF e foi atendido. Doravante, terá direito ao juiz natural. O poder do estado, político por natureza, está distribuído entre 3 órgãos distintos, independentes e harmônicos entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário. O exercício do poder político ligado a cores e interesses partidários permitido aos dois primeiros órgãos é expressamente vedado ao judiciário. A política do judiciario consiste na pesagem das consequências das suas decisões para os cidadãos e para a coletividade, sem afastar-se dos princípios e normas do direito e do código de ética da magistratura nacional A ordem jurídica democrática não admite decisões contra legem e nem interpretações capciosas e juízos sibilinos. 


Nenhum comentário: